A Ação Penal 470, julgada pelo Supremo
Tribunal Federal, foi alvo constante da mídia. Até poucos dias, não se falava
em outra coisa nos programas televisivos, jornais e até mesmo na internet. É
bem verdade que essa postura revela, em certa medida, aspectos positivos, além
de, é claro, constituir-se em exercício da liberdade de imprensa,
constitucionalmente assegurada. Contudo,
também ocasionou reflexos negativos, os quais, embora não maculem o direito de
cobertura do “evento” pela imprensa (embora os propósitos políticos sejam
claros), implicam na necessidade de maior cautela e reflexão por parte da
sociedade brasileira, em especial da comunidade jurídica.
Ao lado do julgamento promovido pelo
STF, houve outro, que consistiu na construção do estereótipo do “juiz criminal socialmente adequado” ou, se se
prefere, do “Juiz Herói”.
Desde então, tornou-se perceptível uma
cobrança social, encabeçada pela mídia e difundida pelos quatro cantos do País,
da postura a ser tomada pelos juízes, em especial os que atuam na área penal.
Claro que o discurso não é novo. No entanto, tomou mais amplitude com(o) (tudo)
(n)o mencionado “Julgamento do Mensalão”.
Traçando um panorama geral, para ser bem
quisto perante a opinião pública e midiática, o juiz criminal deve sempre
combater o criminoso, elegendo-o inimigo (seu e da sociedade); deve reduzir ao
máximo as garantias processuais – vistas como obstáculos; tomar a iniciativa
probatória; infligir penas longas e privilegiar a prisão em detrimento das
demais espécies de pena; atender ao clamor social na interpretação dos fatos e
dos textos jurídicos, ampliando-se ao máximo o alcance dos tipos penais para
lograr êxito na condenação do réu; o julgamento deve ser rápido; o acusado deve
ser encarcerado desde o início da persecução penal; deve presumir ser o réu
culpado, condenando-o em caso de dúvida, etc.
Entretanto, essa postura confronta
diretamente postulados básicos e essenciais da legitimidade constitucional do
Direito Penal e da atuação jurisdicional neste campo do Direito. Longe de ser
espaço para exercer a vingança, a barbárie e o ódio, o Direito Penal deve
servir para evitar arbitrariedades, impondo limites ao exercício da “violência”
conferida exclusivamente ao Estado; serve, pois, como “garantia” dos indivíduos
frente ao Estado.
Daí a necessidade de o juiz criminal
fugir de uma postura pop(ularizada) para fazer valer as garantias e os direitos
humanos e fundamentais, consolidados na Constituição da República Federativa do
Brasil, Convenções, Tratados e na legislação em geral. A postura a ser tomada
deve ser pela salvaguarda desses postulados jurídicos, ainda que, para tanto,
esta postura revele-se contramajoritária, desagradando a mídia e a maioria da
população.
Ainda que o herói se apresente como um
personagem que age com bondade – enquanto o vilão (o réu) encarna o mal – , até
mesmo desta devemos ser protegidos. Como lembra Alexandre Morais da Rosa,
parafraseando Jacinto Nelson Miranda Coutinho e Agostinho Ramalho Marques Neto:
“O problema é saber [...] , qual é o critério, ou seja, o que é a 'bondade'
para ele. Um nazista tinha por decisão boa ordenar a morte de inocentes; e
neste diapasão os exemplos multiplicam-se. Em um lugar tão vago, por outro
lado, aparecem facilmente os conhecidos 'justiceiros', sempre lotados de
'bondade', em geral querendo o 'bem' dos condenados e, antes, o da sociedade.
Em realidade, há aí puro narcisismo; gente lutando contra seus próprios
fantasmas. [...] E, ao final, a pergunta que remanesce [...]: quem nos salva da
bondade dos bons (juízes)?. Cuidado ao pisar no tapete....”
(http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/11513-11513-1-PB.htm).
Cleiton Luis Chiodi – GEDIS
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