A crise da água ainda não atingiu o oeste catarinense. Não temos racionamento nem passamos dias sem água nas torneiras como vem acontecendo em São Paulo. Entretanto, a forma como a mídia está tratando esse tema suscita questões bastante interessantes.
De regra, o que vemos na televisão e nos jornais é uma abordagem individualizada, focada nas ações que cada cidadão deve fazer para reduzir seu consumo individual de água. Por outro lado, muito pouco se fala sobre os setores que mais demandam água: agropecuária e indústria. A culpa pela crise da água é distribuída de forma tendenciosa, excluindo-se dela as grandes indústrias, as mineradoras e a agropecuária, que são, de fato, as maiores consumidoras de água.
Mais estranhamento causa perceber que mesmo a abordagem individualizada não é realizada de uma maneira séria, pois não aborda pontos nevrálgicos do sistema capitalista, como a lógica do consumo. São poucas as palavras sobre o nosso estilo consumista de viver a vida. Nada sobre o consumo exagerado de carne, zero palavras sobre nossa ânsia de trocar de carro só para nos afirmarmos socialmente, muito embora a produção desses bens demande muita água. Mesmo no individualismo a mídia intencionalmente esquece de criticar os setores e interesses que a financiam e oculta uma verdade inconveniente: a lógica do consumo precisa ser revertida.
A mensagem que fica é de que devemos consumir menos água, por outro lado produtos que necessitam de muita água em sua produção (carne e produtos industrializados, por exemplo) estão fora dessa conta. Menos consumo é menos tempo no banho, menos água no copo, reutilizar a água da máquina de lavar... mas continue consumindo aquilo que estiver à venda na prateleira!
É claro que a crise da água provém de uma soma de múltiplos fatores, mas não devemos esquecer: um deles, e apenas um, é a falta de chuvas.
Curioso que não só a abordagem da mídia, mas também a lógica do racionamento em São Paulo, é individualizada - o corte acontece na torneira do cidadão. Entretanto, o efeito indireto gerado por esse mecanismo é ocultado: aqueles que possuem dinheiro para adquirir galões e mais galões d'água no mercado podem passar ao largo da crise, ou no mínimo não sentem seus efeitos de forma tão aguda quanto aqueles que dependem do serviço público.
Nessa crise, a lição que fica é a de que, quando a coisa fica feia, quem pagará a conta na carne é o pobre; os interesses financeiros e ideológicos do capitalismo serão (e se forem) a última coisa a ser atingida.
Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis
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