Temos ou não o direito de portar armas? Trata-se de uma
discussão de longa data, mas ao mesmo tempo atual: o Projeto de Lei 7.282/14,
que pretende liberar o porte de armas no País, está atualmente tramitando no
Congresso.
Hoje, o porte de armas é possível basicamente apenas a
profissionais da segurança pública e privada e, excepcionalmente, a cidadãos
que passarem por rígidos requisitos. Quem estiver fora desse rol e insistir em
portar arma comete crime punido com detenção de 1 a 3 anos.
Pois bem. Ouve-se falar que “desarmar o cidadão de bem é
facilitar o trabalho do criminoso”, que "a proibição do porte de armas
gera insegurança às pessoas" e que "o cidadão tem o direito de
defender sua vida e seu patrimônio", inclusive com o uso de armas de fogo.
De regra, as pessoas que defendem a legalização do porte de arma se baseiam
numa divisão entre “bandido” e “cidadão de bem”, e a partir dessa divisão esses
indivíduos desenvolvem psicologicamente um cenário de luta entre esses grupos,
como se fosse uma verdadeira guerra. Ao fixarem esse cenário fictício de guerra
em suas mentes, esses sujeitos admitem com mais facilidade medidas mais
violentas, chegando ao ponto de aceitar como normal, por exemplo, que uma
pessoa mate outra para proteger a sua bolsa. Outro efeito dessa ficção é a
busca constante, na realidade, por elementos que comprovem a sua própria
perspectiva de mundo: qualquer notícia, qualquer evento, qualquer animosidade
ou crime é o suficiente para que se defenda uma mudança drástica em nosso
estilo de vida. Agora, imagina esse cidadão portando uma arma: não irá ele
procurar, na realidade, ocasiões para dar sentido à arma que possui e, de fato,
utilizá-la?
Em que pese sejam infindáveis as discussões agitadas em
torno desse assunto, é no mínimo difícil admitir que mais armas significarão
menos mortes. Afinal, o desejo de portar uma arma deve estar necessariamente
ligado ao desejo de aniquilar a vida de alguém (afinal, uma arma serve
basicamente para isso, ou para matar passarinhos, o que também pode ser crime - art.
32 da Lei 9.605). Acredito que, no cru, o que os cidadãos que defendem a
liberação das armas pretendem é ter mais poder, inclusive de matar.
Contudo, a legislação só permite que matemos outra pessoa em
situação de legítima defesa ou de estado de necessidade, e sempre se for a
única coisa que nos restaria para salvar nossa própria vida. Assim, ainda que
tenhamos uma arma, só poderíamos atirar em alguém se ele estivesse colocando
nossa vida em risco - não bastaria invadir nossa casa para isso, por exemplo.
Contudo, ainda que seja para matar a pessoa que me coloca em risco, é difícil
acreditar que estejamos mais preparados e em posição privilegiada, numa
situação de crise, para reagir com sucesso a uma abordagem criminosa armada -
aliás, o que se recomenda é não reagir em situações assim.
Mais armas também não significarão menos crimes, pois o
sujeito que decide praticar um crime violento não o faz porque as demais
pessoas não possuem armas. No máximo, esse sujeito passará a agir com mais
violência, para evitar que a vítima, potencialmente armada, reaja.
A principal peculiaridade da arma é que se trata de um
instrumento cuja utilidade se resume a facilitar nosso trabalho quando
desejamos matar outro ser vivo (seja para atacar, seja para defender) - e é
exatamente por isso que a proibição desses utensílios é algo importante e
simbólico, pois representa que não vivemos em uma sociedade de inimigos e que
também não usurpamos o trabalho da polícia (que detém o uso legítimo da força).
Por fim, trago-vos uma mensagem de tranquilidade sobre um
argumento que, embora ridículo, por incrível que pareça vem sendo bastante
reproduzido: não, a proibição de porte de armas de fogo não se trata de um
prelúdio de golpe comunista. Trata-se, na verdade, de uma prática comum,
adotada em vários países do mundo inteiro e de várias realidades, tal qual a
Inglaterra, o Japão e a Austrália (cujas legislações são, inclusive, mais
rígidas que a do Brasil), o Chile, o México e o Canadá, dentre outros.
Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis
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