quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Três questões sociais atuais que merecem atenção



MERITOCRACIA: trata-se de uma forma de distribuição dos bens produzidos socialmente. A meritocracia funciona, basicamente, por meio do estímulo à competição e à distribuição de bônus aos vencedores. Acontece que a meritocracia, ao mesmo tempo em que inclui os vencedores, acaba excluindo os perdedores. A lógica é clara e objetiva: perdeu, cai fora.
Todavia, a exclusão volta em forma de problema, pois cria violência, exclusão e necessidade de auxílio social. Além disso, a meritocracia pensa indivíduos, de forma que as desigualdades sociais acabam sempre crescendo. As pessoas tornam-se incapazes de desenvolver uma consciência do coletivo – pelo contrário, passam a necessitar de um inimigo comum para explicar os medos que surgem da própria condição de individualização. Os muros crescem, as cercas elétricas tornam-se necessidades, a televisão verte sangue e o ser humano transforma-se em indivíduo.

MERCADO E FAMÍLIA: há estudos confiáveis que apontam no sentido de que o declínio da noção “clássica” de família está diretamente ligado às exigências individualizantes do mercado. Simplificando bastante a questão: como o mercado necessita de indivíduos (trabalhadores individualizados), é irrelevante, como critério de seleção, as condições de família do candidato – pelo contrário, muitas vezes as condições familiares do sujeito acabam interferindo negativamente na seleção (sabemos que muitas empresas evitam contratar pessoas da mesma família, por exemplo). Além disso, o desemprego, somado às exigências do mercado desregulado, faz com que os conflitos que evitamos em nossa profissão sejam despejados para dentro do lar.
Dessa forma, livre mercado pode implicar destruição da família. Bem diferente daquilo que prega o Pastor Everaldo em campanha eleitoral.

LEGALIZAÇÃO DO ABORTO: a proposta de legalização do aborto não pode ser confundida com incentivo a essa prática. Existem muitas condutas que não são crimes, no Brasil, mas nem por isso deixam de ser moralmente reprováveis. O problema de criminalizar o aborto é que você induz a mulher que deseja interromper a gravidez a procurar uma solução clandestina que, segunda as estatísticas, na maioria dos casos leva à morte.
Nesse pensar, o que é contra a vida, na prática, é ser o aborto um crime, e não o contrário. No Uruguai, que já descriminalizou o aborto, o número de abortos caiu. As mulheres, antes de abortar, são submetidas a acompanhamento psicológico e em vários casos acabam desistindo da ideia – nesse caso, a vida dela e do bebê foram preservadas por esse singelo ato de deixar de marginalizar gente que precisa ser ouvida e compreendida.
Deixo claro: o aborto também não me agrada. Contudo, é preciso pensar de forma racional e traçar estratégias para lidar com o problema, e não apenas despejar nossa raiva sobre a mulher. Isso não resolve em nada o problema do aborto – aliás, como fala o Amilton Bueno de Carvalho, o direito penal é tão ineficiente que nem chega a salvar a vida de ninguém, porque sempre chega depois.
Agora, em relação ao argumento religioso: você pode até achar que a mulher que aborta é pecadora e fez algo errado, mas fazer com que isso fundamente a existência do crime de aborto é um enorme equívoco.

Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis