sexta-feira, 27 de julho de 2012

Impeachment no Paraguai: um golpe travestido de legalidade


No dia 22 de junho deste ano nosso país vizinho aprovou o impeachment do (ex) Presidente paraguaio Fernando Lugo, sob a acusação de ser responsável pelas 17 mortes ocorridas durante o enfrentamento entre camponeses e forças de segurança na cidade de Curuguaty, a 259 quilômetros da fronteira com o Brasil. A matança, segundo especialistas, tratou-se de um pretexto para que grupos da oposição do Congresso Paraguaio entrassem em ação contra o Presidente.
Com base neste fato, e com incríveis 39 votos a favor, quatro contra e duas abstenções, o senado paraguaio “eficazmente” conduziu e aprovou o processo de impeachment em pouco mais de 24 horas! Sim, para os inimigos de Lugo pouco mais de um dia é tempo mais do que necessário para realizar seu julgamento político.
Muitos criticaram a forma pela qual fora conduzido o processo, afirmando se tratar de uma ameaça à democracia paraguaia. Em contrapartida, outros argumentaram que o processo de impeachment foi pautado nos princípios constitucionais, não havendo que se falar em ilegalidade, tampouco em golpe.
Ora, necessário salientar que seguir os ditames legais não significa dizer que o processo foi ético e muito menos democrático. Abaixo explico o porquê.
A título exemplificativo, a história paraguaia de julgamentos políticos de presidentes elucida que no ano de 1928, o presidente José Guggiari teve três meses para se defender, mais recentemente no ano 2003, Gonzáles Macchi teve três semanas para apresentar sua defesa. Já o Lugo [...] Bom, Lugo teve duas horas defender-se.
 Pergunta-se, tal procedimento foi legal? Sim, pois a lei paraguaia determina que o tempo mínimo para que a defesa seja apresentada em um processo de impeachment foi exatamente o concedido, ou seja, duas horas. Mas, por outro lado, pergunta-se: O tempo concedido para Lugo defender-se foi ético? Foi democrático? O fato de os parlamentares não terem concedido tempo suficiente que Lugo necessitava para apresentar sua defesa, poder-se-ia chamar de impeachment ou de um atroz golpe?
Quiçá a decisão extremamente rápida dos parlamentares paraguaios já esteja causando inúmeras consequências, devido ao fato de os países Sul Americanos não terem reconhecido o governo do novo Presidente Federico Franco, e tomado entre outras medidas, o isolamento do Paraguai das reuniões do Mercosul e da Unasul; tal isolamento acabou por gerar um crise política e econômica no país.
Após o desenrolar dos fatos, o presidente deposto declarou que alguns parlamentares procuraram-no preocupados com as consequências da decisão tomada, mas agora a pergunta que permanece é a seguinte: como os paraguaios irão convencer os países latinos que o processo não se tratou de um golpe e como conseguirão resistir o isolamento até as próximas eleições em abril de 2013?

Júlia Dambrós Marçal - GEDIS

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Manual do apriorismo jurídico


A discussão jurídica atual forma seu contexto combinando três aspectos: a  complexidade não percebida do direito contemporâneo, sua expansão tanto em relevância  social quanto ao acesso ao judiciário, por fim a expansão do número de vagas ao ensino superior.
A combinação destes três fatores num contexto político de certa apatia fez com que todos busquem o direito acreditando ser ele uma técnica de memorização legal pela qual o sujeito estaria apto a uma boa carreira, ou a saber manusear a lei a seu favor.
A incompreensão das implicações inerentes ao direito dá a falsa noção de que o direito é fácil, abrindo margem para que o senso comum se distancie largamente da ciência do direito. Muitos dirão “isso ocorre em todas as ciências”; de fato ocorre, mas o que há de anormal na produção de conhecimento jurídico é o fato de que, em outras ciências, os estudantes refutam desde logo o que há de errôneo e apriorístico no senso comum, o que não ocorre com os bacharelandos de direito.
Torna-se fato corriqueiro ver alunos repetindo chavões do senso comum. Mesmo concluindo o curso é comum a existência de alunos que pautam sua opinião por conclusões estabelecidas na Veja, Época, Jornal Nacional e outro mecanismos da grande mídia, subordinando a trajetória do conhecimento jurídico a “achismos” inconseqüentes, fruto de uma análise feita apriori, impossível de ser sustentada quando se compreende a razão histórica de determinadas opções legais, as quais são frutos lutas políticas deflagradas ao longo do tempo.
            Tal fato motiva elencar um rol de chavões descabidos que tem empesteado as discussões  em sala de aula, para que eles sejam evitados, e os alunos partam de pressupostos mais qualificados. São eles:

