quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Mensagem de final de ano do Gedis

Está chegando o natal. O espírito natalino espraia-se pelas ruas iluminadas. Pessoas abraçam-se enquanto fazem suas compras, felizes. Fora isso, aquela velha e simpática Zélia Duncan a cantar “então é natal”.

Nessa época, as lojas ficarão abertas até mais tarde. Poderemos, assim, satisfazer nossa estranha ânsia de comprar. Afinal, nessas datas, é basicamente assim que demonstramos afeto: comprando presentes.

As lojas, abertas até mais tarde, naturalmente abrigam empregados que, por sua vez, também trabalham até mais tarde. Enquanto as pessoas passeiam com suas famílias, esses empregados, felizes, trabalham sem suas famílias: o tempo em que estão dentro das empresas é furtado do convívio com seus entes queridos. Tudo em nome do espírito natalino.

Ouvi alguém do sindicato patronal dizer que “essa é uma época de safra para patrões e empregados”. Isso até seria real caso o empregado não soubesse do real risco de perder seu emprego caso não aceitasse trabalhar até mais tarde. Praticamente todos os trabalhadores sabem que o minguado valor da hora extra (quando pago!) não vale a exaustão física e mental dessa época, o estômago afetado pela petulância dos compradores cheios de espírito natalino e os filhos que já estão dormindo quando finalmente se chega em casa. Na verdade, não há safra, há apenas submissão às circunstâncias impostas pelo espírito natalino.

Em tempos normais, a condição (já precária) dos empregados teria pelo menos um horário limitado, razoável: o comércio pode atender ao público apenas em horários fixados pelo município, e os limites são traçados geralmente por meio de acordos com associações que representam cada ramo do comércio. No natal, o espírito natalino impõe condições ainda piores aos trabalhadores. É o preço do sorriso do cliente... e do patrão.

Neste natal, você vai reunir sua família, vai jantar, comer e beber, mas não sem antes ir à igreja para ouvir a história daquele sujeito que nasceu para se sacrificar pela humanidade (sacrifício do “eu” pelo “outro”), ensinou a estar junto dos pobres e daqueles que precisam de ajuda, a ser puro como as crianças, a compartilhar o pão e a doar uma túnica caso tu tenhas duas. Logo após a missa, tu vais enfim comer, beber e discursar, e também ouvirá aquele teu tio chato dizendo que “bandido bom é bandido morto”, “pobre é na verdade um incompetente preguiçoso”, “pena de morte é o que falta neste país”, “fosse dar trabalho para essas crianças, elas não estariam matando e roubando”, “dar esmola incentiva a vadiagem” etc etc etc.

O detalhe é que esse teu tio também foi à missa.

Neste natal tu darás presentes e ganharás presentes. Vais comprar, rezar e amar. Vais ouvir tanta coisa boa, coisas puras que não ouviste no resto do ano – tu não continuarás a ouvir essas coisas puras e boas no restante do ano. Agora é espírito natalino, amigo. Fora isso, a vida continua sendo batalha, luta, conquista. Seja esperto ou morra.

Parece que não somos nós quem escolhe quando será espírito natalino e quando será luta de todos contra todos.

Então, feliz natal e próspero ano novo.

Por fim, fica a mensagem do Gedis para este glorioso final de ano: a hipocrisia é uma maneira delicada de se esconder a opressão.

Boas festas.

Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Esse nosso desejo de matar

Temos ou não o direito de portar armas? Trata-se de uma discussão de longa data, mas ao mesmo tempo atual: o Projeto de Lei 7.282/14, que pretende liberar o porte de armas no País, está atualmente tramitando no Congresso.

Hoje, o porte de armas é possível basicamente apenas a profissionais da segurança pública e privada e, excepcionalmente, a cidadãos que passarem por rígidos requisitos. Quem estiver fora desse rol e insistir em portar arma comete crime punido com detenção de 1 a 3 anos.

Pois bem. Ouve-se falar que “desarmar o cidadão de bem é facilitar o trabalho do criminoso”, que "a proibição do porte de armas gera insegurança às pessoas" e que "o cidadão tem o direito de defender sua vida e seu patrimônio", inclusive com o uso de armas de fogo. De regra, as pessoas que defendem a legalização do porte de arma se baseiam numa divisão entre “bandido” e “cidadão de bem”, e a partir dessa divisão esses indivíduos desenvolvem psicologicamente um cenário de luta entre esses grupos, como se fosse uma verdadeira guerra. Ao fixarem esse cenário fictício de guerra em suas mentes, esses sujeitos admitem com mais facilidade medidas mais violentas, chegando ao ponto de aceitar como normal, por exemplo, que uma pessoa mate outra para proteger a sua bolsa. Outro efeito dessa ficção é a busca constante, na realidade, por elementos que comprovem a sua própria perspectiva de mundo: qualquer notícia, qualquer evento, qualquer animosidade ou crime é o suficiente para que se defenda uma mudança drástica em nosso estilo de vida. Agora, imagina esse cidadão portando uma arma: não irá ele procurar, na realidade, ocasiões para dar sentido à arma que possui e, de fato, utilizá-la?

Em que pese sejam infindáveis as discussões agitadas em torno desse assunto, é no mínimo difícil admitir que mais armas significarão menos mortes. Afinal, o desejo de portar uma arma deve estar necessariamente ligado ao desejo de aniquilar a vida de alguém (afinal, uma arma serve basicamente para isso, ou para matar passarinhos, o que também pode ser crime - art. 32 da Lei 9.605). Acredito que, no cru, o que os cidadãos que defendem a liberação das armas pretendem é ter mais poder, inclusive de matar.

Contudo, a legislação só permite que matemos outra pessoa em situação de legítima defesa ou de estado de necessidade, e sempre se for a única coisa que nos restaria para salvar nossa própria vida. Assim, ainda que tenhamos uma arma, só poderíamos atirar em alguém se ele estivesse colocando nossa vida em risco - não bastaria invadir nossa casa para isso, por exemplo. Contudo, ainda que seja para matar a pessoa que me coloca em risco, é difícil acreditar que estejamos mais preparados e em posição privilegiada, numa situação de crise, para reagir com sucesso a uma abordagem criminosa armada - aliás, o que se recomenda é não reagir em situações assim.

Mais armas também não significarão menos crimes, pois o sujeito que decide praticar um crime violento não o faz porque as demais pessoas não possuem armas. No máximo, esse sujeito passará a agir com mais violência, para evitar que a vítima, potencialmente armada, reaja.

A principal peculiaridade da arma é que se trata de um instrumento cuja utilidade se resume a facilitar nosso trabalho quando desejamos matar outro ser vivo (seja para atacar, seja para defender) - e é exatamente por isso que a proibição desses utensílios é algo importante e simbólico, pois representa que não vivemos em uma sociedade de inimigos e que também não usurpamos o trabalho da polícia (que detém o uso legítimo da força).

Por fim, trago-vos uma mensagem de tranquilidade sobre um argumento que, embora ridículo, por incrível que pareça vem sendo bastante reproduzido: não, a proibição de porte de armas de fogo não se trata de um prelúdio de golpe comunista. Trata-se, na verdade, de uma prática comum, adotada em vários países do mundo inteiro e de várias realidades, tal qual a Inglaterra, o Japão e a Austrália (cujas legislações são, inclusive, mais rígidas que a do Brasil), o Chile, o México e o Canadá, dentre outros.

Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis