Série Trabalho aos Domingos

A série "Trabalho aos Domingos" é um conjunto de textos elaborado pelos integrantes do GEDIS com a finalidade de lançar a discussão acerca da necessidade/possibilidade jurídica e social do trabalho ordinário aos domingos, bem como da importância de instituir socialmente um dia comum reservado ao descanso.
É composta de cinco textos que abordam a questão sob enfoques diversificados (jurídico, sociológico, histórico, religioso e urbanístico), buscando lançar argumentos válidos e sólidos em prol do respeito ao direito ao descanso no domingo, o qual vem sendo atacado constantemente pela retórica de cunho neoliberal, principalmente.
Dessa forma, o GEDIS reafirma sua proposta crítica compromissada com os problemas comuns sofridos pela maioria da população - em especial a classe oprimida, cuja voz vem sendo calada de diversas formas.
Segue abaixo os textos:

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O lucro como único fundamento, em busca das motivações do trabalho em fins de semana
Samuel Mânica Radaelli - Gedis

“a escravidão será por muito tempo a característica principal do Brasil” Joaquim Nabuco

"Você deve notar que não tem mais tutu
e dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
e dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre um ar de alegria
e dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
e esquecer que está desempregado
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?
Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre: "Muito obrigado"
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado
Deve pois só fazer pelo bem da Nação
Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um Fuscão no juízo final
E diploma de bem comportado...."
(comportamento geral , Gonzaguinha)


