segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O Julgamento do Mensalão e a Formação do Estereótipo do “Juiz Socialmente Adequado”


A Ação Penal 470, julgada pelo Supremo Tribunal Federal, foi alvo constante da mídia. Até poucos dias, não se falava em outra coisa nos programas televisivos, jornais e até mesmo na internet. É bem verdade que essa postura revela, em certa medida, aspectos positivos, além de, é claro, constituir-se em exercício da liberdade de imprensa, constitucionalmente assegurada.  Contudo, também ocasionou reflexos negativos, os quais, embora não maculem o direito de cobertura do “evento” pela imprensa (embora os propósitos políticos sejam claros), implicam na necessidade de maior cautela e reflexão por parte da sociedade brasileira, em especial da comunidade jurídica.
Ao lado do julgamento promovido pelo STF, houve outro, que consistiu na construção do estereótipo do “juiz  criminal socialmente adequado” ou, se se prefere,  do “Juiz Herói”.
Desde então, tornou-se perceptível uma cobrança social, encabeçada pela mídia e difundida pelos quatro cantos do País, da postura a ser tomada pelos juízes, em especial os que atuam na área penal. Claro que o discurso não é novo. No entanto, tomou mais amplitude com(o) (tudo) (n)o mencionado “Julgamento do Mensalão”.
Traçando um panorama geral, para ser bem quisto perante a opinião pública e midiática, o juiz criminal deve sempre combater o criminoso, elegendo-o inimigo (seu e da sociedade); deve reduzir ao máximo as garantias processuais – vistas como obstáculos; tomar a iniciativa probatória; infligir penas longas e privilegiar a prisão em detrimento das demais espécies de pena; atender ao clamor social na interpretação dos fatos e dos textos jurídicos, ampliando-se ao máximo o alcance dos tipos penais para lograr êxito na condenação do réu; o julgamento deve ser rápido; o acusado deve ser encarcerado desde o início da persecução penal; deve presumir ser o réu culpado, condenando-o em caso de dúvida, etc.
Entretanto, essa postura confronta diretamente postulados básicos e essenciais da legitimidade constitucional do Direito Penal e da atuação jurisdicional neste campo do Direito. Longe de ser espaço para exercer a vingança, a barbárie e o ódio, o Direito Penal deve servir para evitar arbitrariedades, impondo limites ao exercício da “violência” conferida exclusivamente ao Estado; serve, pois, como “garantia” dos indivíduos frente ao Estado.  
Daí a necessidade de o juiz criminal fugir de uma postura pop(ularizada) para fazer valer as garantias e os direitos humanos e fundamentais, consolidados na Constituição da República Federativa do Brasil, Convenções, Tratados e na legislação em geral. A postura a ser tomada deve ser pela salvaguarda desses postulados jurídicos, ainda que, para tanto, esta postura revele-se contramajoritária, desagradando a mídia e a maioria da população.
Ainda que o herói se apresente como um personagem que age com bondade – enquanto o vilão (o réu) encarna o mal – , até mesmo desta devemos ser protegidos. Como lembra Alexandre Morais da Rosa, parafraseando Jacinto Nelson Miranda Coutinho e Agostinho Ramalho Marques Neto: “O problema é saber [...] , qual é o critério, ou seja, o que é a 'bondade' para ele. Um nazista tinha por decisão boa ordenar a morte de inocentes; e neste diapasão os exemplos multiplicam-se. Em um lugar tão vago, por outro lado, aparecem facilmente os conhecidos 'justiceiros', sempre lotados de 'bondade', em geral querendo o 'bem' dos condenados e, antes, o da sociedade. Em realidade, há aí puro narcisismo; gente lutando contra seus próprios fantasmas. [...] E, ao final, a pergunta que remanesce [...]: quem nos salva da bondade dos bons (juízes)?. Cuidado ao pisar no tapete....” (http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/11513-11513-1-PB.htm).

Cleiton Luis Chiodi – GEDIS