O vencedor. |
Para muitas pessoas, agir como cães é
uma forma ética, quase natural, de se viver a vida. Acreditam que a relação
entre o vencedor e o perdedor torna a “sociedade como um todo” melhor, trazendo
vantagens a todos. Para isso, precisam aceitar o perdedor como algo descartável
e desprezível, passível das piores conseqüências – é preciso desumanizar o
perdedor.
Vivemos em uma sociedade de indivíduos.
Afastamo-nos cada vez mais do outro, isolados em nossa busca por lucro e
conforto. Deliberadamente nos posicionamos “contra qualquer ideologia”, e é
cada vez mais difícil construirmos um projeto coletivo (seja ele de qualquer
proporção, desde organizar um grupo de oração até montar um comitê
revolucionário). Nada que não nos proporcione lucro direto e imediato nos
atrai. Nada que não nos traga vantagens individuais nos agrada.
Por outro lado, as pessoas aproximam-se
virtualmente, através de telas coloridas de aparelhos eletrônicos de diversas
qualidades. O “cada um por si” é tão forte que as pessoas se dispõem a carregar
consigo um “pau de selfie” para tirar fotos de si mesmas sem necessitar do
auxílio de outra pessoa. Saliento: de si mesmas... sem necessitar do outro.
Pode ser que tudo isso seja passageiro.
Inobstante isso, o fato é que existe um mecanismo social sendo alimentado por
nossas condutas individualistas, e seu funcionamento gera consequências para
todos. É como se fosse o motor de um carro: o movimento de cada cilindro está
conectado e movimenta, por sua vez, uma estrutura muito maior. O que acontece com o carro quando esquecemos de trocar o óleo do motor?
Se no passado não tínhamos tanto tempo
para pensarmos nossa existência e precisávamos do outro para realizar nossos
projetos, hoje o avanço tecnológico nos proporcionou algumas facilidades,
deixando-nos mais tempo livre para ocuparmos conosco mesmos e dispensando-nos
do auxílio do outro.
Como indivíduos, não conseguimos ver no
outro nada mais do que “vencedores” e “perdedores”. Não conseguimos ver o outro
como um ser humano que tem sentimentos, sofrimentos, ama outras pessoas e,
principalmente, tem sonhos. Isso nos torna mais impiedosos uns com os outros, e
a qualquer transgressão praticada pelo outro logo desejamos que ele sofra, que
ele morra – afinal, bandido bom é bandido morto?
O perdedor. |
Leitores, atenção. Esse estilo de vida
impiedoso, embora esteja impregnado na “sociedade como um todo”, é por nós
reproduzido todos os dias, é nossa responsabilidade também. E os subprodutos
desse estilo de vida são também por nós suportados: violência, insegurança,
sensação de medo, mal estar, solidão...
Convido os leitores para, em 2015,
refletirem sobre nossa condição, sobre nossa relação para com o outro, sobre a
maneira como tratamos aqueles que amamos e também aqueles que odiamos. Não
esqueçamos que a solidariedade é o que dá coesão à sociedade, pois nos faz
suportar coexistir com outras pessoas, com todos os seus defeitos e virtudes. A
solidariedade é o óleo do motor. O que acontece quando não trocamos o óleo do
motor?
Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis
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