quinta-feira, 22 de maio de 2014

Seis prováveis jargões sobre cotas para negros no serviço público



Nesta terça-feira, 20/05, o Senado aprovou projeto de lei que reserva 20% das vagas dos concursos públicos do Poder Executivo Federal (União) a candidatos negros. Para a lei passar a valer, falta apenas a sanção da Presidente Dilma.

Já falamos em outro momento, neste mesmo espaço, acerca da profunda desigualdade racial que ainda impera em nosso país. É fato: negros, no Brasil, não contam com as mesmas oportunidades que brancos. Entretanto, antecipamos alguns jargões do senso comum que certamente aparecerão após a aprovação desta lei:


1. O jargão pseudo constitucionalista: “essa lei é inconstitucional”. Não, não é inconstitucional. Ela parte de uma discriminação positiva, o que é plenamente possível (como já decidiu o próprio Supremo Tribunal Federal). A discriminação positiva busca criar privilégios para estratos mais frágeis da população (por exemplo: idosos, crianças e adolescentes, consumidores, deficientes físicos etc), para tentar diminuir a desigualdade. Como a desigualdade racial é uma realidade estatística e evidente, a discriminação, no caso desta lei, não se considera negativa, mas sim positiva: existe justamente para restabelecer a justiça, buscando igualar oportunidades entre brancos e negros.


2. O jargão do sociólogo recalcado: “a lei é preconceituosa, pois dá a entender que o negro é menos capaz”. Mentira. Tentar promover determinado estrato da sociedade não é incentivar o preconceito. Pelo contrário: quanto mais negros existirem no poder público, menos espaço haverá para o racismo velado que ainda impera no Brasil.


3. O jargão do ingênuo: “não às cotas raciais, sim às cotas econômicas”. Quanta ingenuidade... não é preciso ir muito longe para perceber que os dados econômicos podem ser facilmente manipulados para se obter determinados resultados. Quantos de nossa região sabem de pessoas em confortável situação financeira que ganham bolsa em nossas universidades autodeclaradas “comunitárias”? Essas pessoas tiveram de provar alguns dados, mas certamente obtinham acesso a um ou outro contato capaz de alterar os números e, assim, ficar na frente na lista de colocação. Para esses sujeitos, as cotas para negros são de fato um problema, pois agora eles não conseguem se pintar de preto e obter assim uma posição privilegiada.


4. O jargão do homem-branco-preocupado: “com as cotas raciais, não serão selecionados os melhores candidatos ao serviço público”. Essa é a do Reinaldo Azevedo, da VEJA. Como se uma prova de concurso fosse, de fato, capaz de escolher os mais aptos para o serviço público (serviço que na maioria das vezes não tem nada a ver com o conteúdo da prova de seleção).


5. O jargão em legítima defesa do negro: “as cotas prejudicam os próprios negros, que se sentem inferiores”. Seguindo esse raciocínio, as cotas para estudantes de escolas públicas também fariam essas pessoas sentirem-se inferiores. Nunca vi estudante com crise de baixa autoestima por essa causa.


6. O jargão da pescaria: “não pode dar o peixe, tem que ensinar o negro a pescar”. Como se o pescador de arpão de bambu fosse realmente capaz de competir com o pescador de molinete.

Luís Henrique Kohl Camargo - GEDIS

terça-feira, 6 de maio de 2014

#somostodosidiotas



A banana atirada por um torcedor racista e comida pelo jogador Daniel Alves em pleno campo de futebol europeu na semana passada conseguiu produzir notáveis índices de publicidade. Deflagrando uma campanha publicitária (pasmem) previamente arquitetada e aguardando apenas um fato assim para ser disparada na mídia, rendeu tanto a venda de camisetas quanto uma febre de pseudo conscientização das pessoas em relação ao racismo. A “hashtag” somostodosmacacos ardeu em diversos perfis de redes sociais. Rostos sérios em fotos com bananas. A luta contra o racismo. Será?

É preciso refletir onde se esconde o verdadeiro racismo, hoje. Jogadores de futebol que recebem vários milhares de dólares para praticar esporte não devem ser considerados os principais alvos desse fenômeno. Talvez por isso Daniel Alves comeu a banana: na verdade, não havia espaço para constrangimento.

É fato que o racismo, hoje, migrou para lugares cada vez mais escondidos da nossa sociedade. Quero dizer: passou a ser não verbal. Não dá mais para falar escancaradamente em racismo. É crime inafiançável. Não dá para atirar bananas em campos de futebol. É feio. Entretanto, dá para sentir medo porque um negrinho mal vestido está passando próximo de ti na rua. Dá para desconfiar, deixar de contratar, sentir nojo velado. Dá para falar baixinho “é coisa de preto”. Será que atos tão inocentes são capazes de causar impactos significativos na sociedade? Obviamente sim.

Vamos aos dados: o percentual de negros assassinados no Brasil é 132% maior que o de brancos. Em 2013, 73% dos cadastrados no Bolsa Família eram pretos ou pardos. Em 2010, o IBGE conclui que quanto mais rica a pessoa, menos chance tem de ser ela negra. Também mostra que o número de detentos negros é 149% maior que o número de detentos brancos. 60,30% dos negros não procuram a polícia porque não acreditam nela (contra 39,7% de brancos). Por causa dos homicídios, homens negros perdem 1 ano e 8 meses em sua expectativa de vida; os homens brancos, por sua vez, perdem apenas 10 meses nessa conta.

Voltamos às bananas: seriam elas capazes de conscientizar a população em relação ao racismo? Pouco provável.

Há que se reconhecer: a expressão “#somostodosmacacos” é simpática (as fotos com bananas não, essas são de péssimo gosto!). O problema, contudo, é que a aproximação dos homens a macacos-comedores-de-banana, no fundo, faz relembrar um sinal pesado da discriminação racial: a crença de que alguns homens (os negros) seriam “menos humanos” do que os outros (os brancos), por descenderem de “macacos diferentes”. Na história, isso deu um ar científico à discriminação, fazendo os nazistas acreditarem que os judeus eram inferiores e deveriam ser exterminados – junto com os negros.

Dessa forma, reserva-se este texto para este único objetivo: retirar o ar engraçadinho que envolveu as bananas e o racismo, lembrando que o racismo de verdade não tem nada a ver com bananas, mas com miséria, violência e hipocrisia. É preciso politizar o debate e lutar pela afirmação e orgulho da identidade negra e não da invenção publicitária de uma pseudo identidade com macacos.



Luís Henrique Kohl Camargo - GEDIS