quarta-feira, 25 de abril de 2012

O tempo do “cobertô”


“Si o senhor não tá lembrado
dá licença de contá
que aqui onde agora está
esse edifício arto
era uma casa véia
um palacete assobradado
foi aqui seu moço
que eu, Mato Grosso e o Joca
construímo nossa maloca”
(Adoniran Barbosa, Saudosa Maloca, 1951)

Na Primeira República o Brasil iniciou um processo (ainda em curso) de transição de uma sociedade rural para outra urbana, principalmente em cidades portuárias (como o Rio de Janeiro) e/ou para onde confluíam ferrovias (caso de São Paulo). O modelo latifundiário plantacionista hegemônico desde o Império enveredava para uma crise sem volta, embora os coronéis mantivessem, graças à Política dos Governadores e ao café, o controle da vida política em suas mãos. Muitos desses coronéis e herdeiros aburguesaram-se e investiram em comércios, manufaturas, pequenas fábricas e indústrias, estabelecendo-se nessas pequenas cidades, erguendo casarões e palacetes, alguns dos quais ainda de pé.
Muitos camponeses também se deslocam para as cidades em busca de alternativas de sobrevivência, haja visto o monopólio da terra por parte dos latifundiários (o que constitui um problema crônico na espinha dorsal da sociedade brasileira) e a violência a que estavam submetidos quando nas mãos dos coronéis (herança de nosso modo escravocrata de pensar). As cidades tornaram-se para estes, assim como para muitos outros décadas depois, um refúgio possível, onde se poderia efetivamente ser livre (em todos os sentidos atribuídos ao termo).
Não é preciso ser um grande conhecedor da história nacional para saber que o sonho da vida urbana era, na verdade, uma atualização da velha utopia da terra da Cocanha, da terra sem mal e/ou demais variáveis. Como tais foram frustradas (o que, ironicamente, contribui para a manutenção do mito). As áreas próximas às indústrias e aos portos eram por demasiado caras paras as condições desses pauperizados cidadãos. Estabeleceram-se, então, em periferias distantes, como muito bem retratou Lima Barreto em seu “Clara dos Anjos”, ou ergueram cortiços e malocas nos vazios deixados pela burguesia-aristocracia nas áreas próximas aos centros. O que efetivamente alimentava a aversão ao pobre (à presença deste nas áreas nobres), por parte dos grupos já estabelecidos, como muito bem pinta Aluízio de Azevedo na voz de Miranda:

“– Um cortiço! exclamava ele, possesso. Um cortiço!
Maldito seja aquele vendeiro de todos os diabos!
Fazer-me um cortiço debaixo das janelas!...
Estragou-me a casa, o malvado!
E vomitava pragas, jurando que havia de vingar-se
 [...]
O Miranda mandou logo levantar o muro.”
(Aluízio Azevedo, O Cortiço, 1890)

No início do século XX, por influência de vanguardas urbanísticas europeias, uma onda de modernização toma conta dos centros urbanos brasileiros, a começar pelo Rio de Janeiro, sob a bandeira do higienismo. Pensando em modernizar capital, torná-la um lugar atrativo ao olho rico do turista e de chefes de Estado que, eventualmente, por lá pusessem os pés, a prefeitura do Rio de Janeiro, com a chancela do presidente da República, Rodrigues Alves, põe em prática um projeto de “revitalização” urbana. O plano era, em teoria, demasiado simples, pois consistia na derrubada de casarões velhos, cortiços, malocas, etc. do centro da cidade, alargamento das vias e arborização. Em tese, queria-se fazer do Rio uma Paris tropical (sem os incômodos sanns cullotes, é claro!).
A ‘Política do Bota à Baixo’, como ficou popularmente conhecida, deu início ao processo de favelização do Rio de Janeiro (ocupação do Morro da Favella), que depois se espalhou para o restante do país, e foi, indubitavelmente, também, vetor da Revolta da Vacina. Ao contrário do que por muito tempo se tentou vender como prova da ignorância popular, não foi o decreto da vacinação obrigatória em si que motivou as barricadas e os enfrentamentos com a polícia e com os agentes sanitários de Oswaldo Cruz. A obrigatoriedade, sim, catalisou o descontentamento da população mais pobre, que se encontrava preterida pelos poderes públicos e desabrigada em função da reforma urbana. Foi a gota d’água (ou o “puta que o pariu! agora chega!”).
Com o perdão do salto temporal que o formato do presente texto exige, podemos perceber que tais práticas com relação à população pobre, encetadas pelos poderes públicos e com a complacência de órgãos (poder judiciário) e instituições da sociedade civil, em espacial dos meios de comunicação de massa, se mantém constantes nas grandes e médias cidades brasileiras, e cada vez mais violentas.
Embora recente, o caso de Pinheirinhos é paradigmático, pois evidencia uma “logística dos problemas sociais” como bem denomina Samuel Radaelli (em texto anterior nesse blog). Parte-se do entendimento do pobre enquanto problema para a especulação imobiliária, para a beleza da cidade, para a segurança pública... Entendendo (insisto) o pobre como problema a priori, a solução (na cabeça perversa de certos administradores públicos) é livrar-se dele! Fazer com que o “problema” vá embora. Não há nenhuma preocupação em oferecer uma alternativa decente a esses grupos (morar na casa de parentes ou em albergues não é uma proposta tolerável nem mesmo em curto prazo). Instaura-se, então, um Estado policial que impede a determinados grupos sociais o exercício de direitos básicos, pois, se habitar constitui-se enquanto um privilégio, ocupar é um direito.