Todos os agrupamentos humanos assim se organizam não só por razões naturais ou para dar conta de necessidades materiais. As civilizações em geral possuem motivações axiológicas, valores coletivos, cuja preservação justifica a formação de uma sociedade, servindo ao mesmo tempo para defini-la. O processo de caracterização das sociedades é fruto de um processo de auto-afirmação, o qual é fruto de valores tidos como fundamentais e até sagrados em algumas experiências societais.
Partindo desta afirmação logo vem pergunta: o que define nossa sociedade? Qual(is) sua(s) característica (s) predominante(s)? Estas perguntas valem tanto no âmbito local quanto regional, e mesmo em relação à Nação.
Em busca desta resposta, partimos atrás dos símbolos e de justificativas que nossa sociedade apresenta para justificar-se. Max Weber preconiza que a sociedade moderna seria orientada por aquilo que ele chama de razão instrumental, ou seja, a forma de racionalidade orientada pelo cálculo que visa o maior resultado com o menor custo. Ao que parece, Weber tinha razão: em nossa sociedade a quase totalidade das opções, tanto individuais como políticas, são feitas levando em conta o ganho que elas representam. Uma medida se justifica perante a maioria quando for a que gera mais ganhos econômicos com menos investimento.
Está formula simples orienta e justifica nossas ações, até mesmo as mais subjetivas. Dostoievski, no conto “O Crocodilo”, revela o caso de um casal que vai ao circo para ver um crocodilo gigantesco. Devido a sua curiosidade, o esposo acaba sendo engolido pelo animal. Quando percebe que ele se encontra vivo dentro do réptil, sua mulher chama o proprietário do circo e exige que se abra o animal para retirá-lo. O proprietário diz que não pode fazer isso, tendo em vista que a atração gera lucro diário, que não poderia ser compensado pelo engolido e sua família, e afirma “em primeiro lugar o princípio econômico”. Quando a esposa começa a refutar, ouve-se uma voz vinda de dentro do crocodilo repetindo “em primeiro lugar o princípio econômico” e o homem - de dentro do animal - convence a mulher a aceitar a proposta do dono do circo, desde que ele (o engolido) também receba um valor para permanecer lá dentro, pois afinal isso atrairia mais público.
No caso do texto literário, o sujeito teria dinheiro que nunca poderia gastar, mas isso não importa, pois o acumulo é um fim em si mesmo!
Feito este parêntese literário, volta-se a questão do trabalho aos domingos por conta da abertura do comércio nestes dias, e pergunta-se: o que justifica esta medida? A resposta nos foi antecipada por Max Weber: se obteriam melhores resultados econômicos, com menores custos. Aliás, os custos seriam apenas subjetivos e integralmente suportados pelo comerciário.
Existe outro argumento muito forte e oriundo do primeiro: a abertura do comércio aos domingos gera empregos. Este argumento, aliás, é constante na retórica capitalista contemporânea e criou até o chavão mentiroso de que “é melhor qualquer trabalho do que nenhum”. Este ditado, que se impregnou no imaginário da maioria das pessoas, é fruto de algum excremento teórico de alguém que provavelmente nunca trabalhou, ignorando que emprego se diferencia de servidão, cabendo lembrar que até 13 de maio 1888 não havia nenhum negro desempregado!
Embora se destine outro dia da semana para o repouso do trabalhador, na prática isso não tem um efeito compensatório, pois ele folgará enquanto todos em casa e na sociedade de um modo geral estão envolvidos com obrigações cotidianas, até porque a sociedade sedimentou o domingo como um dia de lazer e fora dele é difícil que o descanso semanal efetive seus propósitos. Por conta disso, tem–se a absorção do sujeito pelo trabalho, o que é um fator que sabidamente brutaliza e reduz as possibilidades de ascensão do trabalhador, uma vez que o fim de semana é único espaço de autonomia dos empregados, já que a maioria espera ansiosamente por tais dias, pois somente nestes encontram a liberdade para realizarem as atividades que desejam. Ou seja, deixam a esfera da heterorregulação, na qual o patrão determina as suas atividades, e passam à esfera da autorregulação, decidindo eles próprios sobre o uso do tempo (Rybczynski, 2000)
Implicitamente ao trabalhador se repete insistentemente esta mensagem: “trabalhem, trabalhem dia e noite. Trabalhando, fazem crescer sua própria miséria e sua miséria nos dispensa de impor-lhes o trabalho pela força da lei [...] Trabalhem, trabalhem, proletários, para aumentar a riqueza social e suas misérias individuais, trabalhem, trabalhem para que, ficando mais pobres, tenham mais razões para trabalhar e tornarem-se miseráveis” (LAFARGUE, 1999, p. 79).
Um agrupamento societário não visa só resultados financeiros, ele se articula em nome de valores que coletivamente quer defender, de modo a formar uma esfera de proteção que atinja a todos os membros. O princípio econômico, por sua vez, se apresenta superior a qualquer valor que sociedade possa julgar como importante, já que defender certos valores significa contrapor a lógica do lucro, e, contemporaneamente, é muito presente a idéia de que tudo é justificável pelo resultado econômico.
Nesse quesito, nossa sociedade preserva um traço selvagem (muito embora na selva inexista aquele que mata para acumular), na medida em que os fortes não encontram limites na imposição de sua vontade aos fracos.
Desse modo, o trabalho aos domingos desafia a ideia de proteção à família, valor supostamente fundamental de nossa sociedade. O domingo como um dia de descanso é importante mesmo em uma lógica laica, pois propicia o convívio familiar e, estando os membros do grupo livres de compromissos profissionais, podem dedicar-se a ludicidade, a religiosidade e ao desenvolvimento das funções de cada um na família. É comprovado que quem trabalha aos domingos tendo sua folga em outro dia da semana tem uma vivência familiar mais pobre, fator que interfere no desenvolvimento pessoal dos filhos, na sanidade psíquica e emocional de todos os entes e, principalmente, na desagregação familiar. Confirma-se, assim, o fato de que “a burguesia rasgou o véu de emoção e de sentimentalidade das relações familiares e reduziu-as a mera relação monetária” (MARX, 2002, p. 28)
A inobservância deliberada dessa consequência revela que a família nunca foi um valor fundamental de nossa sociedade, mas apenas uma cantilena piegas, usada em geral em apelos comerciais (especialmente em propaganda de margarina), pois os valores são defendidos universalmente, ou seja, toda e qualquer família merece ser protegida por medidas que facilitem o seu convívio, agora defender individualmente a própria família, ou somente a família burguesa, é forma contemporânea de barbárie.
No conto de Dostoievski, aquele que gera a riqueza por meio de um esforço desumano, servindo como atração grotesca dentro de um crocodilo para produzi–la, se afasta da possibilidade de poder gozá-la. Assim é o comerciário que passa seus domingos produzindo resultados econômicos que servirão somente ao dono do crocodilo, quer dizer, ao dono do estabelecimento.

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A Singularidade do Domingo - historicidade e simbolismo do dia
Bruno Antonio Picoli - Gedis

Futebol à tarde na TV, almoço na casa de amigos, missa matinal, encontro de fãs de automobilismo, “pelada” com a turma, sorvete com os filhos (seguido, claro, da pracinha), passeio com a namorada, chimarrão na casa da vizinha... Eventos díspares, em pouco – ou mesmo nada – relacionados, com a fina exceção de que não acontecem todo dia... Não é na segunda, tampouco na quinta, menos na terça... São práticas domingueiras. Então, seria importante começar este texto indagando se pode o domingo ser considerado apenas um simples dia de descanso para cumprimento de uma exigência legal e, portanto, substituível por qualquer outro dia da semana que tenha o mesmo fim? Tentadora a resposta, mas temos mais a considerar.
Enquanto dia santo tem o domingo uma longa e conturbada história, marcada por controvérsias, perseguições político-religiosas, levantes e sincretismo. Utilizamos oficialmente o domingo, em nosso calendário, como o dia da abertura da semana, o primeiro dia, atribuindo ao sábado a condição de sétimo e último dia... Entretanto, histórica e culturalmente (sobretudo com o mundo da fábrica) temos na segunda-feira o primeiro dia da semana que é fechada pelo sábado e pelo domingo, daí a expressão “fim de semana” e de sua abrangência para além do sábado.
Em culturas que antecederam ao cristianismo que se tornou oficial no Império Romano no fim do século IV, sobretudo o judaísmo e o dito cristianismo primitivo, era consagrado às atividades religiosas o sabá (do pôr do sol da sexta-feira ao pôr do sol do sábado, visto que a noção de início de um novo dia às zero horas é coisa bem recente), o sétimo dia em ordem cronológica. Essas populações, sobretudo as que viviam sob o jugo dos imperados romanos, sofriam constantes ataques e perseguições por negarem-se a ter no chefe de Estado de Roma a personificação de uma divindade, repudiando também, visto a indissolubilidade dos poderes religioso e político no Império, a autoridade do “César”. Muitos líderes foram perseguidos e mortos (alguns, quando cristãos, eram crucificados).
Em 313, o Imperador Constantino, frente ao crescimento incontrolável do cristianismo, publica o Édito de Milão, permitindo o seu culto e, consequentemente, a guarda do sabá. Entretanto, como meio de manter a imagem real associada à autoridade e ao divino, no reinado deste monarca é instituído um dia de louvação ao Imperador: nasce aí o domingo. O próprio termo designador do dia identifica este vínculo com a figura do senhor de Roma, pois domingo deriva de “dies domini”, termo latino que significa “dia do Senhor”. Enquanto no sábado cumpria-se um dever religioso, o domingo era dedicado a atividades cívicas, prática essa que foi reforçada com a oficialização do cristianismo por Teodósio, no ano 391.
Ainda no século IV, mas antes deste também, as fronteiras do Império Romano são tomadas por inúmeras levas de povos da Europa Oriental, que não migravam apenas com suas famílias e tropas, mas com sua cultura, religiosidade, línguas e tradições. Os “povos bárbaros”, de modo geral, possuíam crenças naturalistas, que tinham nos fenômenos naturais manifestações das divindades ou as próprias divindades. Cultuavam o sol, a lua, as árvores, os ventos, as ervas, a primavera, etc. Ocorre aí um interessante sincretismo que alterou e reconfigurou práticas sociais caracterizadoras de uma nova cultura: a cristã medieval. Como exemplo dessa “mistura inventiva” não deliberada podemos citar a árvore de natal, clara tentativa de aproximação do cristianismo com os cultos pagãos dos ditos bárbaros. Daí também o termo utilizado nas línguas anglo-germânicas (que preserva-se atualmente no inglês e no alemão) para designar o domingo: dia do sol (no inglês “Sunday” e no alemão “Sonntag”). O intento era fazer com que estes também guardassem o domingo.
O Império Romano sucumbiu às invasões bárbaras, mas não sua instituição religiosa. A Igreja Católica da Idade Média preservou o domingo, entretanto não mais como dia cívico, mas sim sacro. O “Dia do Senhor” deixa de ser dedicado ao Imperador (então inexistente ou reduzido à condição de Pontífice) e passa aos “domínios de Deus”, tornando-se o “sétimo dia” oficial e simbólico. A Idade Média, sobretudo a Baixa, é marcada por acirrada perseguição aos guardiões do sabá. Guardar o sábado deixa de ser uma prática cristã (ou de bom cristão) e passa a ser associado ao judaísmo, à bruxaria, ao paganismo e ao Diabo. Uma interessante herança simbólica desta associação do sabá com o mal é o ainda comum mito do nascimento de verrugas na ponta dos dedos de crianças que apontam estrelas... O sabá iniciava com a terceira estrela a aparecer no céu da sexta-feira, por isso, apontar era uma forma de não contar duas vezes o mesmo astro. Temendo severas punições as mães inculcavam nos filhos o “mito da verruga”. O domingo passa à Era Moderna como o dia sagrado e que, portanto, não devia ser dedicado ao trabalho.
No amanhecer da modernidade cruzam o Atlântico os “bons cristãos” portugueses. Ao chegar ao Brasil retornam à Europa levando madeiras, produtos, animais e até índios. Em contrapartida, trazem a língua, a religião e o domingo. A importância deste último, vinculado claro ao segundo ítem, era tamanha que mesmo os escravos dos engenhos de açúcar no atual Nordeste tinham sua dura rotina de trabalho atenuada neste dia. Evidentemente ainda eram escravos, mas domingo é domingo.
Com o processo de colonização assessorado por veículos cristãos (primeiro franciscanos, depois jesuítas), a guarda do domingo tornou-se uma prática comum em quase todo o território nacional. Era neste dia que ocorriam os encontros sociais mais expressivos, nas sedes de vilas, capelas, clubes e, mesmo, famílias. O domingo passa a ter uma dimensão simbólica, na medida em que é o propiciador da constituição e reforço de vínculos definidores de diversos “ethos” regionais. No oeste catarinense isso se dá, talvez, de forma ainda mais expressiva. A organização das comunidades em “linhas” isolou relativamente famílias que viviam a distâncias contadas a quilômetros umas das outras. Relativamente porque havia o domingo, a única oportunidade de encontro, de troca de experiências, de lazer, de conversa fiada, etc., que rompia as distâncias impostas pelo trabalho na casa e, sobretudo, na terra.
Com o recente processo de urbanização, o domingo manteve sua função simbólica de agregador de coletividades na medida em que é o refúgio frente à rotina da vida urbana-industrial-comercial (o que se verificou/verifica também no continente europeu). É o dia do encontro em família, do futebol assistido ou praticado, do passeio com os filhos, da conversa das comadres, dos vizinhos, enfim do ócio coletivo que prepara corporal e espiritualmente para a semana que se inicia com a segunda-feira.
Tendo em vista que é no domingo que algumas práticas sociais se desenvolvem, podemos compreendê-lo como um “território simbólico”, no sentido em que cria e reforça identificações, alter e auto-reconhecimentos. O domingo não é um dia, ou um “dia de folga”, como qualquer outro, é o “locus” temporal de interações socioculturais definidoras do “ethos”. O valor do domingo está no uso que coletivamente faz-se dele, uso este que não se pode fazer na segunda-feira, tampouco na quinta...

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O direito a usufruir a cidade nos finais de semana
Rosângela Favero - Gedis

O direito a cidade (Henri Lefebvre, 1968) é uma discussão recente no Brasil ( Estatuto da Cidade, 2001). Percebe-se que, quanto mais politizadas as pessoas, mais estas exigem dos governantes locais o seu direito de poder aproveitar a cidade de forma coletiva nos parques, praças e nas próprias ruas fechadas para lazer.
“O direito à cidade e à cidadania é concebido como direito fundamental e concerne à participação dos habitantes das cidades na definição legítima do destino que esta deve seguir. Inclui o direito à terra, aos meios de subsistência à moradia, ao saneamento ambiental, à saúde, à educação, ao transporte público, à alimentação, ao trabalho, ao lazer e à informação (MARTINS: 2006: 134).”
Temos bons exemplos no Brasil de como fazer com que a população desfrute de seu direito a cidade nos finais de semana.  Relembrando um fato ocorrido em Porto Alegre: a construção da Avenida Beira Rio. Foi, na época, um assunto bastante polêmico, pois, ao mesmo tempo em que se fazia necessária uma via alternativa de escoamento do trânsito, como o local mais fácil por não precisar indenização era o aterro beirando o Rio Guaíba, agredia a população em geral, pois roubaria um recanto do parque da Harmonia que dava acesso direto ao Rio. O embate, como na maioria das vezes no Brasil, teve o poder econômico como fator decisório. A população, durante a semana, perdeu parte do acesso ao Rio Guaíba com a construção da Avenida Beira Rio. Como forma de atender as reivindicações da população que pedia de volta o contato com o Rio que lhes foi tirado, as administrações municipais posteriores determinaram o fechamento do trecho da Avenida Beira Rio que corta o Parque ao trânsito de veículos nos feriados e finais de semana.
Constatando a boa repercussão da medida, com uma visão humanista, a municipalidade de Porto Alegre, além desta Avenida, passou a determinar o fechamento de vários corredores de ônibus nos feriados e domingos (os ônibus passam a transitar nas vias paralelas) para que estes sejam aproveitados pela população para caminhadas, rodas de chimarrão, andar de bicicleta, enfim, para o lazer. Muitos corredores de ônibus tiveram seus canteiros laterais arborizados, assim oferecem sombra e um aspecto visual agradável e mais humano aos passantes e aos que desfrutam destes locais, que se tornaram mais  um espaço alternativo onde se pode usufruir a cidade.
Outro bom exemplo, mais próximo de nossa realidade, é a cidade de Campo Bom que tem aspectos muitos semelhantes à Xanxerê: número de habitantes, anos  de emancipação, um Rio que corta o centro da cidade; e foi pensada/planejada diferente. O Rio não é de propriedade particular – como no caso de Xanxerê –, mas tem um parque público ladeando suas margens, com equipamentos de lazer como pista de caminhada, quadras poliesportivas, playgrounds e espaços de contemplação com bancos e muitas árvores. Nos domingos estes espaços ficam repletos de moradores locais e recebem inclusive visitantes de outros municípios, por ser um local agradável para passar as horas em contato com a natureza, levar as crianças para brincar ou praticar outras atividades ligadas ao ócio.
Para que o direito a cidade seja atendido, a cidade precisa ser planejada ou reformulada para ser usufruída juntamente por nossas famílias e ou amigos quando não estamos trabalhando. Os espaços públicos de lazer deveriam pulverizar as cidades para que não sentíssemos a  necessidade de abandoná-la para descansar. Ir para o sitio no final de semana deveria ser uma opção e não uma obrigação devido ao fato de não existirem espaços públicos dedicados contemplação, prática de atividades de lazer ou  contato com a natureza implantados ou preservados dentro das cidades. Para Lefebvre (do primado da imaginação sobre a razão, da arte sobre a ciência, da criação sobre a repetição), é possível restaurar a cidade como obra dos cidadãos.
Infelizmente em muitos municípios de nossa região Oestina Catarinense (que não tem acesso a locais com praia, lagos, rios e córregos, bens naturais públicos), a maioria da população se vê obrigada a trabalhar a vida toda sem o direito a poder ter espaço e tempo para usufruir algumas horas de lazer com qualidade e diversidade, sem precisar pagar para isto.
Aqui os córregos e rios são cobertos para serem mais rentáveis para os proprietários dos terrenos por onde passam e também gerar mais emendas parlamentares, obras, licitações e movimentar a cadeia de interesses econômicos para conter inundações . Em contraponto à industria da seca do nordeste, temos a industria das inundações no Sul e esta vai acabando com o que poderiam ser os espaços públicos de lazer e contemplação que deveriam margear os cursos d´água para inclusive proteger as edificações das inundações e baratear o custo da cidade, que não precisaria de canais tamponados, indenizações e recuperação pós cheias se estes espaços públicos fossem respeitados. Com baixos custos de urbanização, teríamos belos espaços de lazer gratuitos, para todos.
Muitas cidades brasileiras buscam alternativas para facilitar o acesso ao lazer. Algumas adotaram para o transporte púbico a tarifa social aos domingos (Natal e Fortaleza). As tarifas são gratuitas ou parcialmente reduzidas, privilegiando toda população com  diferenciais para idosos e crianças permitindo  que toda a população possa se deslocar, visitando seus familiares como forma de incentivo ao lazer familiar dominical. Alguns municípios por meio do poder público e/ou iniciativas privadas (em nossa cidade temos como exemplo o SESC) promovem tardes culturais nos finais de semana, com atividades lúdicas e culturais, apropriando-se das ruas como espaço de lazer, humanizando a cidade.
Há tempo para buscar um caminho diferente da Inglaterra a qual a despeito de seus belos espaços públicos de lazer, na ânsia por movimentar a economia, flexibilizou os horários de atendimento do comércio no final de semana, diminuindo ainda mais as horas de convívio familiar aumentando a incidência de divórcios, rupturas familiares e monoparentalidade.
No milênio da internet com a sociedade mais atomizada (pulverizada/ dividida em partículas cada vez menores), cidades que valorizem o lazer coletivo, com a implementação de espaços públicos com este fim, terão grande probabilidade de abrigar famílias mais estruturadas devido ao lazer propiciar maior convívio familiar.

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“Abençoou Deus o sétimo dia, e o santificou; porque nele descansou de toda a sua obra que criara e fizera” (Gênesis, 2.2-3)
Mayra Grezel - Gedis

Quando a questão é religião, cautela e brandura são imprescindíveis. A uma porque todas as crenças são defensáveis e, a duas, porque cada indivíduo tanto tem sua liberdade de crença quanto de manifestação constitucionalmente protegidas. Todavia, a questão que aqui será abordada é extremamente mais melindrosa.
Antes de qualquer coisa, é preciso considerar a importância da religião (seja qual for) para a sociedade. Histórica, cultural e economicamente as comunidades, desde muito antes do surgimento do direito, se pautavam pela superioridade das normas “estabelecidas” pelas entidades que cultuavam.
Logicamente com a evolução da humanidade o direito veio aprimorar e equilibrar as relações interpessoais, já que a religião surge, primordialmente, com o intuito de intimidar o indivíduo e, diante das inúmeras condições revolucionárias e intelectuais, o homem passou a questionar tais determinações. A positivação de regras logo se faria necessária a fim de controlar as comunidades.
Ainda nos dias atuais a sociedade muito se pauta nos ensinamentos religiosos. Há, portanto, uma cooperação entre o Direito e as entidades religiosas com a finalidade de apaziguar a vivência em comunidade, que é, espontaneamente, circundada pelos embates, até porque, sendo a população infindavelmente crescente, tornam-se, os conflitos de interesses, absolutamente naturais.
Inegável (diante dos dados levantados pelo último senso) que parte maçante da população brasileira é cristã, se pautando, portanto, pelos
ensinamentos bíblicos. Desta feita, parte-se do princípio de que seguem, na ampla maioria, os legados escritos pelo apóstolo do Cristo.
Segundo o ensinamento de Gênesis 2.2-3, no sétimo dia, Deus disse: "Ora, havendo Deus completado no dia sétimo a obra que tinha feito, descansou nesse dia de toda a obra que fizera. Abençoou Deus o sétimo dia, e o santificou; porque nele descansou de toda a sua obra que criara e fizera".
Não há qualquer escopo em entrar no mérito de qual é o sétimo dia (já que apresenta divergência entre as diferentes religiões), primeiro porque a questão tem cunho histórico, religioso e cultural, e segundo porque o que se pretende ressaltar é que desde os mais remotos tempos o homem teve um dia destinado ao ócio e a adoração, seguindo os parâmetros de Deus, que o fez a sua imagem e semelhança.
Todavia, parte da sociedade, movida por um crescimento e interesse pelo desenvolvimento econômico desenfreado, passou a deixar de lado a prática religiosa e, consequentemente, outra parte da sociedade foi violentada a se adaptar a nova necessidade imposta. Explico: aos trabalhadores são cominadas condições sub-humanas de ofício e exageradamente excessivas, como o labor aos domingos - que tradicionalmente era um dia para ser “guardado” -, diante dessa aflição por desenvolvimento e de falsas premissas criadas pela coletividade.
É defensável que a nossa Carta Constituinte não obriga que o repouso semanal seja aos domingos, especificamente. No entanto, é igualmente defensável que o trabalhador, diante da sua liberdade de crença, tem um direito atravancado a partir do momento de que para de alimentar sua espiritualidade.
E muito pior do que a simples obstrução do exercício de um direito seria a negação absoluta da importância da religião para sociedade. Claramente a convivência humana se tornaria caótica, sob a perspectiva de colaboração que as normas espirituais exercem de forma conjunta às coercitivas impostas pelo Estado.
Dos ensinamentos de John Locke subtrai-se que a finalidade do direito “não é abolir nem restringir, mas preservar e ampliar a liberdade”. Não há o interesse econômico de ser superior às praticas religiosas, já que são visivelmente mantedoras do equilíbrio da humanidade.
Pautem-se em fatos e definições fictícias/abstratas ou não, são as práticas religiosas reverenciadas e norteadoras da vida humana desde os primórdios da humanidade e dificultar (pra não dizer impossibilitar) o seu exercício seria um retrocesso tamanho tendente a dar cabo à harmonia da vida humana.

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Trabalhar aos domingo é legal?
Régis Trindade de Mello - Gedis

Na acepção popular, “legal” significa algo bom ou divertido. Em textos anteriores, discutimos – sob diversos enfoques - se o trabalho no domingo possui a condição de propiciar satisfação ou realização pessoal, principalmente a quem o faz por necessidade ou imposição (empregados).
E sob o aspecto jurídico? A exigência de trabalho aos domingos é lícita?
A Constituição brasileira assegura aos empregados (inclusive domésticos) o direito de descansar em uma oportunidade na semana, e a receber seus salários como se trabalhando estivessem. Indica, ainda, que esse descanso deve coincidir preferencialmente com os domingos.
O que o constituinte quis dizer com “preferencialmente” aos domingos?  Caberia ao empregador optar pela concessão de folga neste ou em qualquer outro dia da semana ou apenas excepcionalmente poderia ele substituir o domingo por outro dia de folga?
Na verdade, a redação não expressa vontade alguma (como se possível fosse extrair uma “vontade” do legislador). A criação de um enunciado dúbio foi a maneira encontrada pelos congressistas para resolver o imbróglio entre o grupo que representava as tendências mais conservadoras da sociedade (também conhecido como “Centrão”) e a ala progressista (integrada por sindicalistas e eleitos vinculados a outros movimentos sociais). Aqueles queriam que constasse da Carta apenas o direito ao descanso semanal remunerado (sem indicação de dia para tanto) e, estes, postulavam a expressa indicação do domingo como dia de descanso.
Cabe ao intérprete, agora, atribuir sentido ao texto. E, a meu sentir, a melhor maneira de fazê-lo é partindo do pressuposto que a Constituição de 1988 representa basicamente rompimento e mudança. A Carta de 1988 inegavelmente rompe com a tradição liberal do regime constitucional anterior e inaugura uma nova ordem no País, lastrada em fundamentos diversos daqueles de outrora.
A principal característica desse novo modelo é a inversão da ordem de valores que regem a ordem econômica. Antes de 1988 - até por interpretação gramatical – predominava a iniciativa individual (livre iniciativa econômica) e, por isso, o trabalho devia moldar-se a esse modelo de organização. A nova ordem opta claramente pela valorização do trabalho e, em virtude disso, o interesse econômico é que agora deve se adaptar aos princípios e regras de valorização da pessoa que trabalha. Aliás, interpretação nesse sentido é a que melhor atende a outras opções constitucionais (como direito ao lazer e ao uso do espaço urbano e valorização da família).
Claro que algumas atividades exigem a prestação de serviços em todos os dias da semana, inclusive aos domingos (serviços de saúde, por exemplo). Para tais situações (que são excepcionais e assim devem ser tratadas), impõe-se a instituição de uma escala (com folgas coincidentes com os domingos em algumas oportunidades) e a admissibilidade do trabalho de empregados em tais dias (a legislação não permite em hipótese alguma a substituição do direito ao descanso semanal pelo pagamento em dinheiro, ainda que de forma dobrada).
Entretanto, a eterna tentativa de viabilizar o trabalho aos domingos em qualquer atividade, principalmente no comércio, é inconstitucional. Logo, autorizações do legislador ordinário para a utilização de empregados aos domingos em atividades que não necessariamente precisem funcionar em tais dias, assim devem ser consideradas. Exemplo dessa inconstitucionalidade está na Lei 10.101/2000 que, em seu artigo 6º, autoriza o comércio em geral a utilizar os serviços de empregados aos domingos (desde que com folga coincidente com estes dias a cada três semanas). Não vislumbro aqui necessidade imperiosa de que estes serviços funcionem em dias originalmente destinados ao descanso e lazer, tampouco interesse público relevante para que isso aconteça.
Em tempos onde a evolução tecnológica permite que a produtividade das empresas mantenha-se no mesmo nível, mesmo reduzida consideravelmente a jornada de trabalho, não há razão plausível para a admissibilidade do trabalho aos domingos no comércio em geral, situação que se mantém apenas em virtude da prevalência do interesse econômico, da inércia judicial e da coação imposta pela sociedade do consumo.