sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Patricinha fascista

A estupidez está sempre ao alcance de todos. Mayara Petruso, patricinha paulista, estudante de Direito, saiu do anonimato para fama, via Twitter, graças a um coice na inteligência nacional.


Indignada com a vitória de Dilma Rousseff, a moça disparou este petardo: "Nordestino não é gente, faça um favor a São Paulo, mate um nordestino afogado. Tinham que separar o Nordeste e os bolsas-vadio do Brasil (...) Construindo câmaras de gás no Nordeste, matando geral". No Facebook, a burrinha racista se atolou um pouco mais: "Afunda, Brasil. Deem direito de voto pros nordestinos e afundem o país de quem trabalha pra sustentar vagabundos que fazem filhos pra ganhar bolsa 171". Mayara já perdeu o emprego no escritório onde trabalhava e sofrerá ação judicial protocolada pela OAB.

Alguns jovens universitários paulistas têm revelado um grau superior de idiotice. Depois da turminha que hostilizou uma guria por causa da sua minissaia, apareceu o bando do "rodeio das gordas", propondo tratar meninas obesas como animais. E agora entra em cena a tal Mayara. O escândalo maior é imaginar que isso representa uma opinião média difundida na Internet. Como será que a mulinha Mayara explica a vitória de Dilma em Minas Gerais? Achar que as ajudas sociais são incentivos à vagabundagem é típico de uma elite primitiva ou de uma classe média ignorante. Qualquer país civilizado, a começar por França, Alemanha, Inglaterra e, evidentemente, países escandinavos, oferece mais ajudas sociais que o Brasil. Não adianta ir à Europa só para comprar bolsas Vuitton. É preciso espiar o cotidiano.

Quem não recebeu e-mails dizendo que Dilma não podia ser candidata por ter nascido na Bulgária? Quantos analistas têm por aí sugerindo que os nordestinos são subeleitores que votaram com o estômago? Quando um empresário escolhe um candidato seduzido pela possibilidade de redução de impostos, o que é legítimo, não se trata de voto por interesse? Não é voto com o bolso? Quando ruralistas votam num candidato na esperança de conseguir mais incentivos, o que é comum, não é voto interesseiro? Mayara não deixa de ser o produto de uma estratégia perigosa, a divisão ideológica entre bem e mal. Foi essa perspectiva, cara ao vice Índio da Costa, que José Serra adotou. A revista Veja e o jornal Estado de S. Paulo deram aval a essa idiotice retrógrada. Uau!

O PSDB, que nasceu pretendendo ser moderno e racional, podia mais. Veja, que se acha mais moderna do que os modernos, acabou por produzir leitores Mayara. Isso não tem a ver com partidarismo como imaginam os mais simplórios ou ideológicos. Eu jamais terei partido. Meu único capital é a independência selvagem. Sou a favor do voto de castidade partidária para jornalistas. Tudo pela liberdade de dizer que quem acha o Bolsa-Família um incentivo à vadiagem pensa como Mayara. Esse foi o principal erro tucano na campanha eleitoral: ter guinado à direta para tentar seduzir as Mayaras, que arrastaram um intelectual progressista como Serra para o reacionarismo rasteiro do Estadão e da Veja. Mayaras, nunca mais!

Juremir Machado da Silva
Artigo publicado no Correio do Povo de 5/11/2010




domingo, 7 de novembro de 2010

Direitos humanos em Cuba

“Milhões de crianças dormirão com fome esta noite, nenhuma delas é cubana” Fidel Castro
             
            A mídia em geral tem criticado a forma como o regime cubano trata a questão dos direitos humanos. Em parte, a crítica procede. É necessário, entretanto, dimensionar a análise realizada, dado que ela pode conduzir a erros (em algumas situações a crítica tem como escopo ocultar a situação dos direitos humanos no Brasil).
            A contestação da posição de Cuba centra-se na análise dos problemas relativos ao respeito aos direitos humanos individuais, os quais de fato não recebem a atenção que merecem. Mas é preciso lembrar que os direitos humanos não se resumem aos direitos individuais, possuindo outras quatro dimensões: direitos individuais (liberdade, propriedade e garantias da pessoa acusada, como exemplos); direitos sociais (trabalho, educação, assistência social, previdência etc); direitos de solidariedade (meio ambiente, desenvolvimento, autodeterminação dos povos); direitos da biotecnologia e direitos do ciberespaço.
            Os críticos do modelo cubano, de ordinário, realizam uma análise parcial. Interpretam somente as questões relativas aos direitos individuais, ignorando as demais dimensões. Longe de querer defender o modelo daquele País, não há como deixar de reconhecer que importantes conquistas foram alcançadas no âmbito dos direitos sociais. Um exame dos direitos humanos em Cuba não pode deixar de analisar fatos como a universalização do ensino em todos os níveis e o amplo acesso à saúde (neste quesito em especial, os Estados Unidos, infinitamente mais rico, não consegue dar um padrão mínimo de acesso à saúde a todos).
            Uma interpretação livre de condicionantes ideológicos revela que em Cuba os direitos individuais não têm a mesma importância dos direitos sociais, estes plenamente garantidos. Analisando o caso brasileiro, constatamos que os direitos individuais de natureza patrimonial são plenamente garantidos, mas ainda há muita dificuldade na efetivação dos direitos sociais. Assim, aqueles que bradam contra as violações existentes em Cuba, precisam ter uma visão mais profunda sobre o tema, pois do contrário estarão caindo na velha estratégia do poder instituído de criticar aquilo que está longe, como forma de justificar o cotidiano em que estamos imersos.
            Assim, as interpretações - em geral as apresentadas pela grande mídia - não possuem a isenção que se auto-atribuem. Esse fato exige da sociedade, em especial da comunidade acadêmica, uma interrogação sobre aquilo que está por trás do inicialmente apresentado. É justamente a diferença entre essência e aparência, a razão de existir da ciência.

Samuel Mânica Radaelli - GEDIS



quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O trabalho em dias destinados ao descanso

            A legislação trabalhista brasileira previa inicialmente o descanso para os empregados em uma oportunidade na semana (por 24 horas consecutivas). Depois - para espanto daqueles que entendem que o ócio é uma prerrogativa de determinada classe - esse descanso passou a ser remunerado e os feriados também passaram a ostentar a mesma condição (Lei 605, de 1949).

            A Constituição de 1988 alçou o direito de descansar em uma oportunidade na semana e aos feriados à condição de direito fundamental social, impondo que a interrupção semanal do trabalho deveria coincidir “preferencialmente” com os domingos.
            Existem leis, anteriores e posteriores à atual Constituição, que autorizam em determinadas situações o trabalho de empregados em dias originalmente destinados ao descanso. E isso é mais do que razoável. Afinal, há evidente interesse público no funcionamento de determinados empreendimentos em todos os dias da semana (como hospitais, farmácias, funerárias etc).
            O que de certo modo me surpreende é o excepcional tornar-se regra. Em outras palavras: admite-se como corriqueiro o trabalho em dias destinados ao descanso (concedendo-se outro dia de folga ou efetuando-se o pagamento das horas, em dobro), quando o correto - a meu sentir - seria aceitar tal situação apenas em hipóteses restritas.
            Atualmente, como ilustração, a lei autoriza o comércio varejista a utilizar os serviços de seus empregados aos domingos, desde que fixada uma escala para coincidência da folga com tais dias a cada determinado número de semanas.
            Entendo - com o devido respeito aos que pensam de forma diversa (o próprio STF admite, ao menos em caráter liminar, a constitucionalidade da lei) - que essa autorização genérica vai de encontro aos fundamentos da Constituição (principalmente à valorização social do homem que trabalha).
            Antes de 1988, a lei até poderia validar genericamente o trabalho em dias originalmente destinados ao descanso. Afinal de contas, a legislação estava conforme a ordem constitucional pretérita que outorgava prevalência ao princípio da livre iniciativa (a legislação de 1949, como exemplo, atendia aos fundamentos e princípios da Carta de 1946).
            A Constituição atual, no entanto, rompe com a tradição liberal anterior e - no intuito de instituir um novo modelo de Estado - altera a ordem dos princípios que regem a ordem econômica (conferindo prioridade ao homem e ao seu trabalho). Por corolário: a iniciativa privada será respeitada, até como decorrência do modo de produção vigente, mas desde que lastrada na valorização social do trabalho.
            Em face disso – observada a ordem de valores acolhida pelo constituinte - é imperioso concluir que a regra a ser observada é o descanso dos empregados em domingos e feriados e, a exceção, o trabalho nestes dias. Em palavras outras: o interesse meramente econômico das empresas não pode se sobrepor ao direito fundamental dos empregados de descansar no mesmo dia em que a ampla maioria de seus semelhantes, principalmente aqueles de seu entorno.
            Resumindo: somente se pode utilizar a força de trabalho de empregados em domingos e feriados por motivo de conveniência pública ou, em situações ainda mais excepcionais, de necessidade imperiosa do serviço.
            Não me parece que seja essa a diretriz adotada pelo legislador infraconstitucional e pela jurisprudência dominante.
            Valorizar o trabalho talvez implique em olhar as pessoas que labutam com lentes de solidariedade (tão em falta ultimamente!).

Régis Trindade de Mello - GEDIS