“Mas, um dia
nóis nem pode se alembrá
veio os homi c'as ferramentas
o dono mando derrubá
Peguemo todas nossas coisas
e fumos pro meio da rua
aprecia a demolição
Que tristeza que nóis sentia
cada táuba que caía
duia no coração”
(Adoniran Barbosa, Saudosa Maloca, 1951)


No início do mês de março, em Chapecó, três famílias que ocupavam uma área da Prefeitura (uma APP), amanheceram diante de mais de trinta policiais militares (conforme o Jornal Voz do Oeste) que cumpriam ordem de despejo. Os poucos móveis das pobres famílias eram retirados enquanto as casas de madeira eram desmanchadas. Às famílias nenhuma alternativa efetiva foi dada, apenas paleativa... A Prefeitura afirma que foram devidamente avisadas e que, inclusive, assinaram documento comprometendo-se a deixar a ocupação. As famílias argumentam que assinaram, sim, um documento, entretanto enfatizam que lhes foi dito tratar-se de solicitação para o registro em uma lista para a aquisição de habitações populares regularizadas. Tento em conta que são de pessoas de baixa instrução escolar formal e que uma das senhoras, que residia só em uma das três casas, não é alfabetizada, é bem possível que assinaram um documento que acreditavam ser outro.
 
“Mato Grosso quis gritá
Mas em cima eu falei:
‘Os homi tá cá razão
Nós arranja outro lugar’
Só se conformemo quando o Joca falou:
‘Deus dá o frio conforme o cobertô’”
(Adoniran Barbosa, Saudosa Maloca, 1951)

O referido jornal enfatizou em uma publicação o incidente, entrevistou os moradores, posicionando-se claramente, inclusive, do “lado destes”, etc. Entretanto, nos dias que seguiram, não tocou mais no assunto, não pressionou a Prefeitura, não procurou os “atingidos”... postura essa que revela questões sobremaneira preocupantes. A inicial indignação atesta a revolta, por parte de um formador de opinião, frente às injustiças sociais. O esquecimento repentino do assunto mostra, por sua vez, um processo de naturalização/banalização (fatalismo) da violência contra o pobre. Talvez aí esteja o problema primeiro que move (ou deixa mover) esse tipo de ação: a naturalização do não natural ou, então, o paradoxo da doxa. Tomar consciência da historicidade de tais relações de forças desiguais é fator precípuo para um novo entendimento de direitos sociais, que não se limite à informação e à inicial indignação, mas que envolva uma postura ativa de permanente vigilância (para o exercício de direitos já constituídos em lei). O “cobertô” que ao frio suporta já está corroído pelo tempo, não abriga mais ninguém.


