quarta-feira, 30 de abril de 2014

Redução da jornada de trabalho: um avanço possível para o Brasil

Um assunto que promete integrar a pauta do Congresso neste ano é a redução da jornada de trabalho. O tema costuma arrepiar o pelo dos empresários – entretanto, a evolução é necessária e bate às portas do Brasil, país com uma das maiores jornadas de trabalho do mundo, segundo a OIT. Hoje, a jornada de trabalho do brasileiro é de 8 horas diárias e 44 semanais – ou seja, trabalha-se mais aqui do que na China (cuja jornada é de 40 horas semanais desde 1995).

Atualmente, existe uma proposta de emenda à Constituição tramitando no Congresso Federal, cujo objetivo é reduzir de 44h para 40h o limite semanal de trabalho. Trata-se da PEC 231, de 1995 (exatamente, desde 1995 tramitando e sem um resultado concreto).

A redução da jornada de trabalho gera empregos e maior qualidade de vida aos trabalhadores. Gera empregos porque aproveita o potencial da tecnologia, a qual faz crescer a produção. Com maior produção, a tendência dos empregadores é diminuir o contingente de trabalhadores, ou evitar futuras contratações. Isso aumenta os lucros da iniciativa privada. Reduzindo a jornada de trabalho, é possível incentivar os empresários a contratar mais trabalhadores para dar conta da produção, convertendo esses lucros em duas coisas extremamente saudáveis para a coletividade: mais empregos e melhor qualidade de vida ao trabalhador, que disporá de mais tempo para se dedicar à família, amigos, exercícios físicos, estudos... ou seja, mais saúde – diminui até a fila do SUS. Toda a sociedade ganha.

É claro que sempre se levantarão vozes contra a implementação de maiores garantias ao trabalhador. Vai ter gente falando em incentivar a livre negociação, confiar na autorregulação do mercado, na negociação entre patrão e empregado (isso existe de verdade?), buscar um “meio-termo”, não adotar soluções radicais etc etc etc. Faz tempo que é assim.

Na gênese da revolução industrial, lá pela segunda metade do século XIX, não havia limitação da jornada de trabalho. Empregados trabalhavam, de regra (pasmem), 14, 16 horas por dia. Nem crianças escapavam desse sadismo movido pela ganância – pelo contrário, por vezes eram as preferidas. Com muita luta organizada, os trabalhadores conseguiram importantes avanços legislativos. Na contramão de cada vitória, ecos rançosos do tipo “nenhum empresário vai aguentar, o sistema vai falir!”. 

Ao contrário da previsão dos pessimistas, as pessoas se adaptaram e o trabalhador possui hoje uma qualidade de vida relativamente melhor que a de ontem. Contudo, ainda há muito a caminhar. Um passo em direção ao desenvolvimento é, inegavelmente, a redução da jornada de trabalho – acompanhando a evolução de países como Canadá (31,9h semanais), Suíça (35,6h) e Espanha (35,7h), e igualando-se aos Estados Unidos (40,5h – fonte: Dieese).

Luís Henrique Kohl Camargo - GEDIS

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Cinco mentiras sobre a ditadura militar de 64

