quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Trabalho: acima de tudo, um direito


A maioria das pessoas já teve contato com frases similares a estas: “o trabalho enobrece o homem”; “quanto mais cedo começar a trabalhar, melhor”; “qualquer trabalho é melhor do que nenhum”.
                Mas será mesmo que qualquer trabalho dignifica a pessoa que trabalha? Será que a supressão da infância e da adolescência realmente é o melhor caminho para a formação das pessoas? Será que o simples fato de trabalhar, mesmo sem as condições mínimas para tanto, é motivo de regozijo?
                Sinceramente - apenas como exemplo - não acho que a realização da mesma tarefa, durante mais de oito horas diárias, em posição muitas vezes incômoda e condição ambiental inadequada, com salário igual ou pouco superior a R$ 500,00 e com a perspectiva de chegar, ao longo de anos, a uma remuneração apenas um pouco superior, seja fonte de engrandecimento pessoal para alguém. Também não acho que o trabalho desde tenra idade contribua para a formação do indivíduo (ao contrário, penso que prato cheio para traumas futuros: quem não tem tempo de ser criança, não amadurece). Não vejo também como aceitar condições degradantes ou análogas à escravidão como preferíveis à falta de trabalho.
                Trabalho não é dádiva, é direito (Constituição da República, artigo 6º). Logo, o Estado está obrigado a instituir políticas públicas que tornem possível o acesso, por um número cada vez maior de pessoas, a emprego. Quando o Poder Público assim atua, não faz favor algum, apenas atende ao comando constitucional.
                E o direito não é a qualquer trabalho, mas a um trabalho digno e somente a partir da idade adequada. E dignidade no trabalho – da qual nem mesmo o trabalhador pode abrir mão – apenas se alcança com o cumprimento integral da legislação trabalhista.
                Urge, pois, que se desmistifique a ideia de que empregados possuem direitos em demasia (procurarei demonstrar, em outra oportunidade, que isso não é verdade) e de que o direito do trabalho é excessivamente rígido (o direito de despedir a qualquer tempo, exceto em restritíssimas hipóteses, desmonta tal tese).  
                Essa é, dentre outras, umas das metas de nosso grupo: conscientizar as pessoas de que o direito também pode ser utilizado como instrumento de justiça social.  Quer contribuir? Entre em contato ou acompanhe nossas idéias (por meio do e-mail: grupogedis@hotmail.com ou neste Blog).

Régis Trindade de Mello - GEDIS

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A reincidência sob um enfoque crítico

   
Há muito a pena foi tida como forma de expiação/castigo ao infrator, o qual pagava com seu próprio corpo e, não raro, com sua vida pelo ato criminoso praticado. A execução penal ocorria em praça pública, em forma de espetáculo para o público em geral, pelas mãos dos carrascos e executores, cujos atos, destarte, confundiam-se ou ultrapassavam a repulsa causada por aqueles praticados pelo infrator.
De fato, deve-se reconhecer, com Michel Focault, que o estabelecimento prisional, de certa forma, serviu para humanizar o direito penal, ao menos no tocante à pena. Além disso, esta passou a ser vista sob um outro enfoque, qual seja: como meio para a ressocialização do  sujeito infrator.
Pode-se falar, no entanto, que nosso Código Penal adota, em relação à teoria da pena, uma mescla entre o caráter punitivo ou vingativo e o ressocializador. O primeiro teria o fim de castigar tanto o ofensor quanto incutir medo aos demais indivíduos acerca dos males impostos pelo Estado em decorrência da prática delitiva. O segundo, por sua vez, representa o papel do Estado em criar mecanismos que possibilitem o retorno do agente ao convício social.
No Brasil, atualmente, temos a preponderância do primeiro aspecto somente. A superlotação dos presídios, que reúnem milhares de presos em celas projetas apenas para centenas, apinham indivíduos em condições desumanas. A falta de higiene, de comida e das mais primárias condições de dignidade só não supera a revolta e a ausência de expectativas além-cárcere.  
A repressão é sentida na “pele” pelos agentes infratores, que, via de regra, lutam para não perecer diante de circunstâncias tão desprezíveis. A vingança e a punição, ao contrário do que vem se anunciando nos quatro cantos do país, é real e bastante severa também. Volta-se, pois, para o princípio, com a única diferença de que, agora, “tudo é feito às escondidas”, dentro dos estabelecimentos prisionais.
O projeto de ressocialização, perde-se em meio de tanta barbárie. O Estado não cumpre com seu dever legal de, ao menos, concretizar meios capazes de propiciar a reinclusão social do delinquente, sendo evidente a desproporção com que situa sua atuação na seara penal, isto é, garante êxito apenas no que concerne ao castigo. Este, ainda, é espraiado na sociedade, que de tantas formas, consciente ou inconscientemente, repudia a tentativa de o condenado voltar ao prumo social.  
Efeito diretamente ligado a isso, sem dúvida, é a reincidência. Pelo Código Penal vigente, é reincidente aquele que cometer novo crime até cinco anos após cessarem os efeitos da pena (artigo 63 do Código Penal), gerando aumento de pena em caso de cometimento de novo delito (art. 61, inciso I,do Código Penal)  
Muito embora sejamos tentados em admitir que é válida (constitucional) a aplicação de pena mais severa em relação ao criminoso reincidente, isso é desconstruído por um olhar um pouco menos “míope” e mais reflexivo sobre o assunto.
As razões são, basicamente, duas e são analisadas dentro dos objetivos da penas (punitivo e ressocializador).
O aumento de pena em decorrência da reincidência, previsto no artigo 61, inciso I, do Código Penal, não pode ser legitimado diante do argumento de servir como castigo. Ocorre que, em Direito Penal, ninguém pode ser punido pelo mesmo fato por mais de uma vez (ne bis in idem). Ora, com o aumento operado em decorrência da reincidência, é cristalino que uma parcela da pena aplicada ao crime mais recente se dá por conta da existência daquele mais antigo, que a ocasionou. Inegável, assim, a dupla-punição!
Por outro lado, a reincidência é, em certa medida, a constatação da falha do Estado em seu dever assumido de, quando tirou a liberdade do agente infrator, criar condições capazes de reordená-lo ao convívio social. Não se pode deixar de perceber que a legitimidade do suprimento da liberdade, neste aspecto, ocorre pelo fato de o Estado presumir a insuficiência de possibilidade de o criminoso readequar-se às normas de condutas aceitas pela sociedade. Logo, se assim o deveria fazer e não o faz, não se demonstra adequado o aumento da pena por causa reincidência. Torna-se inescondível, com isso, que, em certa parcela, o Estado também lhe deu causa.
É urgente, portanto, a criação de alternativas à “arte de punir”. Impõe-se que haja imediato abandono da cultura punitivista até então impregnada na sociedade, a fim de combater a violência por vias legítimas. Alterar a realidade dos ergástulos públicos, ao que parece, é apenas o início de alterações mais profundas, a serem efetivadas no seio da sociedade. Os benefícios serão vistos por todos.

Cleiton Luis Chiodi - GEDIS

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Dos torturadores

O torturador é um monstro, um desnaturado, um tarado, é aquele que experimenta o mais intenso dos prazeres diante dos mais intensos dos sofrimentos. É uma espécie de cascavel que morde o som dos próprios chocalhos”  (Min. Carlos Ayres Britto, ADPF 153).
A improcedência da ADPF 153, a qual confirmou a extensão da anistia aos torturadores, embora tenha sido a voz da conformação,  reacendeu na sociedade a discussão sobre as práticas de tortura, revelando a existência de “torturadores de fato”, mas também  de “torturadores em potencial”. Estes fazem apologia a esta prática e revelam uma satisfação por saber que ela continua existindo, os mesmos percebem na anistia aos torturadores uma possibilidade de legitimação da tortura.
Os “torturadores de fato” consumam, os “torturadores em potencial” cogitam, estimulam, sua tortura é virtual. Estes “torturadores em potencial” clamam ao Estado a realização do seu intento,  acreditam  ser obrigação dos agentes públicos a satisfação do seu desejo de vingança, sua revolta, sua histeria  e por vezes o seu sadismo.
A justificativa é combater os malfeitores, mas o alvo tantas vezes não é “o culpado”, mas “um culpado” qualquer, o qual permite a expiação da histeria coletiva. Mas indiferente a isto, a sociedade precisa responder a “maldade” com a justiça, os “maus” não devem ser imitados, a sociedade não deve fazer dos seus malfeitores seus professores, pois dessa forma, valores perversos serão cultuados por toda a sociedade, como de fato já os são, por uma pequena parcela da sociedade, a qual tem sede de sangue, mas afirma ter sede de justiça.
Embora as diferenças apresentadas, o torturado real e o torturador virtual, comungam a depravação, na medida do gozo pelo dor alheia.

Samuel Mânica Radaelli - GEDIS