SEI LÁ
Sei lá. O verão é sempre igual ao inverno, nunca dá vontade
de fazer nada, mas a gente sobrevive, por mais que as chuvas carregam nossas
esperanças para longe. É que sobreviver é superar todas as forças contrárias,
por isso estamos na atividade, seja com nossa escrita de vírgulas perdidas,
nossa utopia e nossa arte, mesmo que seja de quinta: a utopia e a arte. Outro
dia me falavam para acreditar em Papai Noel, desconto em lojas e vida
extraterrestre. Por mais que no momento eu concordei com tudo, no término do
ano passado passei a acreditar somente em extraterrestes, porque em descontos
não mesmo, e o Papai Noel nem para telefonar avisando que não vinha. Acabou
comigo. Sobre o universo, tô pensando que sei lá. E sei lá mesmo. É que agora
tem uns sujeitos querendo separar a Terra da Via Láctea, tudo porque eles
fizeram uma conta de adição, outra de subtração e ficaram convencidos de que a
Terra fora da Via Láctea vai ser elevada a colônia de primeira
categoria, apesar de que todo mundo sabe que esse argumento só serve para
mascarar a suposta superioridade desse povo. Só espero que nessa colônia tenha
suco de abacaxi com hortelã, e nada de independência ou morte e data
comemorativa, porque depois temos que ir desfilar para ganhar um ponto na média
escolar, naquilo que parece ser um ensaio para a vida de recompensas. Por falar
em acreditar em coisas desacreditadas - ou desacreditar em coisas acreditadas -
eu tô cada vez mais perdido, tudo porque agora tão dizendo que gestão é melhor
que política, colaborador é muito mais que trabalhador e preconceito é
liberdade de expressão. Só espero que quando separarem a Terra da Via
Láctea os donos do poder entrem em consenso e terminem com essa bagunça,
principalmente entre as palavras melado e melaço, porque agroexportador sempre
seremos. Enquanto isso, os donos do poder desse país de dimensão continental
tão nem aí, porque nem Papai Noel eu vi. Mas como o natal já passou deixa pra
lá, melhor comentarmos sobre os representantes de seus próprios interesses,
porque no mínimo, eles devem ser estudados. É que quando criança eu fui acusado
de roubar uma tampinha de garrafa, o que me deixou três dias sem dormir e me
custou um balde de lágrimas. Já os representantes de seus próprios interesses
que habitam esse país fazem o que fazem e ainda fazem o que fazem sem qualquer
preocupação de fazerem o que fazem. Vai entender. Também não entendi bem. É
difícil de entender tudo nessa vida. A morte do ministro é mais uma coisa
difícil, porque entrará para a história do Brasil carregando consigo a
possibilidade de coincidência ou de conspiração. Foi assim com muitas outras
figuras no país, cuja morte sempre despertou dúvidas e as mais diversas
teorias. Nunca saberemos! Só sei que ser colunista é muito legal, porque você
dá opinião sem ninguém pedir e ninguém te chama de metido, só de colunista. E
antes que eu me esqueça, melhor crer em extraterreste do que no Congresso
Nacional do jeito que está. Sendo assim, vou ir tomar um café com o que restou
do décimo terceiro salário e das férias, porque logo uma gente cafona vai
canetiar isso também. Canetiar do verbo liquidar. Sem trema, com trema, sei lá.
* André Detoni - Graduando em Direito.
ESCRITA DE VÍRGULAS PERDIDAS
Sei lá.
Só sei que sobreviver é uma luta,
de forças contrárias e astutas
em vias de velhos e um novo olhar.
Sei lá.
Sobre arte, não interessa, nem utopia
sobre o que acontece - parece afazia
como se tudo, desse jeito, pudesse ficar.
Sei lá.
Há quem diga que separar é solução.
Terra, da Via Láctea e Plutão,
e que tudo vai assim melhorar.
Sei lá.
Em extraterrestres é que acredito,
pois a vida de recompensas que vivo
me faz querer muita coisa mudar.
Sei lá.
Sobre crer e desacreditar
sobre gestão e politicar
trabalhar e colaborar
preconceito é liberdade de expressão?
Sobre tudo isso:
Muito tenho a pensar.
Sei lá.
Se o natal passou
e papai noel falhou
Deixa prá lá.
Se os que fazem o que fazem
Não se preocupam com o que fazem
Deixa pra lá?
Sei lá.
Se dá pra entender?
Não entendi – mas vamos ver
Extraterrestres e confiar
Porque no Congresso não vai dar
Já que tudo é um canetiar
de coisas a entender...
Sei lá
* Fábio Soares da Costa – Professor e estudante da educação. Piauiense de Teresina e amante da poesia regional popular. Um brincante da escrita de cordel.
***************
EM TEMERÁRIOS TRILHOS
O sujeito que atualmente ocupa
o cargo de Presidente da República diz que tem como meta colocar o Brasil nos
trilhos. Reduzir um país com mais de duzentos milhões de habitantes a um trem
já é um despautério, contudo, ainda cabe-nos perguntar para onde levam esses
trilhos de tão afobado maquinista. Afinal, nem todo destino férreo é bom. Era
de trem, devidamente em seus trilhos, que se chegava a Treblinka e Auschwitz. O
destino de nosso trem da morte já é conhecido. Isso porque a estrada de ferro em
que segue o Maquinista Temerário a todo vapor é encomenda grande. O pai de
Michelzinho é só o maquinista e não tem a inventividade necessária para a obra
de engenharia que tal projeto demanda. É tão sem graça e sem talentos que mesmo
o pessoal mais criativo da Odebrecht, o do departamento de planilhas e de
apelidos, não foi capaz de lhe atribuir alcunha alguma que destacasse sua
personalidade. Viram-se obrigados a resignar-se com uma insossa abreviação em
iniciais.
Várias medidas indicam o
destino desse trem. A PEC do congelamento de investimentos pela União, aprovado
em dezembro último, diminuirá em cerca de 654 bilhões de reais os recursos para
a saúde. E isso no melhor cenário e de acordo com o Fórum de Secretários
Estaduais de Saúde, gente de todos os partidos grandões. Isso significa que os
já tão restritos serviços do SUS, como medicamentos, exames e atendimento
médico, piorarão uns 654 bilhões de reais. A reforma da previdência,
apresentada pelo Maquinista Tergiversante, não retira privilégios de militares,
nem mesmo as gordas pensões de filhas solteiras desses, apenas castiga o
trabalhador pobre, que ganha a vida na labuta sob o sol puxando cimento,
desossando frango, dobrando ferro ou produzindo saco de ráfia. Não conheço
ninguém que tenha trabalhado mais de duas décadas em qualquer um desses setores
que não amarga dores em várias partes do corpo. Já a reforma trabalhista mostra
que os engenheiros da ferrovia da morte não estão satisfeitos em fazer da
velhice um purgatório, desejam é o inferno mesmo. A proposta de reduzir a multa
sobre o FGTS que o empregador paga em caso de demissão sem justa causa, por
exemplo, torna mais fácil demitir um trabalhador com mais de três décadas de
serviços, aquele que é conhecido por ser “muito caro para a empresa”. Pelo novo
léxico empresarial, será “descontinuado”. Em um mercado com dificuldade de
absorver e manter trabalhadores com mais
de 50 anos de idade, isso não é algo banal. Mulheres com mais de 45 e homens
com mais de 50 anos de idade estão fora da pior parte da reforma. Mas não é de
bom tom comemorar. Embora escaparam, seus filhos não.
A turma do maquinista
ainda quer, com muita pressa, que nas relações de trabalho o negociado valha
mais que o legislado. Ao afirmarem que hoje todo trabalhador se beneficia mais
com o que é negociado do que com o que é legislado, mostram que o que lhes
falta mesmo é caráter. Omitem deliberadamente e de modo mal-intencionado que o
negociado só é melhor que o legislado porque atualmente a CLT (Consolidação das
Leis Trabalhistas) estabelece que tudo o que for negociado só pode ser feito da
lei para cima. Ou seja, se a lei estabelece jornada de trabalho de 8 horas, na
negociação é possível estabelecer uma jornada de 7 ou 6 horas, jamais jornadas
de 9 ou 10 horas, exceto em casos que a própria lei permite (trabalhadores da
saúde, da segurança pública etc.). Numa metáfora arquitetônica, a lei é a
fundação para a casa ser construída, a construção é a negociação. Ninguém
constrói abaixo. Sem a CLT é como construir em areia movediça, nada se constrói
e cada vez se está mais fundo.
