quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O justiceiro é um bandido

Quem acompanha as últimas notícias do país percebe que a ação de “justiceiros” vem se tornando prática corriqueira. Trata-se de pessoas que agridem e expõem acusados de cometer crimes a situações degradantes – amarrados em postes, presos por cordas, quase sempre muito lesionados, submetidos ao escárnio popular. Cenas medievais. Práticas que merecem atenção.

Refletir sobre essa situação, entretanto, tem se mostrado algo muito complicado. Ao primeiro sinal de consciência sobre a condição do acusado e de seus direitos violados, logo surge a pueril e infeliz expressão: “tá com pena, adote um bandido”. É compreensível: a sensação de medo generalizada faz as pessoas agirem de modo irracional e falarem besteiras desse calibre. Contudo, não é saudável aceitarmos com tranquilidade essa situação.

Quando se defende o respeito aos direitos humanos, obviamente não é porque se quer adotar alguém e levar para sua casa. Deseja-se apenas que as regras sejam respeitadas, por todos. Deseja-se que todos tenham direito a um julgamento justo. É isso, inclusive, o que diz a legislação brasileira. 

A lei é a garantia que temos contra o arbítrio e a crueldade do Estado e dos demais integrantes da sociedade. Não dá para punir de qualquer jeito, nem com as próprias mãos. É imprescindível punir estritamente da forma que a lei estabelece. 

Quando alguém sofre a ação de “justiceiros”, toda a sociedade perde um pouquinho de seu direito de ser julgado de forma imparcial. Cada acusado amarrado em um poste é um sinal de vergonha para a civilização. Mais do que isso, é uma afronta à legislação (o “exercício arbitrário das próprias razões” é crime, está no artigo 345 do Código Penal).

Portanto, os “justiceiros” violam muito mais que a lei brasileira e a dignidade do rapaz amarrado ao poste – eles maculam o direito de todos nós de viver em uma sociedade onde as regras são respeitadas e as punições são justas.

Assim como ninguém quer sofrer a ação de “bandidos” (ao ter seu patrimônio furtado, por exemplo), certamente ninguém quer sofrer a ação dos “justiceiros” (ser acusado, julgado, agredido covardemente e exposto ao ridículo sem sequer ter o direito de se defender).

Se essa moda pega, o povo brasileiro ganhará de brinde um novo medo: não bastará a ameaça daqueles que violam as regras do jogo, teremos de suportar a barbárie daqueles que se autointitulam árbitros do jogo. Não sei qual dos dois pode ser mais cruel.

Luís Henrique Kohl Camargo - GEDIS

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