sexta-feira, 18 de agosto de 2017



ETIQUETA PARA CLASSE MÉDIA
Todo mundo sabe/ todo mundo vê
Que tenho sido amigo da ralé da minha rua
Que bebe pra esquecer que a gente
É fraca
É pobre
É víl
Que dorme sob as luzes da avenida
É humilhada e ofendida pelas grandezas do Brasil
Que joga uma miséria na esportiva
Só pensando em voltar viva
Pro sertão de onde saiu
(Monólogo das Grandezas do Brasil, Belchior)
Em um passado tão recente que ainda parece presente, ocorreu a ampliação do mercado consumidor brasileiro, guindado principalmente por políticas de geração de emprego, programas sociais e ampliação de crédito, a ideologia encarregou-se de fazer com que este processo de inclusão social fosse compreendido como ascensão social, a qual coloca o proletariado em marcha rumo à riqueza, já podendo compartilhar das suas convicções, uma vez que não discerne a diferença entre bens de consumo e bens de capital. Porém, para o ingresso definitivo na fração elitizada da sociedade brasileira, além do acesso ao capital, falta também o acesso à liturgia social (etiqueta). Pois isso, aqui vão dez mandamentos de etiqueta para a classe média não parecer tão medianamente descapitalizada, afinal decálogos estão na moda a quase 3500 anos, hoje em dia, por exigirem pouca leitura são uma tendência mais ascendente que a classe média. Vejamos: 
1.       A ira contra os pobres é sinal de miséria, dá impressão de que esta descontando nos colegas a raiva contra a própria condição social. Se alguém que julgas em escala menor satisfaz as próprias necessidades, releve, por mais que isto o provoque, os de fato mais abastados não se irritam pelo que é elementar a qualquer um, não incorra você nesta impropriedade. Lembre-se: os ricos estão preocupados em diferenciar-se da classe média, não da raia miúda.
2.      Se está pagando parceladamente uma viagem à Disney, oculte isso ao máximo, o parcelamento e a viagem.
3.      Estudar não é sinônimo de matrícula e frequência, tem mais a ver com leitura e reflexão. Em geral, quem, em idade adulta, afirma que quer “voltar a estudar” é porque nunca foi.
4.      Tratar com educação garçons, faxineiras, garis, monitores de estacionamento rotativo e professores pode gerar uma impressão de superioridade.
5.      Truculência não é sinal de força. Lembre-se em geral violência e inteligência não andam juntas. Fique atento, muito provavelmente as demais pessoas descobriram isso antes de você.
6.      No meio dos emergentes sociais, discrição e moderação são mais recomendáveis que a competição para ver quem chama mais a atenção.
7.      Jamais criticar autor, livro ou ideia, sem o mínimo de conhecimento. Muita atenção, em geral esse mínimo de conhecimento, pode ser um máximo inatingível a você, na dúvida, cale-se e mostre-se receptivo a toda e qualquer teoria por mais estranha que lhe pareça.
8.      Esta dica vai para você que mora fora das capitais e grandes centros urbanos,  evite  referências às posses e à história familiar,  o micro-burguês do interior é de uma cafonice que  magnetiza a raiva dos que de fato possuem capital. Este tema é muito delicado, por isso é importante conter o apetite por reconhecimento na capital do Estado, para lhe ajudar na dura tarefa de conter este ímpeto, Geografia e História são profiláticos excelentes.
9.      Evite referir-se à elite com intimidade ou de forma laudatória, você pode encontrar com alguém que de fato faz parte dela, em geral os seus membros preferem ser criticados por ti a serem confundidos contigo.
10.  As panelas já foram guardadas, tornando-se dispensável o décimo mandamento.

É preciso recordar que os ricos procuram diferenciar-se da classe média os miseráveis procuram diferenciar dos outros pobres como ele. Estes mandamentos podem ajuda-lo a realizar-se parecendo com o que não é.  É importante reconhecer o caráter limitado destes ensinamentos, pois não há uma “Teoria Geral da Classe Média”, e ao que parece, esta desaparecerá  antes que tal teoria surja. Melhor entender este decálogo, como uma técnica coaching de polidez mínima para quem já esta medianamente condicionado pela economia e pelo discurso, mas gosta disso pois julga ser esta posição o passo que antecede o sucesso.
Samuel Mânica Radaelli


A LITURGIA SOCIAL

Vejam que legal:
Está numa ascendência só!
Adquiriu sua casa e carro
e não frequenta mais brechó.
Comprou uma viagem à Disney,
tirou uma selfie com o Mikey
e pensa que não é mais bocó.

