domingo, 25 de janeiro de 2015

Sede de sangue dos outros

Nesta semana, um brasileiro foi executado na Indonésia. Flagrado na tentativa de ingressar na Indonésia com uma considerável quantidade de cocaína em sua bagagem, Marco Archer foi condenado à morte pela justiça do país: o crime de tráfico, lá, é punido com pena de morte.

Antes de sua sentença ser efetivada, porém, a presidenta Dilma ligou para o presidente da Indonésia, pedindo clemência. Não foi atendida: Archer foi executado.

As perplexidades ligadas ao caso não seriam tantas não fosse sua repercussão aqui no Brasil. Ao contrário do que seria sensato, muita gente acha correta a decisão da Indonésia. Criticam, inclusive, a tentativa de Dilma de obstar a execução. Parece até que gostaram de saber que um brasileiro foi fuzilado por um governo do exterior.

Pois bem.

Em primeiro lugar, importa deixar claro que, sob um ponto de vista jurídico, a presidenta Dilma agiu corretamente. No artigo 4º da nossa Constituição estão as diretrizes que pautam as relações do Brasil com outros países. Dentre elas está a “prevalência dos direitos humanos”, o que quer dizer que o Brasil sempre deverá se pautar pelo respeito aos direitos humanos nas relações internacionais e usar todos os seus esforços para que afrontas aos direitos humanos deixem de acontecer.

A pena de morte representa violação aos direitos humanos. Não há fundamento lógico que justifique o assassinato de um ser humano, seja por outro ser humano, seja por um país. A Convenção Interamericana de Direitos Humanos há muito previa isso. Portanto, Dilma agiu, antes de mais nada, em estrita obediência à Constituição Federal do Brasil.

Em segundo lugar, ocasiões como essa são muito úteis para ilustrar a sede de sangue de uma ampla parcela da população, em muito baseada em uma série de figuras públicas que se empenham para espalhar o ódio e a intolerância em nossa sociedade. Muitos disseram que as leis da Indonésia “são sérias” – pelo contrário! Um país que sustenta a pena de morte em sua legislação pode ser tudo, menos sério.

Não interessa qual foi o crime cometido pelo sujeito, nada nos dá o direito de tirar a sua vida. Até porque a vida dele é um pressuposto para que ele faça parte da sociedade e seja, portanto, condenado pela justiça. Se nós damos um pouquinho da nossa liberdade ao Estado para que ele nos dê segurança, apenas o fazemos porque estamos vivos. Se o Estado nos mata, ou estamos em guerra, ou ele abusou do seu direito de nos punir.

De toda forma, é espantoso observar as pessoas encararem a morte de um ser humano de forma tão banal. Não interessa o quão má uma pessoa seja, não temos nunca, nunca, o direito de matá-la. Além disso, vale o alerta: quando a sociedade está disposta a eliminar seus membros, nada mais nos garante de que não sejamos nós um dos membros eliminados, no futuro: na Alemanha Nazista, bastava ser judeu, negro ou homossexual para merecer a morte.

Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis 

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Seja um vencedor – mensagem de início de ano do Gedis

O vencedor.

Para muitas pessoas, agir como cães é uma forma ética, quase natural, de se viver a vida. Acreditam que a relação entre o vencedor e o perdedor torna a “sociedade como um todo” melhor, trazendo vantagens a todos. Para isso, precisam aceitar o perdedor como algo descartável e desprezível, passível das piores conseqüências – é preciso desumanizar o perdedor.

Vivemos em uma sociedade de indivíduos. Afastamo-nos cada vez mais do outro, isolados em nossa busca por lucro e conforto. Deliberadamente nos posicionamos “contra qualquer ideologia”, e é cada vez mais difícil construirmos um projeto coletivo (seja ele de qualquer proporção, desde organizar um grupo de oração até montar um comitê revolucionário). Nada que não nos proporcione lucro direto e imediato nos atrai. Nada que não nos traga vantagens individuais nos agrada.

Por outro lado, as pessoas aproximam-se virtualmente, através de telas coloridas de aparelhos eletrônicos de diversas qualidades. O “cada um por si” é tão forte que as pessoas se dispõem a carregar consigo um “pau de selfie” para tirar fotos de si mesmas sem necessitar do auxílio de outra pessoa. Saliento: de si mesmas... sem necessitar do outro.

Pode ser que tudo isso seja passageiro. Inobstante isso, o fato é que existe um mecanismo social sendo alimentado por nossas condutas individualistas, e seu funcionamento gera consequências para todos. É como se fosse o motor de um carro: o movimento de cada cilindro está conectado e movimenta, por sua vez, uma estrutura muito maior. O que acontece com o carro quando esquecemos de trocar o óleo do motor?

Se no passado não tínhamos tanto tempo para pensarmos nossa existência e precisávamos do outro para realizar nossos projetos, hoje o avanço tecnológico nos proporcionou algumas facilidades, deixando-nos mais tempo livre para ocuparmos conosco mesmos e dispensando-nos do auxílio do outro.

Como indivíduos, não conseguimos ver no outro nada mais do que “vencedores” e “perdedores”. Não conseguimos ver o outro como um ser humano que tem sentimentos, sofrimentos, ama outras pessoas e, principalmente, tem sonhos. Isso nos torna mais impiedosos uns com os outros, e a qualquer transgressão praticada pelo outro logo desejamos que ele sofra, que ele morra – afinal, bandido bom é bandido morto?

O perdedor.
Leitores, atenção. Esse estilo de vida impiedoso, embora esteja impregnado na “sociedade como um todo”, é por nós reproduzido todos os dias, é nossa responsabilidade também. E os subprodutos desse estilo de vida são também por nós suportados: violência, insegurança, sensação de medo, mal estar, solidão...

Convido os leitores para, em 2015, refletirem sobre nossa condição, sobre nossa relação para com o outro, sobre a maneira como tratamos aqueles que amamos e também aqueles que odiamos. Não esqueçamos que a solidariedade é o que dá coesão à sociedade, pois nos faz suportar coexistir com outras pessoas, com todos os seus defeitos e virtudes. A solidariedade é o óleo do motor. O que acontece quando não trocamos o óleo do motor?

Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis