quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Interesses econômicos boicotam a capacitação necessária às audiências públicas do plano diretor

"A maior parte da população, como não foi capacitada,
não sabe que o Estatuto da cidade, no seu art. 5º,
prevê o parcelamento, edificação ou utilização compulsória
para vazios urbanos, podendo ser executado em
um ano após a notificação."

No final do mês de Setembro de 2011 presenciamos audiências públicas do Plano Diretor, exigidas pelo Estatuto da Cidade (lei 10257/2001 art. 40 § 4o), para elaboração ou revisão do mesmo. Assim, desde que obrigatória, a realização da audiência pública é condição de validade do processo administrativo em que está inserida. Caso não implementada, ao arrepio da determinação legal, o processo estará viciado e a decisão administrativa correspondente será inválida (Oliveira, G.H.J - Revista de Direito Administrativo v. 209, p. 153-167, jul./set. 97).
A resolução 25/2005 do Ministério das cidades no seu Art.7º diz “No processo participativo de elaboração do plano diretor a promoção das ações de sensibilização, mobilização e capacitação, devem ser voltadas, preferencialmente, para as lideranças comunitárias, movimentos sociais, profissionais especializados, entre outros atores sociais”.
Como opinar sobre um assunto que tem forte viés técnico sobre o qual não se conhece, do qual se tem, quando muito, conhecimento do que poderia afetar seu lar, como uma serralheria ao lado de sua moradia? Por isso a resolução do Ministério das Cidades traz a necessidade da sensibilização e capacitação, para que os leigos (não técnicos, população em geral) possam fazer uma leitura da cidade e município e tenham conhecimento da importância das decisões tomadas não só para o entorno imediato de onde vivem (proximidades de sua moradia), mas para todo município. Capacitar as lideranças e moradores para que consigam perceber o cenário futuro ligado a cada proposta e assim poderem escolher com conhecimento de causa.
Os moradores dos Bairros e comunidades do interior de Xanxerê devem lembrar da mobilização para convidar a população em geral a discutir a elaboração do documento “Agenda 21” do município; até motos com som foram colocadas para convidar a população. E os mesmos temas foram discutidos em cada um dos 5 setores na área urbana e 4 setores no interior, porque para o processo era importante a participação da comunidade.  
Ao contrário, para o processo do Plano Diretor, parece que a participação não era importante, porque além da falta de capacitação para participação, o debate não foi proporcionado. Participantes das audiências questionaram membros do Fórum da Agenda 21 sobre a validade das audiências públicas do Plano Diretor, já que não houve debate e sim exposição, poucas propostas foram questionadas, o que não propicia a visão do outro lado. Comentaram que parecia uma consulta pró-forma somente para validar o que os grupos com interesses econômicos ou difusos próprios estavam defendendo (antes da intervenção do MP).

Durante as audiências não se ouviu nenhuma liderança falar em IPTU progressivo, mesmo que sendo visível os vazios urbanos e terrenos com infraestutura especulando há décadas na área urbana de Xanxerê. A maior parte da população, como não foi capacitada, não sabe que o Estatuto da cidade, no seu art. 5º, prevê o parcelamento, edificação ou utilização compulsória para vazios urbanos, podendo ser executado em um ano após a notificação.
Não se ouviu falar em combate à segregação espacial, como acontece com o Bairro Pinheiros, através da definição de programas habitacionais de interesse social em áreas de vazios urbanos entre bairros consolidados. É mais fácil para quem tem o “carro do ano, a casa do ano” e pensa só no seu grupo, pedir a expansão do perímetro urbano sem limite, porque daí o seu João lá do Bairro Monte Castelo, sem pavimentação na frente de casa, com o imposto pago no litro de leite terá que pagar o transporte para trazer as crianças à escola e para as pessoas terem acesso à saúde ou terá que pagar com imposto para construir uma nova unidade de saúde lá no loteamento a 2 km da zona urbana, que daria aproximadamente 5km do centro, enquanto os terrenos e as chácaras a 2km do centro ficam especulando. Chapecó há décadas instituiu IPTU progressivo, cobrou bem e fez muitos terrenos de quem tem o carro do ano ou a casa do ano serem vendidos para construção imediata.

Durante a audiência pública ninguém esclareceu que o IPTU que seu João paga terá que pagar também a manutenção da estrada ou a pavimentação desta para chegar ao loteamento que fica a 5km do centro. Terá que pagar também pelo recolhimento de lixo que lá vai ser feito e, como nos 2 km que ficam no meio do caminho não tem moradores, ninguém paga este trajeto, logo ficará mais caro para o seu João a coleta de lixo, já o quilometro rodado, para recolher o lixo, é dividido por todos. Mas o azar é dele, que não tem o “carro do ano ou a moradia na moda”, não se incomoda com isso e nem reclama dos direitos mínimos que não tem garantido. E o azar é dele duas vezes porque não foi discutir o Plano Diretor, que ele nem sabia o que era, porque não fizeram a capacitação constante na resolução 25 do Ministério das Cidades.
Por que quem tem o “carro do ano ou a casa do ano” vai querer capacitar para dividir o poder de decisão? É mais fácil colocar ao lado da casa do seu João uma serralheria, porque no lado da casa de quem decide já está consolidado e, se não estiver, e colocarem uma serralheria que lhe incomode, que pague um advogado, acione o Ministério Público e feche, como aconteceu com o “Luck Strike Beer´s”, no endereço antigo; mas tem que ter dinheiro para pagar o advogado.

Há um discurso propagado sem medir as consequências, normalmente para justificar atividades em locais inadequados, que em Xanxerê nunca dá para fazer nada. Tecnicamente, existe a diferença entre o que já existe e deve ser respeitado, seja uma indústria, um sino, um relógio. Já estava lá e você foi se instalar/morar perto porque quis. Outra coisa é você colocar no meio de casas de moradia uma casa noturna que não tem espaço suficiente para não incomodar a vizinhança existente.
Se a atividade já existia e foi se modificando terá que encontrar alternativas para minimizar os incômodos. Criar o problema é o que o Plano Diretor (o planejamento da cidade e do município) não deve fazer, porque é uma incongruência planejar para gerar incômodo. A população deveria ter sido capacitada para perceber isso antes das audiências públicas que pró-forma pretendem permitir qualquer atividade em qualquer local em nome do pseudo crescimento econômico sem planejamento.
Economicamente é muito pior (para a imagem do município) incentivar ou deixar alguém investir para depois ter que fechar devido a atividade por ser incompatível com o local, mas ai quem tem o “carro do ano ou a residência com as últimas tecnologias do momento ” fica bem com todo mundo; a culpa foi do vizinho que reclamou. Deixar fazer tudo e não planejar é uma forma de não se indispor e deixar os problemas para o futuro contornar.
O que alguns “com um olho” questionaram/ reclamaram nas audiências pública foi o “desplanejamento” apregoado por algumas propostas de quem tem e quer manter o carro do ano ou a casa do ano e, lógico, cooptaram, para que fossem às audiências, seus empregados, clientes, apoiadores e simpatizantes, com a clara intenção de que não houvesse oportunidade para contestar.
Visando interesses próprios, diretos, um grupo apregoava a verticalização e outro grupo a expansão do perímetro urbano e até quem é técnico na área de planejamento urbano não sabia o que pensar! Vislumbrava-se uma proposta de expandir o perímetro de Faxinal dos Guedes (sobre a Bacia do Ditinho) até Xaxim para o seu João do Bairro Monte Castelo ficar tomando esgoto tratado do Ditinho, pagar o encarecimento da estrutura da cidade e o outro grupo construir prédios altos no meio de edificações baixas onde sobraram terrenos entre casa recém feitas. Para quem só pensa em ganhos financeiros expandir sem critério ou colocar um prédio alto, de 10 ou 20 pavimentos, que fará sombra sobre quem já construiu e não ficou especulando, é planejar o futuro próprio. A construção no terreno de quem ficou especulando fará sombra sobre as casas já construídas e que ainda teriam uma vida útil de décadas (podem não ter devido ao que construírem nas proximidades). Isso não é planejamento, e duvido a faculdade de arquitetura e urbanismo que apregoe esta prática que se chama incentivo à especulação imobiliária. “Planejamento é o processo de preparar um conjunto de decisões para ação futura, dirigida à consecução de objetivos através dos meios preferidos.” (DROR, 1973, p. 323).
Existe a solução técnica para otimizar a infraestrutura chamada densificação, que obviamente nenhum técnico expôs nas audiências públicas;  deve obedecer  índices tecnicamente estudados e testados através de modelagem(maquetes eletrônicas) para determinada área ou Bairro visando atingir o objetivo proposto. Paris adotou a densificação com índice de aproveitamento[1] máximo de 04; permite construir quatro vezes a área do terreno - índice considerado saudável e até permitido aumento de altura se tiver recuos tecnicamente estudados para não produzir sombra de uma construção sobre a outra. Dois prédios de cinco andares geram mais emprego que um de dez andares: esqueceram de dizer isso, porque tem especuladores que já compraram terreno no meio de casas para construir prédios de dez andares ou mais. Os interessados nos prédios altos justificaram que em Xanxerê o terreno é caro (mais caro do que em Paris) assim aqui precisa índice 07 na verdade para poder lucrar mais. Para que técnica, participação, planejamento, estudo, pensar em futuras gerações ou qualidade de vida do entorno dos prédios altos se os especuladores querem viver mais 40 anos com o que é mais importante para a cultura do consumo, como “o carro do ano e a moradia de luxo”?
A profissão de engenheiro e arquiteto tem um código de ética que no seu artigo 6º diz: “O objetivo das profissões e a ação dos profissionais voltam-se para o bem-estar e o desenvolvimento do homem, em seu ambiente e em suas diversas dimensões: como indivíduo, família, comunidade, sociedade, nação e humanidade; nas suas raízes históricas, nas gerações atual e futura”.
Mas lei e código de ética no Brasil parecem ser para quem não tem poder econômico ou político. O código de ética de engenheiros e arquitetos diz no seu art. 8º que a profissão de engenheiro e arquiteto é bem social da humanidade e o profissional é o agente capaz de exercê-la, tendo como objetivos maiores a preservação e o desenvolvimento harmônico do ser humano, de seu ambiente e de seus valores. Em terra de cego quem tem um olho é rei: capacitar é propiciar um olho e assim pode-se questionar o trono de quem atualmente é rei.

P.S.: “A legislação urbanística também influi no preço da terra.(…) A propriedade fundiária e imobiliária constitui um objeto de valorização. Fortunas podem ser amealhadas sem que, necessariamente, haja envolvimento de um capital produtivo no terreno objeto de valorização, bastando que se aumente os índices construtivos da área (MARICATO, 2009, p.41).”





Rosângela Favero – GEDIS



[1] Índice de Aproveitamento é um número que, multiplicado pela área do lote, indica a quantidade máxima de metros quadrados que podem ser construídos em um lote, somando-se as áreas de todos os pavimentos.