sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Braços Abertos aos Médicos Cubanos

[Texto escrito por Mário Maestri, disponível em "http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8784%3Asubmanchete280813&catid=72%3Aimagens-rolantes" - acesso em 13/09/2013, 11h24]

A insurreição de associações profissionais e de milhares de médicos e estudantes de medicina contra a chegada dos colegas cubanos tem registrado despudoradamente o abismal nível de desumanização produzido pela mercantilização da saúde no Brasil. Os milhões de brasileiros desassistidos surgem como referências imateriais na retórica cínica que defende qualidade do serviço médico que a população brasileira desconhece, seja na área pública e, comumente, igualmente na privada.

No frigir dos ovos, defendem apenas a restrição do número de médicos, em prol da manipulação safada das leis do livre-mercado. Com menos médicos, melhores negócios!  E a população que se lixe! Sob a escusa da excelência da formação e das prestações médicas, defendia-se, ontem, a restrição do número de universidades de medicina e, hoje, o monopólio corporativo do ato médico e o embargo à chegada de profissionais do exterior, com destaque para os cubanos, socialistas e, horror dos horrores, não poucos negros!

Que venham aos milhares!

Que venham os médicos cubanos, às dezenas de milhares! Mesmo que cheguem apenas para tapar os buracos da incúria governamental quanto à saúde pública, mais e mais encurralada no balcão de negócios da medicina privada.  Mercantilização da saúde popular aplaudida pela indústria hospitalar, de medicamentos e de planos de saúde; por associações de classes; pelos milhares de profissionais privilegiados – ou apenas seduzidos – por profissão transformada em meio de enriquecimento sem limites.

Que dezenas de milhares de médicos cubanos sejam distribuídas pelos ermos perdidos dos extremos sociais e geográficos do nosso país! Que povoem o interior distante do Acre ou a periferia próxima de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Porto Alegre e de Salvador. Ainda que tais colocações penosas devessem ser momento transitório – e profissionalmente enriquecedor – de carreira médica público-estatal. Não é isso que fazem os concursados do Banco do Brasil e os membros da forças militares, sem “choro e ranger de dentes”?

Entre os médicos cubanos chegará algum incompetente, como propõem denúncias literalmente histéricas? Certamente. E quem de nós já não se encontrou com profissionais ineptos, mesmo nos consultórios e hospitais privados de nossas mais adiantadas capitais? Sem que haja meios de afastá-los de uma profissão para a qual não se qualificaram técnica ou moralmente. Ao contrário do que ocorrerá no caso dos médicos visitantes. Qualquer erro que fizerem terminará com enorme destaque na telinha da rede Globo e nas páginas da Folha de São Paulo, Estadão, Zero Hora et caterva.

Meros Paliativos

Acusam-se os médicos cubanos de serem paliativos para situação calamitosa e meios de publicidade política de governo que persegue desesperadamente a avaliação positiva perdida.  No que não estão errados. Ao igual que as administrações anteriores, lulistas e pré-petistas, Dilma Rousseff apostou na medicina mercantil, nos planos de saúde, no financiamento privado dos cuidados médicos por população brasileira transferida maciçamente por decreto para a classe média! E teve como resposta a reivindicação por saúde e educação pública e gratuita de multidões enraivecidas que sequer conseguem pagar 3,20 reais por passagem de ônibus urbano! Engrossadas por aqueles que conseguem pagar a passagem mas são depenados pela medicina e pela educação privada!

Entretanto, não é menos certo que os médicos cubanos e estrangeiros salvarão a vida e mitigarão as penas urgentes de milhões de desassistidos, mesmo quando eventualmente não dispuserem das instalações condizentes, como também denunciado. Instalações que certamente serão por eles reivindicadas. Tudo isso enquanto se discute, produtiva ou improdutivamente, com boas intenções ou malevolamente, sobre as soluções estruturais futuras, de longo fôlego.

Os médicos estrangeiros enviados para os cafundós sociais e geográficos do Brasil atenderão brasileiros desconhecedores de serviços médicos mínimos, aos quais têm direito constitucional. Ampliarão a consciência desses brasileiros sobre o valor e a necessária luta por serviço público universal de qualidade. Certamente outros dois motivos da oposição visceral da indústria, de associações e de profissionais da saúde que se locupletam com sua mercantilização.

