Atualmente, com o surgimento do Constitucionalismo Pós-Guerra, as Constituições (mormente a do Brasil, de 1988) passam a estar recheadas de princípios jurídicos. Desse modo, institucionalizou-se a moral no bojo do Ordenamento Jurídico, representada pelo horizonte de sentido/significado normativo principiológico.
Com isso, está-se diante da necessidade de modificar o modo de compreender e aplicar o Direito, sempre dando espaço à atuação dos princípios. Mas tal deve ocorrer não somente quando inexistir regra expressa sobre o caso a ser regulado, pois, mesmo diante dessa situação, os princípios devem servir como plus (aumento) normativo, provocando uma conformação moral (constitucional) do Direito.
Um bom exemplo do que se pretende explicar é o da prescrição (perda da pretensão – de exigir via ação judicial o cumprimento) de verba oriunda de relação de emprego.
É verdade que existe regra constitucional (art. 7°, inciso XXIX) que determina a fulminação da pretensão ligada a direito trabalhista em cinco anos, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho. De outro lado, dispõe o artigo 205 do Código Civil (apenas para não recorrer ao vetusto Código Civil) prazo prescricional de dez anos quando não haja fixação de prazo menor.
Não se trata de conflito literal entre ambos dispositivos, vez que, nesse vértice, as redações não deixam margem a qualquer dúvida de que a prescrição seria aquela prevista na Constituição, porque menor, nos exatos termos da lei infraconstitucional.
Ledo engano! Infere-se aí, sem titubeio qualquer, conflito de ordem principiológica, mais especificamente entre os princípios que prestam alicerces para as mencionadas regras: o princípio da norma mais favorável (corolário do princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais) e o da segurança jurídica.
Ora, se a prescrição tem por escopo assegurar as relações sociais, cujas obrigações não podem perdurar eternamente, tem-se que o período que as compreende não pode ser igual em todas as situações. Pelo menos, acerca da pretensão de direitos de maior alçada (direitos fundamentais), o lapso temporal para seu titular exercer o respectivo direito de ação para fazer valer seu interesse resistido deve ser maior, ou, no mínimo, não pode ser menor.
Em sendo assim, o cumprimento do princípio da máxima efetividade, nesse aspecto, está insatisfatoriamente cumprido pela regra constitucional. Sua densidade de proteção é menor de situações outras, que não envolvem pretensões oriundas de direitos fundamentais (exemplo: pretensão de recebimento do preço de uma compra e venda), de acordo com o prazo prescricional estabelecido no Código Civil.
Consequentemente, se o princípio deve ser cumprido ao máximo, mister se faz que a prescrição das verbas laborais seja, no mínimo, de dez anos, e não segundo o sistema cinco-dois, estatuído na Constituição.
E nem se objete dizendo que, por ser a Lei Maior de hierarquia superior, não pode existir contrariedade por lei de menor escalão.
Primeiro, urge-se denotar que, em se tratando de direitos fundamentais, a Constituição deve assegurar o mínimo, e não o máximo! Em se tratando de direitos fundamentais, a Constituição é o ponto de partida; não pode ser, obviamente, o ponto de chegada. Por isso mesmo, o próprio caput do artigo 7° expressamente contempla cláusula aberta de direitos fundamentais dos trabalhadores (“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”).
Segundo, porque o princípio invocado também é de índole constitucional (art. 7º caput) e, pelo critério não só da hierarquia, mas, primeiramente, em razão da ordem moral constitucionalizada, que explicitamente confere defesa aos direitos fundamentais, deve ser contemplado.
Trata-se, portanto, de sedimentar a máxima efetividade dos direitos fundamentais. Ora, se antes as leis infraconstitucionais eram empecilhos para a efetividade da Constituição, agora, não pode se conceber que a Constituição seja óbice para a prevalência de tratamento mais favorável no que tange a um direito fundamental, a despeito de estar previsto em lei ordinária.
Além do mais, não haverá qualquer infringência ao princípio da segurança jurídica, vez que se trata de prazo expressamente contemplado em lei (no caso, o Código Civil). Se assim não fosse, estar-se-ia privilegiando condutas que afrontam direitos fundamentais em prol do dogma da segurança jurídica e em detrimento de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, na roupagem do Estado Democrático de Direito, qual seja: o valor social do trabalho (art. 1°, inciso IV, da Magna Carta de 1988).
O que se pretende afirmar com isso é que toda norma (do caso de decisão) deve estar consentânea com os preceitos principiológicos constitucionais, sob pena de não atingir seu grau ideal (necessário) de normatividade. Os princípios, pois, consigna-se, devem ser concretizados ao máximo! Não ao ponto de excluir uns aos outros, mas, como ensina Konrad Hesse, até o estágio necessário para fomentar sua harmonização ou concordância prática.
Cleiton Luis Chiodi - GEDIS
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