Há pouco, relembramos que há 50 anos um golpe militar destituiu o presidente constitucional João Goulart e instaurou um regime ditatorial, que perduraria por mais de 20 anos. Se o preço da liberdade é a vigilância, a memória é uma condição para que essa atrocidade política não se repita. Abaixo, alguns dados interessantes sobre a ditadura militar de 64, capazes de nos fazerem refletir sobre certas besteiras que vêm sendo displicentemente proferidas ainda hoje:
1.      Se a marcha foi pela família, a ditadura não. Inúmeras famílias foram destruídas durante o regime militar que sangrou o Brasil de 1964 a 1985. Os meios de destruição contavam, inclusive, com a tortura de crianças defronte seus pais. Isso sem contar aqueles pais que simplesmente foram sumidos do mapa e aquelas crianças que nasceram na prisão.
2.      O poder vicia: a ditadura de 64 também era para durar “seis meses”. Tanto que o primeiro ato institucional sequer número tinha. Entretanto, alguma força sei lá de qual universo obrigou os militares a manter a ordem até 1979, caindo definitivamente em 1985 (mais de vinte anos depois). E ainda tem gente que, hoje, defende uma intervenção militar “transitória”, nos mesmos moldes de 64.
3.      Sem corrupção, nem acerto de contas. Os militares no poder não precisavam prestar contas de seus atos à população. Da mesma forma é possível imaginar a dificuldade de a imprensa noticiar qualquer irregularidade: se até música contra a ideologia do regime era censurada, quanto mais denúncias de corrupção! Isso justifica, de certa forma, a impressão popular de que, na época, não havia corrupção (embora inúmeras irregularidades, dentre elas denúncias de superfaturamento de obras da época, foram confirmadas após o fim da ditadura militar).
4.      Apoio impopular: os militares não foram “chamados pelas ruas” para tomar o poder. Havia uma séria polarização de interesses na época, entretanto de forma alguma é possível afirmar que a ampla população desejou o golpe de 64. Além do mais, os militares não fizeram nada menos que depor, à força, o presidente que havia sido eleito justamente pelo voto popular (João Goulart, vice de Jânio, que havia renunciado ao cargo). Jango discursou, inclusive, para mais de 100 mil pessoas no famoso discurso da Central do Brasil, em 13/03/1964 (algumas semanas antes do golpe). Difícil sustentar que o golpe militar reforçou a democracia.
5.      Quem defendeu no início virou vítima no final. A título de exemplo: a OAB e a Igreja Católica foram grandes apoiadores do início do regime militar. No entanto, gradualmente as arbitrariedades do regime foram aumentando, fazendo com que tais órgãos se posicionassem cada vez mais contra a ditadura. Resultado: padres e advogados acabaram, então, sendo perseguidos pelo regime.

Luís Henrique Kohl Camargo -  GEDIS

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Fim da Polícia Militar

A mulher arrastada pela Polícia Militar do RJ por 250 metros de asfalto (cujos filhos afirmaram que, fosse mais um pouco, “sobraria só osso”), não foi vítima de um evento isolado. O abuso de autoridade praticado por policiais militares parece ser algo tão corriqueiro nos noticiários quanto as denúncias de atos de corrupção dos políticos. Por essa, entre outras razões, que se discute sobre a desmilitarização.
Mas afinal, o que é a desmilitarização?
Em um primeiro momento, as pessoas costumam assustar-se com a ideia. Quando se fala em fim da Polícia Militar, parece que, de um dia para o outro, elas ligarão para o 190 e ninguém atenderá. Não é bem assim.
Sempre existiram estas duas forças policiais no Brasil: a militar e a civil. Atualmente, cabe à Polícia Civil as funções de investigar os crimes que acontecem na sociedade, apurando culpados e colhendo provas para formar o conhecimento do promotor e, em outro momento, do juiz. A Polícia Militar dedica-se, por outro lado, ao policiamento ostensivo (prevenir que os crimes ocorram) e à preservação da ordem pública (que ninguém sabe exatamente o que é). Antes da ditadura militar, a Polícia Civil fazia, também, a guarda ostensiva.
A proposta da desmilitarização busca, de certa forma, a unificação dessas forças, extinguindo o caráter militarista de nossa força policial. As funções da polícia serão mantidas – entretanto, mudam-se suas posturas. Acabam-se aquelas práticas cruéis que caracterizam o treinamento militar. A consequência é a formação de uma polícia mais democrática, mais humana e eficaz - consequentemente, menos afobada no trato com aqueles cidadãos que violam a lei brasileira.
Uma polícia que mata para proteger patrimônio ou para evitar “desordem pública” não é democrática. A título de exemplo: a Polícia Militar de São Paulo mata quase nove vezes mais do que todas as polícias dos Estados Unidos – que não mantém essa divisão que há no Brasil e cujos policiais recebem formação exclusivamente civil*. Não há cisão entre o policiamento militar e civil, nos EUA.
Embora a questão seja bem mais profunda, é importante que a população esteja ciente: mesmo se a polícia militar acabar, ainda assim as pessoas poderão ligar para o 190 e denunciar ocorrências. Continuará havendo policiais correndo atrás de criminosos, investigando crimes, acompanhando eventos etc. A principal diferença é que esses profissionais receberão uma formação civil – não serão um exército disfarçado que se sente lutando contra um inimigo. Bom para todos, principalmente para o cidadão.
Luís Henrique Kohl Camargo - GEDIS

*Fonte:http://www.revistaforum.com.br/blog/2013/01/desmilitarizar-e-unificar-a-policia/