1)    Nunca houve uma sociedade tão violenta quanto a atual”... Pergunta-se que sociedade foi menos violência que a atual;
2)    “Com menor não dá nada”... As casas de recuperação de menores estão cheias de que?;
3)    Os empresários são que mais pagam impostos neste país”... Proporcionalmente não;
4)    “Tem que privatizar para diminuir a corrupção”... Se o estado ficar sem nada uma coisa é certa: ninguém vai roubar nada dele;
5)    “Direitos humanos não são para bandido”... Se o bandido for humano deveria sê-lo;
6)    As crianças não se educam mais pelo excesso de direitos dados a elas”... Em Auschwitz as crianças judias eram bem educadinhas!;
7)    “As leis são muito brandas”... As da Noruega, talvez;
8)    A saída é pena de morte”... Para aquele que crê pode ser a entrada para o reino do céu;
9)    “Não se deve controlar os meios de comunicação em uma sociedade democrática”... Assim seremos controlados por eles;
10)  “Liberdade de imprensa é poder dizer qualquer coisa”;
11)  “É preciso reduzir a carga tributária”... De quem? E como?;
12)  “Lei é para ser obedecida”... Lei é para ser interpretada;
13)  “A família é um valor que precisa ser resgatado”... Qual o preço do resgate? Quem a seqüestrou?;
14)  “É preciso reduzir a idade penal para que os criminosos  a não recrutem adolescentes para o crime”... Se for reduzida para doze anos eles irão recrutar crianças;
15)  “É inadmissível que alguém indiciado esteja livre para se envolver em outros crimes”... É admissível sim: o nome disso é “presunção de inocência”;
16)  “Não é justo que aqueles que produzem mais paguem mais impostos”... Justo seria quem lucra mais pagar mais impostos, mas isto não acontece;
17)  É melhor qualquer trabalho que trabalho nenhum”... Claro, até 13 de maio de 1888 não havia nenhum negro desempregado;
18)  “A Justiça do Trabalho protege o trabalhador”... por isso tem esse nome!;
19)  “Negar a extradição de alguém gera um incidente diplomático”... só gera incidente diplomático quando um país do sul do mundo nega extradição pedida por um país da Europa ou os EUA, o contrário não;
20)  O Brasil não extradita brasileiros, esta é uma das causas da impunidade”... O Brasil e o resto mundo. Que mundo impune...;
21)  “Abrir o comércio aos domingos gera emprego”...  se trabalha-se no domingo, qual é sua função?
22)  “A redução da jornada de trabalho gera desemprego”... Façamos as contas. O DIEESE fez e chegou à conclusão contrária;
23)  “Não devemos estabelecer relações com países não-democráticos”... Ótimo! Aí nosso comércio exterior vai ficar restrito a aproximadamente uns cinqüenta países!;
24)  “Nem tudo que é jurídico é moral”... Por isso inventaram estes dois conceitos.

A ampla difusão destes chavões, tanta vezes repetidos em salas de aula de cursos de Direito, acontece pela crença errônea presente no imaginário de muitos alunos e – pasmem! – até de alguns professores de que informação é conhecimento.
Informação é um indicativo, no máximo um fragmento do conhecimento, e é por isso que ter informação não significa necessariamente ter conhecimento. Não se pode obter conhecimento apenas lendo uma reportagem ou escutando o comentarista de algum telejornal, pois, via de regra, o conhecimento conflita com esta opiniões. Desse modo, a reprodução em sala de aula destas opiniões da grande mídia precisa ser feita à luz da diferença entre conhecimento e informação.



Samuel Mânica Radaelli - GEDIS

quinta-feira, 5 de julho de 2012

A “destreza” da mídia: a imprensa brasileira como (último) reduto de uma direita feroz e truculenta



O episódio recente do golpe branco dado ao presidente Fernando Lugo revela o quanto a democracia depende da vigilância política consolidada através da cidadania ativa.
Nesse acontecimento a posicão da mídia é novamente a mais reacionária e antidemocrática possível, a qual, diante de um processo de cassação de mandato de um presidente que durou apenas 30 horas, insiste em estratégias sutis de parcialidade, não  sendo mais defensável do ponto de vista político defender o golpe à luz da democracia, começa disseminar que, para os interesses brasileiros, deve ser reconhecida como legítima a troca de governo.
Em geral, os grandes jornais e emissoras de TV não têm o menor pudor em contradizer a posições recentemente assumidas quando criticavam a integração latino-americana, dizendo que é prejudicial “levar nas costas” países como o Paraguai, ou Bolívia. Agora, o discurso midiático diz que o processo de integração não deve ser ameaçado em razão de divergências políticas, afinal descobriu-se “repentinamente” que nossa balança comercial tem um superávit de 1,3 bilhão de dólares por ano nas relações de comércio. Espantoso!
Mais espantoso é que essa análise não é feita em relação Irã: lá não vale o ganho comercial, vale a democracia. Um comparativo entre os dois casos revela a atuação incoerente da mídia: em relação ao Irã o Brasil deve impor a democracia ao país e à população; em relação ao Paraguai deve colaborar para o fim dela à revelia da vontade popular, em razão do interesse dos brasiguaios.
É muita contradição!
Por trás está o combate à mudança social, propósito que torna qualquer discurso de imparcialidade ou liberdade imprensa um grande mentira. Por essas e outras é que a mídia é o maior entidade de direita no Brasil de hoje.


Samuel Mânica Radaelli – GEDIS