Há muito a pena foi tida como forma de expiação/castigo ao infrator, o qual pagava com seu próprio corpo e, não raro, com sua vida pelo ato criminoso praticado. A execução penal ocorria em praça pública, em forma de espetáculo para o público em geral, pelas mãos dos carrascos e executores, cujos atos, destarte, confundiam-se ou ultrapassavam a repulsa causada por aqueles praticados pelo infrator.
De fato, deve-se reconhecer, com Michel Focault, que o estabelecimento prisional, de certa forma, serviu para humanizar o direito penal, ao menos no tocante à pena. Além disso, esta passou a ser vista sob um outro enfoque, qual seja: como meio para a ressocialização do sujeito infrator.
Pode-se falar, no entanto, que nosso Código Penal adota, em relação à teoria da pena, uma mescla entre o caráter punitivo ou vingativo e o ressocializador. O primeiro teria o fim de castigar tanto o ofensor quanto incutir medo aos demais indivíduos acerca dos males impostos pelo Estado em decorrência da prática delitiva. O segundo, por sua vez, representa o papel do Estado em criar mecanismos que possibilitem o retorno do agente ao convício social.
No Brasil, atualmente, temos a preponderância do primeiro aspecto somente. A superlotação dos presídios, que reúnem milhares de presos em celas projetas apenas para centenas, apinham indivíduos em condições desumanas. A falta de higiene, de comida e das mais primárias condições de dignidade só não supera a revolta e a ausência de expectativas além-cárcere.
A repressão é sentida na “pele” pelos agentes infratores, que, via de regra, lutam para não perecer diante de circunstâncias tão desprezíveis. A vingança e a punição, ao contrário do que vem se anunciando nos quatro cantos do país, é real e bastante severa também. Volta-se, pois, para o princípio, com a única diferença de que, agora, “tudo é feito às escondidas”, dentro dos estabelecimentos prisionais.
O projeto de ressocialização, perde-se em meio de tanta barbárie. O Estado não cumpre com seu dever legal de, ao menos, concretizar meios capazes de propiciar a reinclusão social do delinquente, sendo evidente a desproporção com que situa sua atuação na seara penal, isto é, garante êxito apenas no que concerne ao castigo. Este, ainda, é espraiado na sociedade, que de tantas formas, consciente ou inconscientemente, repudia a tentativa de o condenado voltar ao prumo social.
Efeito diretamente ligado a isso, sem dúvida, é a reincidência. Pelo Código Penal vigente, é reincidente aquele que cometer novo crime até cinco anos após cessarem os efeitos da pena (artigo 63 do Código Penal), gerando aumento de pena em caso de cometimento de novo delito (art. 61, inciso I,do Código Penal)
Muito embora sejamos tentados em admitir que é válida (constitucional) a aplicação de pena mais severa em relação ao criminoso reincidente, isso é desconstruído por um olhar um pouco menos “míope” e mais reflexivo sobre o assunto.
As razões são, basicamente, duas e são analisadas dentro dos objetivos da penas (punitivo e ressocializador).
O aumento de pena em decorrência da reincidência, previsto no artigo 61, inciso I, do Código Penal, não pode ser legitimado diante do argumento de servir como castigo. Ocorre que, em Direito Penal, ninguém pode ser punido pelo mesmo fato por mais de uma vez (ne bis in idem). Ora, com o aumento operado em decorrência da reincidência, é cristalino que uma parcela da pena aplicada ao crime mais recente se dá por conta da existência daquele mais antigo, que a ocasionou. Inegável, assim, a dupla-punição!
Por outro lado, a reincidência é, em certa medida, a constatação da falha do Estado em seu dever assumido de, quando tirou a liberdade do agente infrator, criar condições capazes de reordená-lo ao convívio social. Não se pode deixar de perceber que a legitimidade do suprimento da liberdade, neste aspecto, ocorre pelo fato de o Estado presumir a insuficiência de possibilidade de o criminoso readequar-se às normas de condutas aceitas pela sociedade. Logo, se assim o deveria fazer e não o faz, não se demonstra adequado o aumento da pena por causa reincidência. Torna-se inescondível, com isso, que, em certa parcela, o Estado também lhe deu causa.
É urgente, portanto, a criação de alternativas à “arte de punir”. Impõe-se que haja imediato abandono da cultura punitivista até então impregnada na sociedade, a fim de combater a violência por vias legítimas. Alterar a realidade dos ergástulos públicos, ao que parece, é apenas o início de alterações mais profundas, a serem efetivadas no seio da sociedade. Os benefícios serão vistos por todos.
Cleiton Luis Chiodi - GEDIS
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