sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A Tropa e a Elite: “bem- vindo ao sistema”


O sucesso estrondoso dos filmes “Tropa de Elite I” e “Tropa de Elite II” é um fato que permite boas reflexões sobre as instituições públicas brasileiras. O segundo filme, lançado recentemente, repete o sucesso do primeiro: é muito bem feito e revela a complexidade do combate à violência. Trata-se de uma narrativa sem a tradicional divisão entre bons e maus, tão comum no cinema em geral. A ausência de maniqueísmo no enredo favorece a compreensão de que o problema da criminalidade necessita ser enfrentado com políticas públicas que não se baseiem apenas na repressão policial, pois esta pode apenas aumentar a violência.
Para além do contexto da segurança pública carioca, o filme suscita um tema importante: a relação entre grupos políticos e os agentes públicos. Muito embora o filme trate apenas da relação destes grupos com a polícia, é possível tomar a situação aí exposta como um paradigma para todo o funcionamento do Estado.
O ponto de partida para análise é o seguinte: nossa sociedade é oligárquica, ou seja, pequenos grupos se formam com intuito de manter o controle político sobre os demais. Isso acontece em todas as esferas sociais. É comum termos em cada cidade grupos familiares que se alternam no poder, cooptam pessoas, combatem  seus desafetos, criam ao seu redor um espectro de poder que serve para atrair outros tão corruptos, mas, principalmente, para intimidar os que não comungam das suas práticas.
Outra premissa importante é o caráter corporativo do estado brasileiro. Dentro da máquina pública estes grupos disputam posições para que seus membros ocupem o máximo de cargos. Essa competição envolve desde o cargo de direção de escola até ministérios. No filme, há uma cena clássica em que o alto comando da polícia do Rio discute a indicação para determinado cargo. Surge então a seguinte afirmação “sua indicação seria muito boa para nós”. Em seguida, a pergunta “é bom quanto?”
Ocupados os postos mais relevantes, surge um empenho para que o Estado não funcione, pois as estruturas viciadas são extremamente lucrativas a estes grupos. Nos dois filmes fica nítido que tudo que o sistema corrupto de segurança pública menos quer é acabar com a violência, pois ela permite criar vários negócios ilegais extremamente vantajosos aos operadores do sistema. Diante desse fato surge o perigoso argumento: “o Estado brasileiro é incompetente e corrupto por natureza, nunca mudará”. As milícias são formas de privatização a nos lembrar que se o Estado sair de determinada atividade, quem entra é lucro.
Quando o Capitão Nascimento percebe que ele serve ao sistema, ou seja, “está dançando a música tocada” por um grupo que se apropriou do Estado, parte para outro combate. Não mais “manda bala” nos delinquentes favelados, ou naqueles que são apenas favelados, mas opta por “por a boca no mundo” contra aqueles que operam o sistema. Aí ele descobre que o combate republicano é muito mais letal que a “guerra contra as drogas”. 
Talvez este novo herói do cinema nacional, esteja propondo a todos nós perguntarmos em nossos espaços de sociabilidade (cidade, bairros, escolas, igrejas, clubes, associações, partidos, órgãos públicos, estados, União,  etc.) “quem manda aqui Playboy?”    “é nóis!”, “é nóis!”, “é nóis!”.

Samuel Mânica Radaelli - GEDIS

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