quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O trabalho em dias destinados ao descanso

            A legislação trabalhista brasileira previa inicialmente o descanso para os empregados em uma oportunidade na semana (por 24 horas consecutivas). Depois - para espanto daqueles que entendem que o ócio é uma prerrogativa de determinada classe - esse descanso passou a ser remunerado e os feriados também passaram a ostentar a mesma condição (Lei 605, de 1949).

            A Constituição de 1988 alçou o direito de descansar em uma oportunidade na semana e aos feriados à condição de direito fundamental social, impondo que a interrupção semanal do trabalho deveria coincidir “preferencialmente” com os domingos.
            Existem leis, anteriores e posteriores à atual Constituição, que autorizam em determinadas situações o trabalho de empregados em dias originalmente destinados ao descanso. E isso é mais do que razoável. Afinal, há evidente interesse público no funcionamento de determinados empreendimentos em todos os dias da semana (como hospitais, farmácias, funerárias etc).
            O que de certo modo me surpreende é o excepcional tornar-se regra. Em outras palavras: admite-se como corriqueiro o trabalho em dias destinados ao descanso (concedendo-se outro dia de folga ou efetuando-se o pagamento das horas, em dobro), quando o correto - a meu sentir - seria aceitar tal situação apenas em hipóteses restritas.
            Atualmente, como ilustração, a lei autoriza o comércio varejista a utilizar os serviços de seus empregados aos domingos, desde que fixada uma escala para coincidência da folga com tais dias a cada determinado número de semanas.
            Entendo - com o devido respeito aos que pensam de forma diversa (o próprio STF admite, ao menos em caráter liminar, a constitucionalidade da lei) - que essa autorização genérica vai de encontro aos fundamentos da Constituição (principalmente à valorização social do homem que trabalha).
            Antes de 1988, a lei até poderia validar genericamente o trabalho em dias originalmente destinados ao descanso. Afinal de contas, a legislação estava conforme a ordem constitucional pretérita que outorgava prevalência ao princípio da livre iniciativa (a legislação de 1949, como exemplo, atendia aos fundamentos e princípios da Carta de 1946).
            A Constituição atual, no entanto, rompe com a tradição liberal anterior e - no intuito de instituir um novo modelo de Estado - altera a ordem dos princípios que regem a ordem econômica (conferindo prioridade ao homem e ao seu trabalho). Por corolário: a iniciativa privada será respeitada, até como decorrência do modo de produção vigente, mas desde que lastrada na valorização social do trabalho.
            Em face disso – observada a ordem de valores acolhida pelo constituinte - é imperioso concluir que a regra a ser observada é o descanso dos empregados em domingos e feriados e, a exceção, o trabalho nestes dias. Em palavras outras: o interesse meramente econômico das empresas não pode se sobrepor ao direito fundamental dos empregados de descansar no mesmo dia em que a ampla maioria de seus semelhantes, principalmente aqueles de seu entorno.
            Resumindo: somente se pode utilizar a força de trabalho de empregados em domingos e feriados por motivo de conveniência pública ou, em situações ainda mais excepcionais, de necessidade imperiosa do serviço.
            Não me parece que seja essa a diretriz adotada pelo legislador infraconstitucional e pela jurisprudência dominante.
            Valorizar o trabalho talvez implique em olhar as pessoas que labutam com lentes de solidariedade (tão em falta ultimamente!).

Régis Trindade de Mello - GEDIS

Um comentário:

  1. Parabéns Dr. Régis... muito bom o texto, me fez pensar bastante, é uma seara muito delicada de discussão, uma flexibilização da legislação trabalhista é evidentemente necessária no Brasil, contudo, até que ponto ela pode alcançar. Até onde a livre inciativa deve escapar das mãos do estado? São belas questões a serem discutidas ainda mais em um país continental como o nosso.

    Abraço
    Alexandre Zampiva @AleZampiva
    http://nostalgiadeideias.blogspot.com

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