quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Carta aberta ao Tudo Sobre Xanxerê sobre a passeata de 15 de março

Há pouco, vi uma reportagem do Tudo Sobre Xanxerê tratando da passeata organizada por alguns que buscam o impeachment de Dilma Rousseff, reeleita democraticamente para o cargo de Presidente do Brasil. As imperfeições da reportagem não são apenas técnicas, mas também políticas. O teor da mensagem preocupa e merece a presente análise.

No primeiro parágrafo, a jornalista traça um paralelo discricionário entre Collor e Dilma. A comparação é ridícula. A qualidade e robustez das provas que se reuniram contra Collor, em 1992, ainda não se reuniram contra Dilma. Contudo, essa informação, talvez por ignorância, foi ocultada. Até a foto da reportagem está descontextualizada: trata-se de uma imagem das jornadas de julho, que não tinham por objetivo destituir a presidente (muitos usurpam dessa imagem porque sabem que com a bandeira do impeachment jamais teriam tamanha mobilização).

Parece que algumas pessoas querem simplesmente ter o prazer de sentir a emoção de "derrubar" um presidente ao qual fazem oposição. Todavia, existem caminhos democráticos para isso acontecer - e também não acontecer. O primeiro ponto é o respeito à Constituição.

O sistema de governo do Brasil é presidencialista, o que quer dizer que as figuras de Chefe de Estado (aquele que representa o país) e de Chefe de Governo (aquele que lidera a administração do país) são reunidas numa mesma pessoa: o presidente. O regime de governo é democrático, ou seja, esse presidente é eleito periodicamente para cumprir um mandato de período determinado. Esse mandato deve ser cumprido até o fim, independentemente de ter o presidente apoio político ou não. A exceção acontece quando o presidente pratica crime de responsabilidade, que são aqueles previstos no artigo 85 da Constituição e não admitem a modalidade culposa (ou seja, deve haver dolo na conduta do agente).

Na época de Collor, houve provas de que ele praticou diretamente atos de improbidade, possibilitando seu impeachment. Ao revés, quanto à Dilma, não há nenhuma prova de ter ela participado diretamente de atos ilícitos.

Para o impeachment, portanto, seria necessário demonstrar, primeiro, onde está a prova de que Dilma praticou corrupção. Petrobras? Nem a grande mídia ousou arrolá-la ao lado dos envolvidos. Pecar por omissão? Ora, se for assim, saiamos todos às ruas pedir o impeachment do Miri pelas práticas de seu ex-Secretário de Finanças, Wagner Westerich; que o povo de São Paulo também saia às ruas pelo impeachment do tucano Alckmin, pelas falhas da Sabesp. Não há sentença nem contra a Dilma, nem contra o pessoal da Petrobras, nem contra Wagner Westerich, tampouco contra Alckmin... mas por que se preocupam apenas com o mandato presidencial?

Para ter impeachment é necessário ter crime. Ponto. Mimimi não tira presidente. Se a oposição não foi competente, não fez campanha direito e não convenceu a maioria dos eleitores, ou aguenta os 4 anos, ou descobre alguma prática ilícita, ou dá golpe de estado. Parece-me, e tenho muito medo disto, que é essa última alternativa a tendência desses revoltosos. O pior é que muitos seguidores desse movimento nem sequer sabem que são golpistas - não obstante, mesmo se o soubessem, acredito que ainda assim estariam dispostos a qualquer coisa para simplesmente "derrubar" Dilma.

Lembrem-se que a maioria dos golpes de Estado antidemocráticos usava o discurso da defesa da democracia.

De outro norte, observa-se que a veia jornalística do Tudo Sobre Xanxerê sofreu, no mínimo, uma rusga quando a repórter citou a Wikipédia como fonte. Mais do que orientação jurídica, o uso dessa fonte demonstra que faltou também senso de ridículo. O infeliz paralelo entre os "vários países da Europa" e o Brasil é no mínimo cômico, pois percebe-se que a matéria nem sequer soube diferenciar o sistema presidencialista do sistema parlamentarista. No parlamentarismo inglês, por exemplo, o Chefe de Estado nunca é derrubado: é a Rainha! O Chefe de Governo sim, esse depende da confiança do parlamento. Repito: o sistema brasileiro é diferente, é presidencialista, logo as funções de Chefe de Estado e Chefe de Governo reúnem-se numa pessoa só, com mandato determinado. Durante esse mandato, o presidente não pode ser derrubado nem por manifestação de toda a população. Pode vir o Papa, o Obama e o Chuck Norris juntos; podem acabar com os estoques de tinta, neo-caras-pintadas: caso vocês estejam dispostos a respeitar a Constituição Brasileira, não vai dar.

Contudo, entristece-me saber que os apoiadores do impeachment se submeteriam a violar a Constituição só para derrubar a Dilma. Com parcimônia, dialogam com práticas afetas de um período obscuro da história brasileira - a ditadura militar. São os novos golpistas, e não sabem... ou talvez saibam, pois muitos deles há não muito manifestavam apoio, inclusive, à hipótese de intervenção militar.

Enfim.

Muitos votaram em Dilma. Aliás: a maioria votou. Sem dúvida essas pessoas gostariam que, no mínimo, seu voto fosse respeitado, assim como são respeitados os votos dos candidatos para os quais não votaram e se elegeram. Impeachment é coisa séria, não é brincadeira de rua, tampouco pós-carnaval.

Na verdade, manifestações assim são típicas de quem fica muito tempo em redes sociais propagando e absorvendo ódio infantil ao PT.

Apoio e exorto as pessoas a fazerem oposição de forma séria e consciente, e não dessa forma aloprada e neo-ufanista. O patriotismo que desrespeita a Constituição pretende, na verdade, instaurar à força um Brasil desejado apenas por alguns.


Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis

3 comentários:

  1. Por linhas o autor dessa carta falou em violar a constituição... Peço a ele, para que me responda, de forma objetiva, clara e sem o linguajar rebuscado que o direito tende a ser exposto:
    Em que sentido o povo esta violando a constituição fazendo pressão para que o congresso abra um processo de Impeachment?
    Me aponte, por gentileza, o "golpe" da questão.

    Todo o movimento social livre de violência e vandalismo é legitimo e protegido pela constituição...
    Sabemos que o Impeachment trata-se de um julgamento politico, contudo, estamos mostrando nossa voz, tendo em mente que o poder emana do povo e não do Estado. É simples, o povo esta descontente com o governo, acordamos e não vamos fechar os olhos tão cedo.
    Prezado autor da carta, poderíamos discutir mais afundo sobre a improbidade administrativa, para ver a que conclusão chegamos.
    Em Relação as suas criticas a nobre jornalista, acho que seria interessante o Sr. entrar em contato com a mesma, para lhe fornecer informações, talvez, mais precisas, penso ser desnecessário criticar o trabalho de uma profissional da imprensa de forma indireta.
    Por Ultimo, Gostaria de me manifestar acerca das comparações absurdas que estão fazendo entre o movimento do Impeachment e o Golpe militar.... Falo por mim, e declaro o meu repúdio ao golpe militar, tenho asco da ditadura... Estou em um movimento de legitimação da voz do povo bem longe de um movimento que usaria a democracia para instaurar uma ditadura... E desse ponto lhe faço uma pergunta.. O povo deve ser taxado de golpista, quando este se posiciona contra o Estado?

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    1. Olá Jéssica! Como expliquei no texto, o pedido de impeachment é cabível quando há indícios concretos de crime praticado diretamente pelo presidente. Atualmente, não há nada dessa natureza contra Dilma. Por isso, pedir impeachment hoje é golpe, porque demonstra desrespeito para com o mandato presidencial democrático, eleito pelos votos da maioria da população brasileira.
      Aliás, Jéssica, recomendo não usar o nome do povo para promover interesses particulares: tem muita gente que não quer impeachment, e essas pessoas também são povo, também são cidadãos.
      Agora, a jovem e experiente jornalista que publicou o texto certamente sujeitou-se a críticas. Ela expôs o texto dela ao público, logo tenho o direito de criticá-la com a mesma publicidade. Não vejo nada de errado nisso.
      Abraço!
      Luís Henrique Kohl Camargo

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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