                        Bruno Antonio Picoli – GEDIS
                        Regina Miliorança – Acadêmica de Arquitetura e Urbanismo

terça-feira, 17 de abril de 2012

Câmeras de Vídeomonitoramento – Um estelionato virtual ou governamental


Recentemente, deparei-me com notícias, no site da Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina, referentes a projetos relativos à implantação de câmeras de vídeomonitoramento em diversos municípios do Estado, cujos orçamentos importarão investimentos de mais de 12 milhões de reais (Projetos “Bem-te-vi” e “Força-tur”).
A utilização dessa espécie de recurso, atualmente, virou moda, e sem qualquer análise crítica tem sido adotada por inúmeros Estados da Federação, sempre com promessa de aperfeiçoamento e melhoria na eficiência da segurança pública, quando não é anunciada como a panacéia para todas as questões de (in)segurança pública.
Com bastante freqüência somos presenteados com a mais variada gama de crimes, todos devidamente documentados por câmeras de vídeomonitoramento, estrategicamente colocadas nos mais diversos locais.
A maior parte dessas imagens é produzida por câmeras de vídeomonitoramento instaladas em estabelecimentos comerciais, como parte de pacotes de medidas de segurança de empresas privadas de atuação na área.
Em sua maioria, as câmeras de vídeomonitoramento captam imagens de duvidosa qualidade e nitidez, produzindo, com bastante freqüência, imagens praticamente inservíveis, em razão da péssima qualidade da aparelhagem e gravação de vídeo.
Todavia, o fato está ali documentado e dando a falsa impressão de que a solução do problema, através da identificação do(s) criminoso(s) e sua conseqüente prisão, será breve.
Não existe qualquer pesquisa acerca da eficácia de tais aparelhagens ou em quanto, em que medida, contribuem para identificação de criminosos e solução de crimes.
A única certeza é da imagem dos fatos nos órgão midiáticos e a inegável contribuição ao imaginário popular da “total insegurança pública” em que vivemos, além de fomento aos apresentadores de TV de plantão em seus discursos a falta de policiamento, da incompetência dos políticos e insegurança em geral.
Em nosso Estado, como já foi mencionado, encontra-se em implantação uma rede de vídeomonitoramento em diversas cidades, com o objetivo de corrigir as defasagens da segurança pública e propiciar um maior e melhor policiamento preventivo.
Inicialmente, sem entrar em detalhes do custo de implantação da medida governamental (custos da aparelhagem, pessoal encarregado de sua manutenção, instalação etc), é mister destacar-se que a defasagem nos efetivos das Polícias Civil e Militar encontram-se em torno de 40%, para sermos otimistas.
Venho constantemente enfatizando que nada substitui o policiamento preventivo ostensivo, ainda que a tecnologia permita-nos alguns recursos, como é o caso das câmeras de vídeomonitoramento, de auxílio a essa atividade, mas jamais como instrumento de sua substituição.
Mesmo que não se entre em detalhes do custo de tais aparelhagens, a relação custo-benefício que foi sempre um dos instrumentos para aferição e implantação de quaisquer medidas governamentais, notadamente, na área da segurança pública, mas que, no caso das câmeras não pode (e nem foi) ser realizado. Ainda que de forma irônica, essa impossibilidade se dá por razões óbvias, que já foram mencionadas: inexistência de qualquer trabalho científico de análise de sua eficácia.
De outra parte, não se pode descurar que a implantação de tais câmeras é justificada pela carência de recursos humanos. Enquanto a carência de recursos humanos é, por sua vez, justificada pela falta de recursos do Estado para contratar mais policiais.
Há, sem sombra de dúvida, um paradoxo. Como não se sabe o verdadeiro custo o de tais projetos e sequer de sua eficiência, como afirmar que seu custo é menor que o da contratação de policiais.
Observe-se que o valor de 12 milhões de reais (R$ 12.000.000,00) destinados aos dois projetos de implantação das câmeras de vídeomonitoramento, com certeza, não prevêem o custo de manutenção e contratação de profissionais necessários a seu permanente funcionamento.
O mais espantoso é verificarmos que as câmeras, para sua utilização, necessitam de profissionais, que também importam um custo; entretanto, a Administração Pública alega não poder contratar policiais por não dispor de recursos para tal.
Voltamos à estaca zero, pois não conhecemos os custos da contratação de policiais, bem como desconhecemos em que quantidade e medida as câmeras substituem o policiamento realizado por policiais.
Logo, estamos diante do fato consumado da substituição de policiais por câmeras de vídeomonitoramento desconhecendo a medida de eficácia dessas aparelhagens e sua contribuição para segurança.
Minha percepção, por experiência e, notadamente, por um raciocínio lógico, é de que as câmeras de vídeomonitoramento representam, atualmente, um verdadeiro estelionato virtual e político, perfeitamente identificado e explicado, como se verá a seguir.
1. Apresenta-se como de alta eficiência uma medida que não possui qualquer pesquisa ou estudo que confirme tal assertiva.
2. Destaca-se ainda sua eficiência na substituição do policiamento tradicional, sem que existam qualquer estudo ou estatística comparativa. E, destaque-se que isso sequer seria possível, pois o policiamento tradicional, realizado por policiais, é praticamente inexistente. Logo, forçoso concluir que nem há como comparar-se.
3. Salienta-se a economia da instalação das câmeras em relação à utilização de policiamento tradicional, sem que se saiba os valores de sua implementação em comparação ao custo da contratação de policiais.
4. Propositadamente ou não, sonega-se a informação que as diversas imagens são captadas em um único aparelho, que é monitorado, na mais das vezes, por pessoas que não possuem nenhum treinamento e experiência na atividade policial. Portanto, com freqüência, incapazes de identificar uma ação criminosa e mesmo os próprios criminosos.
5. Desconhecemos quais são os critérios e razões, por exemplo, da localização das câmeras de vídeomonitoramento.
Ao governo, como sempre, incumbe o discurso justificador, o qual, entretanto, não resiste a uma análise mais acurada, pois contra fatos não há argumentos.
Há, unicamente, engodos. Fraudes para enganar ou manter em erro, as quais, quando propiciarem ilícita vantagem econômica, em Direito Penal, tipificariam um estelionato, um crime.
O imposto é pago e é a vantagem obtida pelo Estado...e a contrapartida...é a pergunta que fica.   


