sábado, 28 de dezembro de 2013

Greve dos funcionários públicos municipais de Xanxerê: direito de quem não erra?


Eu não escolheria este tema para escrever, pois está intimamente relacionado com uma boa parte de minha vida. Contudo, justamente por este motivo fui escolhida pelo GEDIS, embora tentasse justificar que consideraria a greve desnecessária se houvesse mais respeito com e entre os funcionários públicos. Não convenci.

Dessa forma, já que preciso escrever, usarei uma cláusula: não há como analisar só a greve. Nesse texto, portanto, aproveitarei o evento greve para descrever algumas condições suportadas pelos funcionários públicos, questões intimamente ligadas à organização política de nossa sociedade.

Já houve funcionários concursados, por exemplo, tendo que contar parafusos ao som do jingle de campanha do partido vencedor; “pena” imposta pelos partidários e  aceita pelo prefeito eleito. Não há como esquecer a atitude, nem que o fato não gerou uma greve nem protestos entre a população xanxerense (que se diz cristã em sua maioria). É necessário analisar o contexto.

O poder de mando sobre os funcionários públicos municipais é dado pela maioria dos munícipes votantes. É um cargo político é não técnico. Assim, é dado a um político, que por muitas vezes pela primeira vez tem sob seu comando tantos e tão diversificados profissionais, o poder de mando e decisão sobre dos funcionários municipais.

Sabe-se de prefeitos que se dirigiam aos funcionários como “pouca prática”. Até onde sei não foram estes funcionários públicos que colocaram as pessoas morando em locais perigosos (Santa Cruz, Vila União e Colina Verde). Foram os prefeitos ou seus cargos de confiança “muito políticos e pouco técnicos”, ou pouca prática, como preferirem.

Houve, também, prefeitos que designaram os funcionários concursados como “herança maldita”. Para estes a “heranças bendita” seriam todos seus cabos eleitorais, não concursados, fazendo o que pedissem, mesmo que desobedecendo a lei ou os tramites normais (que os simples mortais precisam cumprir) e engordando o caixa dois (segundo o ex-presidente Lula, prática sistemática no Brasil).

Assim, uma greve não deveria trazer em si somente o desejo/necessidade da recuperação das perdas salariais, mas da recuperação de dignidade, não apenas pessoal dos funcionários, mas, no caso, dos próprios habitantes de um município. Os jogos políticos do uso da greve ocorrida só refletem a sujeira gerada pela falta de caráter do sistema (e das pessoas que o operaram, operam e operarão) e também do que ele gera.  A cada eleição os funcionários são pressionados a fazer campanha para o partido/candidato da situação. Em minha opinião isso deveria ser proibido inclusive fora do horário de expediente, para resguardar os funcionários desta pressão da qual são vítimas a cada dois anos. Funcionários públicos devem trabalhar, em sua função ou em outra que o funcionário aceitar trabalhar (e não na que o prefeito eleito ou seus cargos de confiança decidiram porque o sujeito não fez campanha, porque não é do partido etc), sob o comando de quem a maioria da população decidir.

Os próprios funcionários, ao longo dos anos, vêm aceitando vantagens individuais (que podem chegar a 80% do valor do salário), ao invés de lutarem unidos pela recomposição das perdas salariais. Quantos funcionários já foram na sala do prefeito negociar seu aumento de salário, deixando seus colegas, com a mesma função e direitos, ganhando menos? Quantos foram pedir aumento do seu vencimento mensal, deixando que os outros colegas se explodissem? Quantos trocaram acertos salariais de todos os funcionários pela mudança de vencimento mensal da categoria de seus parentes? A greve é legitima, afinal, recomposição de perda salarial deve ser feita mesmo que a folha de pagamento ultrapasse os 51,3% acordados no “acerto” com o sindicato (o limite é 54% da receita corrente líquida conforme a Lei Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal).

Ouve-se a pergunta de muitos munícipes: “para que tantos funcionários?” Alguns prefeitos percebem nos primeiros meses – outros passam anos e fazem de conta que não percebem – que o funcionário que trabalha, sempre trabalha de acordo com as condições que lhe dão. O funcionário que não trabalha, por sua vez, normalmente é o que se torna puxa saco (porque tem tempo e estômago). Este último geralmente é o que ganha as “vantagens”, que com o tempo comprometem o salário daqueles que trabalham.