Hummmmm!

É que existe uma liturgia:
aquela contingencial,
que faz aproximar dos belos ricos
como se pudesse ser igual.
Comer e beber da mesma forma.
Ter acesso à mesma porta.
É a liturgia social.

Que expectativa ufanista
dessa classe em extinção
que precisará de um bom projeto
pra sua preservação.
E enquanto pensar na emergência
por vias de uma pseudo ascendência,
junto a milhões cairão.

Isso não é advinha.
É apenas constatação:
de quem muito sucesso procura
às custas de diferenciação.
Valha-me deus se enxergassem
o despautério e a pabulagem
de um gabola bobalhão.

Fabio Soares


Publicados em 18 de agosto na Coluna Pimenteiro do Diário Data X


SEI LÁ
Sei lá. Eu escrevo por que isso alivia a minha cabeça, os meus pensamentos e as batidas de meu coração. Eu escrevo por recomendação psiquiátrica. Escrevo porque essa é a minha droga: me dá uma sensação boa e acaba comigo em seguida, mas ao final, me deixa pronto para desenhar nessas linhas novas frases sem sentido algum. Onde estão os traficantes de palavras? Alguém pode adentrar ao submundo da clandestinidade para me levar até um? São as palavras que acabam conosco. São as palavras que enchem a nossa bola e produzem centenas de sensações boas. É com palavras que eu peço cerveja, canto escondido e manifesto as minhas utopias já desgastadas com o tempo. Tenho acordado pensando em tudo e em nada, mas todos os dias vou dormir pensando em acordar cedo para tomar café preto com algum bolo com pouco açúcar. Então o dia começa mesmo. De um lado a vitória, de outro a derrota, e eu ao meio delas, me equilibrando como se estivesse em cima de um muro. Ando com um pé de cada vez e quando decido acelerar caio num dos lados. Caio de cabeça e não aproveito nada, não sinto o gosto da vitória, nem o peso da derrota. Não sou doce, não sou salgado, sou apenas um humano perdido nesse universo sem gosto, embora eu sinta o gosto da vida. Quantos de mim existem por aí? Será Deus o meu criador? Ou sou fruto da natureza e suas combinações aleatórias que deram em vida? De qualquer maneira, vivo vivendo, procurando subir as escadas de costas para nunca perder de vista a minha origem. Tropeço, caiu e desço. Já tentei me esconder dentro de um balde e detrás de uma cortina transparente. Não consegui me esconder nem por um segundo. Segundo é o tempo que a paixão leva para nos desgraçar ou nos levar ao paraíso terrestre. Sou um artista feliz, sem dinheiro, sem fama e sem qualquer pretensão. A arte é a expressão dos tormentos da alma. Todos somos artistas. Somos todos atormentados. O que é melhor: a sensação de possuir muito dinheiro ou a sensação de ajudar uma alma que sofre com as maldades do mundo? Tenho uma felicidade enorme dentro de mim, mesmo sem saber ao certo quem sou eu. De frente para a churrasqueira eu vejo a vida e a morte. Penso numa palavra para expressar o que meus olhos veem e não encontro nada. Onde estão os traficantes de palavras? Alguém pode adentrar ao submundo da clandestinidade para me levar até um? Se eu gosto eu falo. Se eu não gosto seguro pra mim e enveneno a minha própria alma. Tenho que mudar. O Brasil não muda.

André Detoni

Publicado em 11 de agosto na Coluna Pimenteiro do Diário Data X




MEA CULPA

Somos humanos e, assim sendo, naturalmente tendenciosos. Nossos valores adequam-se à nossa ética, e vice-versa. Meus amigos sempre serão julgados com maior compreensão e tolerância que meus inimigos.
Sou contrário a que o Congresso impeça o prosseguimento da denúncia contra Temer, mas votarei em Lula em 2018.
Se o Moro condena Lula, é porque pretende na verdade impedir que Lula seja candidato.
Se absolve, é porque está pegando leve com a corrupção no Brasil.
Chamo de imbecis aqueles que apoiam Bolsonaro; considero-os ainda mais imbecis se eles me chamarem de imbecil.
Se critico o sistema capitalista, chamo de porcos sujos aqueles que o apoiam. E se eles me chamarem de comunistinha ou mortadela, eles que são os ignorantes políticos.
Apoio o sistema capitalista e mesmo observando a tragédia da desigualdade crescer em terras capitalistas, continuo afirmando que foi o socialismo que não deu certo.
Critico a Lava Jato, mas se ela conseguir levar à prisão do Aécio, ok.
Ontem, fui às ruas contra a corrupção, derrubei o governo corrupto PT; hoje, assisto Temer e Aécio saírem impunes e por que protestar?
Prego uma ética de igualdade, de compreensão, de inclusão do diferente, e não consigo nem sequer dialogar com quem não concorda com essa minha visão.
Apoio a meritocracia, mas tudo bem matricular meu filho numa escola particular para ele ter mais chances de ter um futuro melhor.
Se sou professor, reprovo o aluno que afirma que o nazismo foi de direita, porque ele está errado.
Reprovo o aluno que afirma que o nazismo foi de esquerda, só porque ele está errado.
Minha incapacidade de dialogar é psicologicamente substituída pela ilusão de que, na verdade, é o outro quem não consegue comigo dialogar.
Estamos todos imersos em uma onda de cinismo. Todos, exceto a única pessoa autorizada a fazer uma leitura comportamental da humanidade: eu.

Luís Henrique Kohl Camargo


A ONDA

Os fatos dos últimos dias
Fizeram-me muito refletir
sobre esse cinismo alheio
que teima em persistir.
Mas tem algo que não percebo
Por que nem mesmo me vejo
como cínico e grão-vizir.

Quando penso nas atitudes
dos outros a inferir
sobre suas preferências
e seus modos de agir.
Acho sempre como penso,
modo, jeito e pensamento,
são únicos a existir.

A conveniência é o natural
quando o fato a avaliar
são amigos ou inimigos
de bem ou mal-estar.
E quando envolve minha ética
tendenciosa e apologética
nem noto meu afagar.

Precisamos ir muito além
E isso prescinde dialogar
Perceber-se e ao outro também
Num intenso movimentar
nossas formas de entender,
ouvir, refletir e compreender
as contradições do pensar.

Fabio Soares


Publicados em 04 de agosto na Coluna Pimenteiro do Diário Data X




SEI LÁ

Sei lá. Uma maçã com agrotóxico e eu fico me sentindo todo saudável. Uma reforma trabalhista de retrocesso e eu fico me sentindo todo moderno. Na euforia de viver eu vou ignorando que estamos adentrando em tempos sombrios. Procuro tomar um chá quente no frio e um suco de morango gelado no calor para ir vivendo. De vez em quando me pego recordando os dizeres do Galeano, quando afirmava que o século XX iniciou anunciando prosperidade e terminou banhado em sangue, referindo-se aos caminhos desse nosso século XXI. Deixamos a maçã para depois. Eu tive um professor muito querido que tô achando ser ele um profeta: um dia os nazistas irão bater em sua porta. Começamos lentamente. Uma gente desejando censurar o conhecimento, outra o estilo musical alheio. Tem uma gente acorrentando ladrão aqui, enquanto apoia ditador lá. O primeiro rouba galinha, o segundo a democracia. Quem veio antes, a ditadura ou galinha?  A galinha ou a democracia? Tem uma gente aplaudindo sentença penal condenatória sem fundamento. É a exceção do estado ou é o estado de exceção? A placa de pare está em todas as esquinas. Não paramos, avançamos. Procuramos um café com leite num posto de gasolina. Encontramos mais gasolina do que café. Eu tô nessa. Uma democracia de areia. A tempestade está vindo ou já chegou? Molhados de água, de pancadas e de sangue, mas sempre haverá o guarda-chuva da esperança. Se tenho eu oportunidade de falar, não posso me calar, nem falar o que o vento sopra. Já pensou eu ser um colunista que reproduz a mesmice? Tem a reforma trabalhista e a reforma previdenciária, tudo porque quem se elegeu prometendo a reforma política foi passada para trás. Somos diariamente envenenados pela maçã e pela televisão. Sempre acaba em pizza, mas estamos conseguindo piorar, terminaremos em algo sombrio. Um dia os nazistas vão bater em nossa porta.

André Detoni


TOC TOC TOC

Quem é?
Sou eu!
Eu quem?
Anjo bem!
O que queres?
Roubar a democracia
Fazendo da hipocrisia
meu caminho para o além.

Nesses dias de paragem,
paramos de avançar.
Rumamos em retrocesso
cavalgando em disparar
mirando em direção
de um estado de exceção,
exceto pra roubar.

Roubando a democracia
vimos tantos legislar
outros tantos decidir
com a toga ajuizar
e mais uns mil persuadir
e em delações admitir
nosso dinheiro afanar.

Ladrões de tantos tipos:
de galinhas e democracia.
Cerceando conhecimento,
condenando o que eu fazia,
proibindo a minha música,
ignorando Zaratrusta e
hitlerizando em apologia.

Ah! Como eu queria
que o toc toc fosse o amor
que eu abrisse a porta logo
e visse a liberdade em esplendor.
Que não fosse aquele nazista
autodeclarado articulista
com ideal conservador.

O caminho parece sombrio
e os poderes um tanto manchados.
A TV em constante desvio
e um sem números de descalabros.
Um sentimento de arrepio
Invade meu corpo bem frio
E de todos aqueles amordaçados.

Toc toc toc
Quem é?
Sou eu!
Eu quem?
Anjo bem!
O que queres?
O quarto Reich.


Fabio Soares

Publicados em 21 de julho na Coluna Pimenteiro do Diário Data X




DISTOPIA NOSSA, QUE ESTÁS NA TERRA



Na tira que antecede a acima disposta e nas duas que a sucedem, a pequena Mafalda, personagem do genial Quino, lança-se com sua inocência (e perspicácia) na busca por pessoas bondosas. Afinal, com tanta maldade no mundo era só encontrar essas pessoas, não?! A cada investida, uma afirmativa! Enfim todo mundo é bom! De Don Manolo, que espanca o filho, à senhora rica de um país de miseráveis, passando pelo guarda da rua em plena ditadura argentina. Essa pergunta poderia ser feita a qualquer um, inclusive a esse que escreve... ou ao pastor, ao jornalista e ao prefeito, todos diriam “sim, é claro!”. Talvez esse último, em tom de bravata, ainda emendaria que é tão bom que o país seria bem melhor se existissem uns 20, 30 ou 50 como ele...
A ação moral bondosa, no mundo moderno, é claro, precisa ser aplicada com cautela, à conta-gotas. Afinal, não devem atrapalhar os negócios. Tirar uma vantagem de alguém descuidado, endividado ou fragilizado faz parte do modus operandi contemporâneo, respaldada na própria moral de consenso. Não nos enganemos! Não significa que falta ensinar valores às crianças que no futuro serão os adultos de bem, mas que os valores ensinados são compatíveis com esses outros valores não ditos. Mais que isso, são ensinados exaustivamente! Já em 1968, Tom Zé escancarou o pai de família de bem ao compor “Dólar”. Pois, “ele sempre soube encaminhar seus filhos para a glória [...] Ensinou-lhes bem cedo que ‘a honra’ todos devem cultivar, entretanto, ao tomar decisões, ela nunca deve atrapalhar. Mostrou que as boas ações, a causa justa e que é nobre, convive é com os milhões”.
Essa coexistência entre valores tão díspares, ou, então, esse poder de manter duas crenças opostas na mente ao mesmo tempo foi chamada por George Orwell de “duplipensar”. Talvez a profecia de Orwell tenha se concretizado e vivamos presos na distopia de seu perturbador romance “1984”. O fenômeno da pós-verdade, onipresente na obra (e na contemporaneidade), dá mostras disso: a cultura da arma de fogo pessoal impulsiona as estatísticas de assassinato (da vítima), mas isso não importa, o indivíduo, adepto da religião cujo messias dizia para oferecer a outra face, quer portar a sua; há evidências de que o peso da pena não é fator determinante para diminuição da criminalidade, não importa, para o indivíduo, ainda o mesmo, tem que ter pena de morte ou, no mínimo, socar o “criminoso” numa cela suja, porque tem que ser suja mesmo! Não importa, portanto, que os fatos objetivos deem mostras da absurdidade da ideia ou crença. A ideia se justifica por motivos não ditos, mas moralmente admitidos.
A boa pessoa da investida de Mafalda duplipensa quase o tempo todo. Prega a honestidade e sonega imposto. Quer uma lei violenta para conduzir à paz. Ensina a amar o próximo, desde que não atrapalhe os negócios. Quer praticar o mal e continuar respondendo à menininha curiosa: “sim, por Deus! Sou uma boa pessoa!”.


Bruno Antonio Picoli


SOMOS TODOS BONS

Nesse Brasil de tantas bondades
vivemos outras tantas maldades.
E daí? O que conta na vida?
Viver de mentiras que cremos,
inclusive as que dizemos verdades?
O que me parece viger
constituindo nosso modo de ser
é a mais vil crueldade.

Esses rompantes morais
de encorpa da moralidade
de uma biosfera distópica
de um estado de temeridade
só aumentam meu bem querer
de enxergar e entender
o que move as ambiguidades.

Em terra de tantos bons,
de amável hostilidade
de quem bate por amor
e de quem ama por vaidade
é crucial o pensamento
de que o silenciamento
tem tido tanta legitimidade.

E a Mafalda entendendo o mundo
e sua astuta discursividade
nos faz compreender também
sobre o mau e sua versatilidade
que se traveste de utopia,
mas reflete a distopia
de nós, apesar da bondade.

Fabio Soares



Publicados em 14 de julho na Coluna Pimenteiro do Diário Data X


DORMIR, TRABALHAR, CONSUMIR E DORMIR

Assim como toda mulher é muito mais que um rostinho bonito, toda cidade deve oferecer muito mais que moradia e trabalho a quem, por escolha ou não, vive nela. É sua obrigação proporcionar e investir em lazer e, por consequência, qualidade de vida, que por sua vez faculta em saúde, educação e cultura. A mesma população que demanda por escolas e postos de saúde, também precisa de espaços públicos qualitativos e gratuitos para exercer o lado poético da vida.
O lazer está relacionado aos momentos de prazer e não pode ser privilégio de poucos. É um direito. Está na Constituição, apesar de atualmente isso já não significar muita coisa.  É nos parques, praças e ruas que a vida acontece, são nesses espaços que exercemos a cidadania e estreitamos nossas relações com o espaço urbano.
No (velho) oeste catarinense as áreas de lazer não são muito comuns, limitando-se, na maioria das vezes, em uma praça no centro da cidade e campos de futebol improvisados. Por aqui tudo que foge a rotina de trabalho-casa-trabalho é coisa de vagabundo, inclusive lutar pelos próprios direitos.
Ganha mais voto quem promete asfalto e não novos parques ou praças. E quem vota assim pensa que carros, e não pessoas se divertindo, trazem vida aos espaços públicos. Por aqui, as pessoas clamam por árvores, mas todo inverno realizam as podas irresponsável nelas. Por aqui as pessoas querem mais verde, mas quando se propõe um parque para um bairro, ele fica distante e ninguém usa. Por aqui, as pessoas dizem que não têm bandido de estimação, mas não foram às ruas – como outrora – protestar ‘contra tudo o que está aí, o conjunto da obra’.
Lazer não é só viajar, ele precisa ser possibilitado e vivido aqui (ainda que valorizemos os calçadões de outros lugares e o nosso não). Apesar das reformas temerárias avançarem a passos largos no Congresso Nacional, o lazer não deve ser pensado tão somente como um contraponto ao trabalho, é uma expressão humana, ora individual, ora coletiva. Porque a vida não se resume em trabalhar para consumir, dormir para trabalhar e consumir para existir.