Eduardo Pianalto de Azevedo
 Professor de Direito Penal – Unoesc – Campus de Xanxerê\SC

domingo, 8 de abril de 2012

Os direitos humanos e a necessária vigilância cidadã

            A velha máxima “o preço da liberdade é a eterna vigilância” não esgotou suas possibilidades de sentido. Prova isso dois fatores: a volta do conservadorismo político na Europa e em diversos países e um discurso midiático que afirma a prescindibilidade e, em alguns casos, a nocividade dos direitos humanos.
            São essas duas questões intimamente ligadas que ameaçam conquistas políticas importantes da sociedade. Diante disso, cumpre perguntar o que motiva essa “marcha ré” da cidadania, a qual começa a crer que ter direitos já não é tão importante. Ora, se a característica fundamental da cidadania é ter direitos, como é possível um movimento cidadão para reduzir a própria cidadania? É algo tão contraditório que é impossível compreender sob uma perspectiva racional.
            Indivíduos fragilizados têm uma propensão a aderirem a movimentos totalitários, e a negação da relevância dos direitos humanos é uma expressão característica de movimentos de propensão autoritária ou totalitária.
            Isso é uma esfera que começa no âmbito individual e ganha uma dimensão coletiva. O exemplo disso é a pessoa que passa a defender a pena de morte após ser assaltado. Nesse caso, tem-se a nítida experiência da fragilidade contra a qual esse sujeito quer responder, mas não consegue, restando-lhe apostar em uma força vingadora que o retire dessa condição tíbia.
            E aí passa a alimentar movimentos políticos desejosos de um Estado violento, que não respeita os direitos humanos. E então consegue nutrir uma dupla recompensa: por um lado, a sensação de vingança, ao ver aqueles que representam o seu malfeitor sendo agredidos, ou seja, devolvendo a eles o sentimento de medo e dor, e, por outro, tem a impressão de estar seguro na medida em que o Estado lhe empresta uma impressão de força.
            A busca por retribuir violência a quem lhe ameaça reflete uma necessidade infinitamente maior: o de auto-afirmação social, haja vista que é uma prática que ganha força em uma classe média que se identifica com os ricos, é tratada por eles como pobre e não consegue se resolver com o que é devido à perspectiva de poder ser da classe alta, sentimento corriqueiro dentre os membros da classe média. Afinal, quem saiu da classe baixa, em tese, poderia chegar à classe alta.
            Ideais políticos pautados pela truculência podem ilusoriamente representar uma compensação da fragilidade individual ou de um grupo, o qual torna-se propenso à irracionalidade política.
            Esse comportamento é uma patologia que de tempos em tempos reaparece, buscando angariar adeptos para reformas legais retrógradas. Esses grupos contam mais com a apatia da sociedade do que com a sua capacidade de arregimentar apoiadores. Eles não juntam a maioria da população, mas sim um grupo fundamentalista que age na medida em que a sociedade não responde à altura dos seus avanços.
            Assim, é necessário uma vigilância cidadã que reitere incansavelmente sob diversas formas os fundamentos de uma ordem política pautada pela democracia e pelos direitos humanos, de modo a avançar na extensão desses dois valores e nunca retroceder.



