ETIQUETA PARA CLASSE MÉDIA
Todo
mundo sabe/ todo mundo vê
Que tenho
sido amigo da ralé da minha rua
Que bebe
pra esquecer que a gente
É fraca
É pobre
É víl
Que dorme
sob as luzes da avenida
É
humilhada e ofendida pelas grandezas do Brasil
Que joga
uma miséria na esportiva
Só
pensando em voltar viva
Pro
sertão de onde saiu
(Monólogo das Grandezas do Brasil, Belchior)
Em
um passado tão recente que ainda parece presente, ocorreu a ampliação do mercado
consumidor brasileiro, guindado principalmente por políticas de geração de
emprego, programas sociais e ampliação de crédito, a ideologia encarregou-se de
fazer com que este processo de inclusão social fosse compreendido como ascensão
social, a qual coloca o proletariado em marcha rumo à riqueza, já podendo
compartilhar das suas convicções, uma vez que não discerne a diferença entre
bens de consumo e bens de capital. Porém, para o ingresso definitivo na fração
elitizada da sociedade brasileira, além do acesso ao capital, falta também o
acesso à liturgia social (etiqueta). Pois isso, aqui vão dez mandamentos de
etiqueta para a classe média não parecer tão medianamente descapitalizada,
afinal decálogos estão na moda a quase 3500 anos, hoje em dia, por exigirem
pouca leitura são uma tendência mais ascendente que a classe média. Vejamos:
1.
A ira contra os pobres é sinal de miséria, dá
impressão de que esta descontando nos colegas a raiva contra a própria condição
social. Se alguém que julgas em escala menor satisfaz as próprias necessidades,
releve, por mais que isto o provoque, os de fato mais abastados não se irritam
pelo que é elementar a qualquer um, não incorra você nesta impropriedade.
Lembre-se: os ricos estão preocupados em diferenciar-se da classe média, não da
raia miúda.
2.
Se
está pagando parceladamente uma viagem à Disney, oculte isso ao máximo, o
parcelamento e a viagem.
3.
Estudar
não é sinônimo de matrícula e frequência, tem mais a ver com leitura e reflexão.
Em geral, quem, em idade adulta, afirma que quer “voltar a estudar” é porque
nunca foi.
4.
Tratar
com educação garçons, faxineiras, garis, monitores de estacionamento rotativo e
professores pode gerar uma impressão de superioridade.
5.
Truculência
não é sinal de força. Lembre-se em geral violência e inteligência não andam
juntas. Fique atento, muito provavelmente as demais pessoas descobriram isso
antes de você.
6.
No
meio dos emergentes sociais, discrição e moderação são mais recomendáveis que a
competição para ver quem chama mais a atenção.
7.
Jamais
criticar autor, livro ou ideia, sem o mínimo de conhecimento. Muita atenção, em
geral esse mínimo de conhecimento, pode ser um máximo inatingível a você, na
dúvida, cale-se e mostre-se receptivo a toda e qualquer teoria por mais
estranha que lhe pareça.
8.
Esta
dica vai para você que mora fora das capitais e grandes centros urbanos, evite
referências às posses e à história familiar, o micro-burguês do interior é de uma cafonice
que magnetiza a raiva dos que de fato
possuem capital. Este tema é muito delicado, por isso é importante conter o
apetite por reconhecimento na capital do Estado, para lhe ajudar na dura tarefa
de conter este ímpeto, Geografia e História são profiláticos excelentes.
9.
Evite
referir-se à elite com intimidade ou de forma laudatória, você pode encontrar
com alguém que de fato faz parte dela, em geral os seus membros preferem ser
criticados por ti a serem confundidos contigo.
10.
As
panelas já foram guardadas, tornando-se dispensável o décimo mandamento.
É preciso recordar
que os ricos procuram diferenciar-se da classe média os miseráveis procuram
diferenciar dos outros pobres como ele. Estes mandamentos podem ajuda-lo a realizar-se
parecendo com o que não é. É importante
reconhecer o caráter limitado destes ensinamentos, pois não há uma “Teoria Geral
da Classe Média”, e ao que parece, esta desaparecerá antes que tal teoria surja. Melhor entender
este decálogo, como uma técnica coaching
de polidez mínima para quem já esta medianamente condicionado pela economia e pelo
discurso, mas gosta disso pois julga ser esta posição o passo que antecede o
sucesso.
Samuel Mânica Radaelli
A
LITURGIA SOCIAL
Vejam
que legal:
Está
numa ascendência só!
Adquiriu
sua casa e carro
e
não frequenta mais brechó.
Comprou
uma viagem à Disney,
tirou
uma selfie com o Mikey
e
pensa que não é mais bocó.
Hummmmm!
É
que existe uma liturgia:
aquela
contingencial,
que
faz aproximar dos belos ricos
como
se pudesse ser igual.
Comer
e beber da mesma forma.
Ter
acesso à mesma porta.
É
a liturgia social.
Que
expectativa ufanista
dessa
classe em extinção
que
precisará de um bom projeto
pra
sua preservação.
E
enquanto pensar na emergência
por
vias de uma pseudo ascendência,
junto
a milhões cairão.
Isso
não é advinha.
É
apenas constatação:
de
quem muito sucesso procura
às
custas de diferenciação.
Valha-me
deus se enxergassem
o
despautério e a pabulagem
de
um gabola bobalhão.
Fabio Soares
Publicados em 18
de agosto na Coluna Pimenteiro do Diário Data X
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