CHAPECÓ: UMA CIDADE À FRENTE DE SEU TEMPO (É O QUE DIZEM)
As efemérides servem para muita
coisa, menos para aquilo que dizem que elas servem. O centenário de um
município constitui uma oportunidade sem par para refletir sobre a cidade,
sobre o que se fez e o que não se teve a altivez de fazer, sobre o presente,
sobre o passado e sobre o que se quer para o futuro. Não se a aniversariante
for Chapecó! A relação de Chapecó com o tempo é maquiada, conflituosa,
incendiária.
Uma cidade que queima o que não
agrada, do boneco do futebolista após eliminação da Copa até os quatro jovens
de Iraí após derrota nas urnas. Que não se comove com o atropelamento de uma
criança indígena e concomitantemente não hesita caricaturá-la em sua mascote
preferida. Às personagens da história chapecoense que nunca frequentaram o
ambiente fetichista da high society local não cabem as honras que,
segundo o prefeito Luciano Buligon, foram concedidas pela história. Na cabeça
do prefeito e dos que pensam como ele, a história é uma entidade imune aos
interesses dos que se arrogam ser seu oráculo, como o próprio prefeito. Ela
julga os humanos de uma posição superior, intocada, pura. E assim, como um juiz
imparcial, condena ao esquecimento aqueles julgados como insignificantes.
Na publicidade oficial do centenário
de Chapecó, em campanha radiofônica, afirma-se que a cidade “está à frente de seu tempo”. O
pretenso oráculo da História ignora a impossibilidade física e teórica disso,
sobretudo em uma economia que vive da matança (normalmente de animais)...
Afrenteporaneamente a administração decide, de forma autocrática, homenagear
aqueles que sempre foram homenageados, os responsáveis diretos e indiretos
pelas matanças (normalmente de animais?), ícones de um passado violento e longe
por demasia das vanguardas de outrora que, importante que se diga, embora
vanguardas, ainda estavam dentro do seu tempo.
O que a efeméride de turno escancara
é que Chapecó se recusa a encarar o tempo presente, a se redimir com os muitos
que foram vítimas das matanças (algumas até de animais). Por não ter a coragem
de olhar no olho do tempo presente e com ele reescrever sua história (passado,
presente e futuro), Chapecó projeta-se como a capital de um futuro fictício com
o desejo profundo de que ele repita o vil passado de matanças.
Aos que construíram essa cidade,
imperfeita mas real, com questões que precisam ser enfrentadas com a coragem e
a altivez que o tempo presente exige, restam como monumentos as pedras pisadas
e assentadas sobre sua própria carne. A melhor forma de honrá-los é encarar os
desafios e as idiossincrasias do presente, valorizando e investindo nas forças
culturais produtivas desse tempo, de modo a construir um futuro real, complexo,
plural e integrador. Distante portanto do passado que se quer consagrar.
Bruno Antonio
Picoli, professor do curso de História da Universidade Federal da Fronteira Sul
Não havendo segurança
naquela velha prisão
um grupo se reuniram
pensando de terem razão
fizeram horrenda chacina
Por sua autorização
Umas cem pessoas
dispostas e revoltadas
invadiram aquela cadeia
deixando toda estragada
agrediram os quatro presos
matando a golpe e pancada
E depois de terem mortos
arrastaram para o solo
com facões com revólveres
furaram os corpos de bala
golpeando pernas e braços
Cometendo horrível escala
Trecho do cordel
“História do incêndio de Chapecó e o linchamento dos quatro presos” de Vicente
Morelatto
Publicados
em 19 de junho na Coluna Pimenteiro do Diário Data X
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