sexta-feira, 18 de agosto de 2017



ETIQUETA PARA CLASSE MÉDIA
Todo mundo sabe/ todo mundo vê
Que tenho sido amigo da ralé da minha rua
Que bebe pra esquecer que a gente
É fraca
É pobre
É víl
Que dorme sob as luzes da avenida
É humilhada e ofendida pelas grandezas do Brasil
Que joga uma miséria na esportiva
Só pensando em voltar viva
Pro sertão de onde saiu
(Monólogo das Grandezas do Brasil, Belchior)
Em um passado tão recente que ainda parece presente, ocorreu a ampliação do mercado consumidor brasileiro, guindado principalmente por políticas de geração de emprego, programas sociais e ampliação de crédito, a ideologia encarregou-se de fazer com que este processo de inclusão social fosse compreendido como ascensão social, a qual coloca o proletariado em marcha rumo à riqueza, já podendo compartilhar das suas convicções, uma vez que não discerne a diferença entre bens de consumo e bens de capital. Porém, para o ingresso definitivo na fração elitizada da sociedade brasileira, além do acesso ao capital, falta também o acesso à liturgia social (etiqueta). Pois isso, aqui vão dez mandamentos de etiqueta para a classe média não parecer tão medianamente descapitalizada, afinal decálogos estão na moda a quase 3500 anos, hoje em dia, por exigirem pouca leitura são uma tendência mais ascendente que a classe média. Vejamos: 
1.       A ira contra os pobres é sinal de miséria, dá impressão de que esta descontando nos colegas a raiva contra a própria condição social. Se alguém que julgas em escala menor satisfaz as próprias necessidades, releve, por mais que isto o provoque, os de fato mais abastados não se irritam pelo que é elementar a qualquer um, não incorra você nesta impropriedade. Lembre-se: os ricos estão preocupados em diferenciar-se da classe média, não da raia miúda.
2.      Se está pagando parceladamente uma viagem à Disney, oculte isso ao máximo, o parcelamento e a viagem.
3.      Estudar não é sinônimo de matrícula e frequência, tem mais a ver com leitura e reflexão. Em geral, quem, em idade adulta, afirma que quer “voltar a estudar” é porque nunca foi.
4.      Tratar com educação garçons, faxineiras, garis, monitores de estacionamento rotativo e professores pode gerar uma impressão de superioridade.
5.      Truculência não é sinal de força. Lembre-se em geral violência e inteligência não andam juntas. Fique atento, muito provavelmente as demais pessoas descobriram isso antes de você.
6.      No meio dos emergentes sociais, discrição e moderação são mais recomendáveis que a competição para ver quem chama mais a atenção.
7.      Jamais criticar autor, livro ou ideia, sem o mínimo de conhecimento. Muita atenção, em geral esse mínimo de conhecimento, pode ser um máximo inatingível a você, na dúvida, cale-se e mostre-se receptivo a toda e qualquer teoria por mais estranha que lhe pareça.
8.      Esta dica vai para você que mora fora das capitais e grandes centros urbanos,  evite  referências às posses e à história familiar,  o micro-burguês do interior é de uma cafonice que  magnetiza a raiva dos que de fato possuem capital. Este tema é muito delicado, por isso é importante conter o apetite por reconhecimento na capital do Estado, para lhe ajudar na dura tarefa de conter este ímpeto, Geografia e História são profiláticos excelentes.
9.      Evite referir-se à elite com intimidade ou de forma laudatória, você pode encontrar com alguém que de fato faz parte dela, em geral os seus membros preferem ser criticados por ti a serem confundidos contigo.
10.  As panelas já foram guardadas, tornando-se dispensável o décimo mandamento.

É preciso recordar que os ricos procuram diferenciar-se da classe média os miseráveis procuram diferenciar dos outros pobres como ele. Estes mandamentos podem ajuda-lo a realizar-se parecendo com o que não é.  É importante reconhecer o caráter limitado destes ensinamentos, pois não há uma “Teoria Geral da Classe Média”, e ao que parece, esta desaparecerá  antes que tal teoria surja. Melhor entender este decálogo, como uma técnica coaching de polidez mínima para quem já esta medianamente condicionado pela economia e pelo discurso, mas gosta disso pois julga ser esta posição o passo que antecede o sucesso.
Samuel Mânica Radaelli


A LITURGIA SOCIAL

Vejam que legal:
Está numa ascendência só!
Adquiriu sua casa e carro
e não frequenta mais brechó.
Comprou uma viagem à Disney,
tirou uma selfie com o Mikey
e pensa que não é mais bocó.

Hummmmm!

É que existe uma liturgia:
aquela contingencial,
que faz aproximar dos belos ricos
como se pudesse ser igual.
Comer e beber da mesma forma.
Ter acesso à mesma porta.
É a liturgia social.

Que expectativa ufanista
dessa classe em extinção
que precisará de um bom projeto
pra sua preservação.
E enquanto pensar na emergência
por vias de uma pseudo ascendência,
junto a milhões cairão.

Isso não é advinha.
É apenas constatação:
de quem muito sucesso procura
às custas de diferenciação.
Valha-me deus se enxergassem
o despautério e a pabulagem
de um gabola bobalhão.

Fabio Soares


Publicados em 18 de agosto na Coluna Pimenteiro do Diário Data X

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