Samuel Mânica Radaelli - GEDIS

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Desocupação do Bairro Pinheirinho: questões constitucionais


“Justiça é como as serpentes, só pica os descalços.” Dom Oscar Romero

Considerando que existem grandes mansões
Enquanto os senhores nos deixam sem teto
Nós decidimos: agora nelas nos instalaremos
Porque em nossos buracos não temos mais condições de ficar.
Considerando que os senhores nos ameaçam
Com fuzis e canhões
Nós decidimos, de agora em diante
Temeremos mais a miséria do que a morte.  (“Resolução”, Berthold Brecht)

A reintegração de posse do terreno pertencente à massa falida do mega delinqüente Naji Nahas foi vista por muitos como uma medida jurídica irrepreensível, e que inobstante o fato de mais sete mil pessoas ficarem sem ter para onde ir, a justiça foi feita. Infelizmente segundo alguns juristas, “é a lei e não há o que fazer, do contrário cairemos na insegurança jurídica”. Tal afirmação não procede, em razão de que nossa ordem constitucional não acolheu a possibilidade de o direito de propriedade ser superior ao direito de moradia de 7 mil pessoas.
Nosso sistema jurídico prima pela dignidade humana, o que representa um fundamento dogmático a impedir que fosse lançada um força policial de 2 mil homens para remover essas pessoas. O direito de propriedade não é a única, nem a mais importante prerrogativa constitucional, ele necessita conciliar-se com o direito à moradia, dentre outros dispositivos constitucionais que visam construir uma sociedade justa e solidária.
O respeito à segurança jurídica se faz com a extensão dos direitos humanos a todos. Essa figura tão invocada não pode ser uma prerrogativa dos que tem, enquanto uma grande maioria fica já “acostumada” a tantas vicissitudes, insegurança social, insegurança alimentar, insegurança pública, insegurança sanitária, insegurança educacional e por aí vai.
É preciso perceber que insegurança jurídica ocorre também quando uma parcela da população esta à margem das garantias sociais, quando a fronteira social entre os que tem e os que não tem  transfere-se para o Judiciário e converte-se, sobre os mesmos tapumes, em uma fronteira constitucional, com uma leitura seletiva da Constituição que exclui os direitos sociais e percebe apenas os direitos individuais.
O estado de São Paulo tem protagonizado uma política de “logística dos problemas sociais”, ou seja, ao invés de promover políticas públicas optou por remover as pessoas que encarnam esses problemas, basta lembrar a retirada dos albergues do centro da cidade para que os mendigos não estragassem a paisagem e a impossibilidade de circulação de viciados na Cracolândia. No caso da expulsão no Bairro Pinheirinho, o governo municipal tomou uma medida fantástica: distribuiu passagens de ônibus para que os “problemas”, quer dizer, os moradores do loteamento irregular, fossem embora. Poderiam até pegar carona com o pessoal da Cracolândia em busca de um lugar para aqueles que a sociedade julgou inconvenientes, tratando-os como se a ela não pertencessem!
O Direito e o Judiciário não podem ser caudatários de uma sociedade que almeja cindir de um lado os que têm dos que não têm. Nossa Constituição não anui com medidas como essa, diante disso torna-se necessário estabelecer judicialmente a resistência constitucional.


Samuel Mânica Radaelli - GEDIS