Além disso, é bom lembrar que a cada mandato precisa admitir um número “x” dos cabos eleitorais, a maioria não técnicos (e em muitos setores faltam técnicos). Muitos munícipes percebem isso e ninguém faz nada, e se um funcionário público denunciar alguma ilegalidade, pobre dele. Não há publicação na imprensa quanto ao numero oficial de cargos de confiança. Contudo, dentre os 1400 funcionários públicos do município de Xanxerê, há um numero misterioso entre mais de uma centena e quantos cada prefeito desejar.

A meu ver, a greve deveria abrir discussão sobre essa jogatina politiqueira que se faz na maioria das trocas de mandato. Porém, se os próprios comandantes do sindicato aceitam a politicagem, o que se pode esperar de um sistema assim? O Plano de cargos e salários que incorporou aumento salarial através de cursos e especializações é um grande ganho tanto para os funcionários, quanto para os munícipes, pois premia quem busca aperfeiçoar-se ao invés de garantir aumento a apadrinhados politicamente. Por outro lado esses aumentos ficam longe dos 80% de vantagem oferecida politicamente.

Aqueles que trabalham desgastam o estômago tentando resolver problemas e ouvindo despautérios dos chefes, e também dos munícipes (educação precisa de esforço para se obter), enquanto aqueles que não trabalham “puxam o saco” e ganham gordas vantagens.  Há um ditado no serviço público brasileiro: quem trabalha pouco, erra pouco, quem trabalha muito, erra muito e quem não trabalha, não erra, e é promovido.



Rosângela Favero - GEDIS

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Não seria a “mulher vadia” um símbolo da libertação feminina?



Sexualidade é um dos interesses mais debatidos (e desejados) pela humanidade. A questão é tão importante que não raro vira símbolo social, sendo a prática sexual elevada à condição de pilar de uma determinada cultura. O direito de família brasileiro, por exemplo, é pacificamente considerado uma estrutura normativa voltada à normalização das relações sexuais. Nesse pensar, ditar padrões de conduta sexuais significa muito mais que “moralizar as coisas”: representa o desejo de perpetuar uma determinada ordem, um sistema desejado, uma ideologia em que se crê.

Fim da “parte teórica”, vamos ao debate.

É importante refletir acerca da “condição sexual” da mulher em nossa sociedade. É necessário considerar de forma mais sensível sobre se não seriam cruéis os padrões de conduta sexual que construímos para a parcela feminina da população. A urgência de tal reflexão torna-se ainda mais premente diante dos episódios trágicos desencadeados pela torpe divulgação de vídeos íntimos (não autorizados pela parceira) na internet (conduta que já foi apelidada de “pornografia de revanche”).

Há algum tempo vi uma entrevista do Romário, onde o deputado federal relata ter apresentado projeto de lei que pretende tipificar a divulgação indevida de material íntimo (inserir a conduta específica no rol de crimes previstos pela legislação brasileira). Não estou certo quanto à pertinência/eficácia social da proposta legislativa, mas concordo com a motivação de fundo que certamente embasa a proposta: faz-se necessário repensar o papel sexual da mulher em nossa sociedade. Importa parar de “julgar as mulheres como se o sexo denegrisse a honra” (nas palavras do Romário).

Vale mencionar: retirar a estigma que recobre a prática sexual feminina não significa, de forma alguma, vulgarizar as relações sexuais. Os cuidados de higiene e saúde, os critérios de escolha do parceiro(a), o ritual da conquista são, sim, fatores importantes que envolvem a prática sexual, mas que não possuem uma ligação direta e automática com a “despejorativização” da mulher que satisfaz seus desejos sexuais, sem medos, sem preconceitos.

Alerta-se que a ordem moral do sexo pode ser interiorizada, inclusive, pelas próprias mulheres, que se submetem então a uma condição de inferioridade voluntária.

Urge reavivar o debate: será a mulher que possui uma “vida pregressa” menos “para casar” do que uma mulher “virgem e recatada”? Será a mulher que deixa fluir seus desejos íntimos ligados ao sexo um ser que deve ser moralmente condenado? Será a mulher um ser que possui menos direito ao sexo livre de julgamentos morais do que o homem? Será a mulher que se veste de forma mais “vulgar” (ou sexualmente atraente) um ser menos digno de pena quando acometida de qualquer violência? Não seríamos nós mesquinhos e hipócritas ao condenar a mulher que desenvolve suas taras? Não seria a moralidade sexual da mulher uma simples reprodução de uma sociedade machista? Não seria a “mulher vadia” um símbolo da libertação feminina?


Luís Henrique Kohl Camargo - GEDIS