Regina Miliorança


VIDA E ESPAÇO

“Bebida é água!
Comida é pasto!
Você tem sede de que?
Você tem fome de que?...

A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte...”

Comi muito hoje.
Talvez por me fazer feliz!
Talvez porque estava ansioso!
Talvez porque alguém me diz:
que comi porque trabalhei,
duramente, incessante, cansei,
e que dormir me faz aprendiz.

Se a vida é um trepidante círculo
de trabalhar, consumir e dormir,
o que nos resta pra pensar
sobre mim, tu e sentir?
Como criar com o ócio,
sem que tudo seja um negócio
de ganhar, gastar e sucumbir?

Os distantes discursos e práticas
sobre ambiente, trabalho e alegria,
tornam-se muito mais frequentes,
tendo teimosa companhia.
Aquela de pura falácia
misturada com fina audácia:
que, sem atitude, é triste ironia.

Me pergunto agora:
o que dá vida aos espaços?
Verdejantes campos e parques?
Ou asfalto para desfile de carros?
Atentemos:
Lazer é expressão humana
individual, coletiva e soberana
que reúne nossos tantos pedaços.

Fabio Soares




Publicados em 05 de julho na Coluna Pimenteiro do Diário Data X


SEI LÁ

Sei lá. É na madrugada da vida que dou corda para minhas utopias. Eu que não tenho sete vidas, tenho pensado em viver bem: tomar chimarrão, evitar noticiários e não relembrar os amores do passado. Sobre o amor, tenho sentimentos coloridos para com o meu décimo terceiro salário, só que, de vez em quando, me sinto no meio de uma novela, porque do nada aparece alguém querendo tirar ele dos meus braços. Esse amor é meu! Neste mundo dos direitos, uma coisa que nunca entendi é porque sempre querem tirar os direitos de uns em benefício de outros. Minha maior utopia é uma parabólica desajustada, embora o mundo já seja bem desajustado: uns tem fome de comida, outros de dinheiro. E é por isso que não entendo nada, só me restando ficar de olho na televisão esperando por um salvador. Sobre salvação, os professores me ensinaram a amarrar os cadarços quando eu era pequenino e frequentava a escola. Depois também aprendi a escrever, ler, desenhar, somar, multiplicar e todas essas coisas que serviram de base para hoje tomarmos banho quente no inverno. Na matemática da vida é que nunca fui bom, tudo porque sei muito bem que professor trabalha trezentas horas semanais enquanto a semana só tem cento e sessenta e poucas horas, sem falar que o professor recebe só por meia dúzia dessas. O pão de cada dia tem aumentado meu colesterol. A televisão tem me deixado enjoado. Só que no meio de tudo isso já tô pensando na Copa do Mundo, que pelo menos ocupa o noticiário com coisas diferentes, não só falando todos os dias de futebol, dos escândalos de corrupção do Congresso Nacional e das reformas que devemos temer. De vez em quando me pego pensando em músicas. Música é um negócio rico, diverso e cheio de vida. Sempre quis acreditar que um dia haveria mais músicas do que estrelas, só que esses dias fiquei ouvindo rádio e cheguei à conclusão que estamos perdidos, porque as músicas se repetem diariamente, semanalmente... e parece que não tem nada de novo. Quando tem, é mais do mesmo. Temer o mais do mesmo sempre! Poderia ser Temer do verbo Michel, mas hoje tô de folga, não quero tocar no nome de quem quer reformar a previdência atacando o povo, ou, se preferirem, no sujeito que fica mais enrolado a cada dia que passa. Preferia o Brasil do carnaval, da caipirinha e sei lá do quê, porque esse lance de mala de dinheiro, compra de silêncio, negociatas e golpes não tá fazendo bem para ninguém. O carnaval é depois ou antes da Copa do Mundo? Melhor ir tratar da minha parabólica desajustada e focar em minhas utopias. Beijos.

André Detoni



  
VINIL

Sempre gostei de música,
de muitas e diversas.
De ouvi-las por tantas horas
De metal às mais singelas
Do vinil ao spotify
De Gonzagão e muito mais,
verdadeiras aquarelas.