Ciente estou de que
muitas informações positivas sobre essas reformas destrutivas chegam ao leitor
por diferentes veículos de comunicação, desde esse jornal até o Nacional. É assim
mesmo! E tem até jornal que quando um empresário é preso não apresenta nem as
iniciais, mas se um pobre é suspeito, vai nome, foto e apelido, que é para não
ter erro. Assim, essa coluna se propõe a fazer diferente, explicar confundindo,
pois só confundindo é que pode se esclarecer, como bem dizia Tom Zé. Em dez
anos, o Brasil posto nos trilhos e conduzido pelo Maquinista Tacanho será um
país de cinquentões desempregados, sem aposentadoria para garantir ao menos o
sustento básico e os remédios necessários após uma vida de trabalho e sem poder
sequer recorrer à saúde pública, nem mesmo a essa que existe e que é tão
precária. É uma vida conhecida, contada em verso por João Cabral de Melo Neto.
Uma vida severina, mais defendida que vivida, que se morre de velhice na
juventude, de fome, fraqueza e doença, um “cadinho cada dia”. Essa vida-morte é
tão implacável que não poupa nem mesmo quem ainda não nasceu. E desde o nascer
o vivente só faz acompanhar de forma sôfrega o cortejo de seu próprio funeral.
De uma morte que chega antes mesmo da vida ser vivida. Parafraseando o poeta de
Sobral, não se preocupe, amigo leitor, com os horrores que eu lhe digo, isso é
somente uma projeção. Pelos trilhos temerários a vida realmente será diferente,
quer dizer, a vivo será muito pior.
*
Bruno Antonio Picoli – Professor. Brasileiro de Xaxim, Santa Catarina e amante
da vida apimentada.
MAQUINISTA
TEMERÁRIO
Trilhos d´além ver.
Para onde estamos indo?
Para onde tentam levar
o futuro num trem a tino?
Como se o curso findasse no mar
e a realidade rompesse o estalar
da ilusão que no trem está vindo.
Esse trem que me faz pensar
sobre, se cheio ou vazio
irá transportar
as velhas práticas de um partido
em sonoro dedilhar
da música que faz jazigo
à ordem de apertar o gatilho
pra saúde, a segurança e o educar.
Insisto tanto e não desisto
de compreender o congelar
e uma reforma da previdência
que não atinge o militar
penaliza o pobre trabalhador
que do labor recebe a dor
do maquinista a expropriar.
A reforma trabalhista desembarca
logo ali no purgatório
e por trilhos temerários
levará a um sanatório
de “descontinuados senis”
que de esperança feliz
serão apenas acessório.
É como João Cabral de Melo Neto
e seu Severino de Maria
que de tanta morte ver
até que se atreveria
a encurtar sua própria vida
pra não sentir mais tão sofrida
era o que ele dizia.
Com esse trem e maquinista
é o que parecem querer,
mas a luta de quem trabalha
não fraqueja seu viver
insiste, pena e avança
com o peito cheio de esperança
pra outros trilhos percorrer
*
Fábio Soares da Costa – Professor e estudante da educação. Piauiense de
Teresina e amante da poesia regional popular. Um brincante da escrita de
cordel.
***************
CORDEL APIMENTADO
Estimado e amigo leitor.
É com você que quero falar...
De uma jornada que se inicia
e de uma pimenteira que irá brotar
com arte, política e filosofia,
com muito prazer e utopia,
juntos, em frenético pensar.
As escritas que hoje inauguram
um espaço para desarrumar
modos e formas de perceber
o que nos rodeia sem parar
é uma chance de pensamento,
que, assim como vento intenso
sopre pra todo lugar.
A pimenteira que aqui se aflora
pra arder e muito perfumar
em pedaços, pitadas e punhados
é pra cachola revirar,
promover a reflexão,
pensar em crítica e uma imensidão
de temas ardilosos a tratar!
Da pimenta, um pimenteiro
de autores a debulhar
aquilo que está em silêncio
e também o que não está,
mas pode ser percebido
questionado e entendido
a partir de outro olhar.
A pimenta é nutritiva
às vezes, gostosa de provar.
Quase sempre em mistura,
serve para incendiar
paladar, visão e olfato,
mas, aqui, seu fino trato
é para o leitor se deliciar.
* Fábio Soares da Costa – Professor e estudante da educação. Piauiense de Teresina e amante da poesia regional popular. Um brincante da escrita de cordel.
* * *
DO ARDIDO DA ESCRITA
No início de janeiro fui convidado para escrever uma coluna semanal no Diário Data X. Uma rápida e gozosa sensação de contentamento precedeu a angústia de escrever. Isso porque escrever não é tido por mim como algo trivial, supérfluo, praticável de qualquer lugar ou sob quaisquer circunstâncias. Escrever dói, arde como pimenta n’alma. É um tipo de angústia lancinante que só quem escreve sente, que retarda o início e não se encerra jamais. Um texto escrito sobrevive a seu autor, pesa em seu julgamento no tempo porvir. O discurso de posse da reitoria da Universidade de Freiburg manchou a biografia de Martin Heidegger de um modo que todos seus escritos posteriores foram lidos à luz daquele ou como tentativa forçosa de justificá-lo. Não só os textos publicados assombram a memória do seu autor, os privados também: descobrem-se agora as cartas de Heidegger a seu irmão.
Essa angústia, essa dor, se dá porque o texto é um pedaço do espírito que se destaca do autor, que dele é arrancado. Talvez “Canibalismo de outono”, de Salvador Dalí, apresente a melhor imagem dessa relação tensa do eu-comigo que se manifesta em seu extremo no ato de escrever. Nessa obra do surrealista, há duas personagens cujo limite entre si não é claro, logo podem ser dois em um, o “eu comigo”. Uma se serve da carne da outra, daquilo que de mais sublime e execrável se pode ofertar. Tudo se dá sobre uma mesa que bem pode ser uma escrivaninha. Escrever é uma luta contra si e em prol de si mesmo. O escritor português José Saramago, por quase duas décadas fugiu desse embate e afirmava que “vivia sem nenhuma angústia pelo fato de não escrever”. Mas e o que é a vida sem angústia?
Mais do que formar frases que façam sentido, escrever é oferecer ao mundo uma visão diferente do próprio mundo e de si. Mesmo quando se cria um universo mágico, como o fez o colombiano Gabriel García Marquez, é do mundo que se está falando. Do mundo, uma criação humana. Assim, escrever é, como disse o poeta paraguaio Augusto Roa Bastos, reunir e variar coisas conhecidas de uma forma que pareçam novas, tornando-as de fato novas nesse parecer. Ainda conforme o poeta, nada se deve escrever se não for feito o esforço de penetrar no íntimo das coisas e de se permitir ser por elas penetrado. Então, como Belchior, cearense, brasileiro, entendo que palavras são navalhas, assim, essa coluna não será “correta, branca, suave, muito limpa, muito leve”, já que não se pode escrever “como convém, sem querer ferir ninguém”.
Como escrever não é trivial e não quero cometer pedantismo e estelionato intelectual (as únicas formas possíveis de escrever sem angústia), procurei amigos para compartilhar essa responsabilidade. Cada um dos convidados que comigo assinarão essa coluna é um poema em forma de gente, de tamanha beleza que não tenho competência para recitar. Aos poemas, inclusive, recorreremos constantemente. Alguns dos textos serão temperados com arte (outra forma de manifestação do gênio humano, embebida em angústia criadora) por cordéis piauienses. Permito-me a liberdade de falar pelo conjunto dos que assinarão esta coluna, que os cordéis não estarão aqui por simples acaso. Além de entender que a vida sem arte não é uma vida vivida, defendemos um Brasil grande e grandioso que se precisa conhecer, experimentar, compartilhar, viver. Os cordéis ofertados diretos de Teresina para o oeste de Santa Catarina são a abertura para um abraço que de tão grande envolve todo o Brasil.
* Bruno Antonio Picoli – Professor. Brasileiro de Xaxim, Santa Catarina e amante da vida apimentada.
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