Por tudo isso e por muito mais, os médicos cubanos – e de outras nacionalidades – devem ser recebidos com festa, com fogos de artifício e braços abertos! Mas atenção. Nosso abraço deve ser o da população agradecida e não o do urso aproveitador!

Em Defesa dos Médicos Cubanos

Os médicos cubanos não são mercenários da medicina, apenas preocupados com a remuneração material. Não são igualmente missionários que se alimentam de princípios morais e políticos – se é que existe tal gente. São trabalhadores especializados que exercerão suas atividades no Brasil. Portanto, encontram-se necessariamente submetidos e protegidos pelas leis trabalhistas nacionais – mesmo que elas sejam pernetas e limitadas.

Os cubanos devem receber a mesma remuneração que os demais estrangeiros. É reivindicação dos trabalhadores, consagrada pela legislação atual, que ao “mesmo trabalho” cabe a “mesma remuneração”. Não importando as diferenças de sexo, raça, idade e nacionalidade. Nenhum casuísmo justifica o desrespeito desse princípio. Pouco importa o que recebem seus companheiros em Cuba, já que eles viverão e trabalharão no Brasil, e não na ilha do Caribe.  Aos médicos cubanos cabe a bolsa de dez mil reais, paga diretamente pelo governo brasileiro.

Se aceitarmos o princípio da missão estrangeira, teríamos que concordar com que governos africanos enviassem trabalhadores contratados, recebendo por eles seus salários das autoridades brasileiras, e pagando-os abaixo do estipulado pela legislação nacional. Não impugna a terrível analogia o fato de que ela tenha sido proposta por interessados em sabotar a vinda dos médicos cubanos, e não em defender seus direitos.

Nada de bantustão!

Os médicos cubanos têm o direito inarredável de trazer consigo seus cônjuges e filhos menores, como todo estrangeiro com contrato de trabalho no Brasil. Tal impedimento permite outra lembrança terrível. Para manter o controle político-econômico, o apartheid construiu os bantustões, pseudo-micro-estados negros, de onde os trabalhadores partiam temporariamente para prestarem serviços nas minas da África do Sul, sem poderem levar consigo as famílias. O que dificultava a radicação na África do Sul e facilitava a manutenção da relação semi-servil.

Não podemos também negar o direito de permanecer no Brasil aos médicos cubanos que assim o quiserem, por razões afetivas e, sobretudo, econômicas.  Ser radical é ir à raiz da questão, e não transformar sonhos e fantasias em realidade. Com a crescente restauração capitalista em Cuba, os trabalhadores ligados à esfera pública conhecem remunerações miseráveis, enquanto prosperam os que conseguem se incorporar à esfera mercantil que canibaliza a economia nacionalizada. A expatriação interessa também aos médicos cubanos pela remuneração em moeda forte, impossível de ser realizada em Cuba no serviço público. [Maestri, Mário. “Cuba sob o signo da restauração capitalista”. www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=5296].

Mas é igualmente indiscutível o direito do Estado cubano de ser remunerado pelos médicos que formou, enquanto trabalham no Brasil, ou caso queiram aqui permanecer. Qualquer coisa diversa seria explorar a esfera pública da sociedade cubana. Essa indenização deve recair totalmente sobre o Estado brasileiro, que se negou a financiar a formação dos trabalhadores da saúde que necessitamos dramaticamente. E não sobre os médicos cubanos.

Em Defesa de Cuba Socialista

É inadmissível o desfrute por qualquer aparato governamental da força de trabalho dos médicos cubanos que devem chegar aos borbotões para ajudarem a suprir as necessidades dramáticas de nossa população.

Apenas o respeito estrito dos direitos civis e trabalhistas mínimos dos médicos cubanos permitirá que essa contribuição inestimável se dê nas melhores condições. E não resulte em todo tipo de constrangimento e aproveitamento por aqueles que se mobilizam para levar tal iniciativa ao fracasso.

O imperialismo estadunidense já tem programa consolidado para fomentar deserção mercenária de médicos e profissionais especializados cubanos no exterior, através de suas embaixadas e consulados. O que constitui uma agressão à economia socialista da ilha, em contínua retração, sob a retórica estadunidense de solidariedade contra a opressão comunista.

Apenas visão progressista tacanha não compreende que também a defesa de Cuba socialista – e do que representou e ainda representa – passa inarredavelmente pela defesa solidária dos direitos de seus médicos no exterior.

Mário Maestri

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