Assim com as estrelas
elas sempre me encantaram,
e apesar de repetidas
Muitas vezes motivaram
a pensar sobre o mundo
refletir e ir a fundo
sobre fatos que passaram.

A questão é mais do mesmo!
Ou ter apenas dois lados?
Não é que vinil seja ruim
por não ter tantos espaços
É o conteúdo da música,
confeitado com astúcia
e muitos tantos maltratados.

Persistir em utopias
Ou ver a copa na TV?
Prefiro sentir meu vinil,
pensar e tentar entender
que ouvir apenas dois lados
sem atentar aos descalabros
só aumentará o meu temer.

Fabio Soares


Publicados em 27 de junho na Coluna Pimenteiro do Diário Data X



CHAPECÓ: UMA CIDADE À FRENTE DE SEU TEMPO (É O QUE DIZEM)     

            As efemérides servem para muita coisa, menos para aquilo que dizem que elas servem. O centenário de um município constitui uma oportunidade sem par para refletir sobre a cidade, sobre o que se fez e o que não se teve a altivez de fazer, sobre o presente, sobre o passado e sobre o que se quer para o futuro. Não se a aniversariante for Chapecó! A relação de Chapecó com o tempo é maquiada, conflituosa, incendiária.
            Uma cidade que queima o que não agrada, do boneco do futebolista após eliminação da Copa até os quatro jovens de Iraí após derrota nas urnas. Que não se comove com o atropelamento de uma criança indígena e concomitantemente não hesita caricaturá-la em sua mascote preferida. Às personagens da história chapecoense que nunca frequentaram o ambiente fetichista da high society local não cabem as honras que, segundo o prefeito Luciano Buligon, foram concedidas pela história. Na cabeça do prefeito e dos que pensam como ele, a história é uma entidade imune aos interesses dos que se arrogam ser seu oráculo, como o próprio prefeito. Ela julga os humanos de uma posição superior, intocada, pura. E assim, como um juiz imparcial, condena ao esquecimento aqueles julgados como insignificantes.
            Na publicidade oficial do centenário de Chapecó, em campanha radiofônica, afirma-se que  a cidade “está à frente de seu tempo”. O pretenso oráculo da História ignora a impossibilidade física e teórica disso, sobretudo em uma economia que vive da matança (normalmente de animais)... Afrenteporaneamente a administração decide, de forma autocrática, homenagear aqueles que sempre foram homenageados, os responsáveis diretos e indiretos pelas matanças (normalmente de animais?), ícones de um passado violento e longe por demasia das vanguardas de outrora que, importante que se diga, embora vanguardas, ainda estavam dentro do seu tempo.
            O que a efeméride de turno escancara é que Chapecó se recusa a encarar o tempo presente, a se redimir com os muitos que foram vítimas das matanças (algumas até de animais). Por não ter a coragem de olhar no olho do tempo presente e com ele reescrever sua história (passado, presente e futuro), Chapecó projeta-se como a capital de um futuro fictício com o desejo profundo de que ele repita o vil passado de matanças.
            Aos que construíram essa cidade, imperfeita mas real, com questões que precisam ser enfrentadas com a coragem e a altivez que o tempo presente exige, restam como monumentos as pedras pisadas e assentadas sobre sua própria carne. A melhor forma de honrá-los é encarar os desafios e as idiossincrasias do presente, valorizando e investindo nas forças culturais produtivas desse tempo, de modo a construir um futuro real, complexo, plural e integrador. Distante portanto do passado que se quer consagrar.

Bruno Antonio Picoli, professor do curso de História da Universidade Federal da Fronteira Sul





Não havendo segurança
naquela velha prisão
um grupo se reuniram
pensando de terem razão
fizeram horrenda chacina
Por sua autorização

Umas cem pessoas
dispostas e revoltadas
invadiram aquela cadeia
deixando toda estragada
agrediram os quatro presos
matando a golpe e pancada

E depois de terem mortos
arrastaram para o solo
com facões com revólveres
furaram os corpos de bala
golpeando pernas e braços
Cometendo horrível escala


Trecho do cordel “História do incêndio de Chapecó e o linchamento dos quatro presos” de Vicente Morelatto


Publicados em 19 de junho na Coluna Pimenteiro do Diário Data X