*Eduardo Pianalto de Azevedo
A nova legislação, inobstante com previsão de uma vacatio legis de sessenta (60) dias, como de regra ocorre em toda e qualquer alteração legislativa, trouxe uma série de dúvidas e incertezas à sistemática anterior, em especial no tocante a ampliação das situações de cabimento da prisão preventiva e a criação das denominadas medidas cautelares.
Ainda que diante de muitas dúvidas e até mesmo contradições, realizou-se uma análise, ainda que superficial, da nova legislação, abordando-a por tópicos, de forma a melhor compreender-se algumas de suas alterações e novidades trazidas.
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Prisão Preventiva
Com relação a prisão preventiva, foram mantidas as condições anteriores de cabimento da medida cautelar, com o acréscimo de quatro novas situações:
- Descumprimento das medidas cautelares, como medida de exceção. (art. 282 parág. 4º.)
Importante observar que a decretação da prisão preventiva na hipótese acima referida não é efeito automático da inobservância ou descumprimento da(s) medida(s) cautelar(es), mas medida de exceção cuja aplicação somente poderá ocorrer no curso de investigação policial e/ou instrução criminal.
Não bastasse isso, a medida sempre estará subordinada a verificação de sua necessidade para aplicação da lei penal ou para evitar a prática de infrações penais, bem como da verificação de sua adequação à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
- Crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos. (art.313, I)
Em que pese a má redação da nova legislação, é possível compreender-se que a prisão preventiva somente será possível nos crimes dolosos cuja pena máxima cominada seja superior a 4 (quatro) anos. Em interpretação com o artigo 322, do mesmo texto legal, que faculta a autoridade policial a afiançabilidade nos crimes com pena máxima igual ou inferior a 4 (quatro) anos, são pertinentes, pelo menos, duas ilações. Uma, pela impossibilidade de prisão preventiva em crimes cuja pena máxima cominada seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos. Outra, como conseqüência, seria de que a prisão preventiva somente seria possível nos crimes cuja pena máxima cominada fosse superior a quatro anos.
- Condenação por outro crime doloso com sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do artigo 64, do CP. (art. 313, II)
Pela ressalva expressa do dispositivo, forçoso concluir que a prisão preventiva somente seria cabível ao reincidente. E, se insistirmos numa interpretação sistemática, não bastaria a simples reincidência, mas que aquela sentença anterior tivesse imposto uma pena superior a 4 (quatro) anos. Nunca se esqueça que, em qualquer situação, deverão estar presentes os demais pressupostos fáticos exigidos à decretação da medida. Não basta, portanto, a simples reincidência para justificar a medida.
- Dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando não fornecer elementos suficientes para esclarecer sua identidade. (art. 313 parágrafo único)
Inicialmente, mister destacar-se que a medida prevista para tais situações era a Prisão Temporária (lei 7.960/89), que, agora, sofre um esvaziamento, porquanto a possibilidade de prisão preventiva poderá conceder, pelo menos em tese, um prazo maior que aqueles previstos para prisão temporária, que eram de dez (10) dias, cinco prorrogáveis por mais cinco; ou de sessenta (60) dias, trinta prorrogáveis por mais trinta, nas hipóteses de crime hediondos ou assemelhados(lei 8072/90). Tendo o princípio da especialidade por norte, s.m.j., entendo que a lei 7.960/89, deve continuar em vigor e regular as hipóteses de segregação nela expressas e nos prazos nela constantes.
Ainda que se admita a possibilidade de preventiva nas mesmas hipóteses, em razão da isonomia e proporcionalidade, não se concederá prazos de prisão preventiva superiores aos máximos previstos na lei 7.960/89, tendo por justificativa a dúvida sobre a identidade civil ou não fornecimento de elementos ao esclarecimento da identidade. Até mesmo para evitar os abusos, como o pedido de prisão preventiva, nas citadas hipóteses, apenas com objetivo de “ganhar” tempo para investigar.
Das medidas cautelares
As novas medidas cautelares, a rigor, não constituem nenhuma novidade conceitual e prática, porquanto várias delas já existiam como condição imposta à concessão da liberdade provisória e também como medida cautelares contempladas na denominada “lei Maria da Penha”.
A novidade consiste no fato de que, agora, não estão mais vinculadas a liberdade provisória, mas passaram a constituir-se em verdadeiras medidas cautelares à investigação ou instrução criminal, prescindindo de anterior segregação da liberdade para sua decretação. Se antes, tínhamos a liberdade provisória, ironicamente, no momento, temos algo próximo da “prisão latente”.
Todavia, também é possível entender-se que as medidas cautelares somente poderão ser decretadas como condição à liberdade provisória, a teor do que dispõe o artigo 321, do CPP.
Preferia que fosse assim, mas o texto não é claro e a semelhança (poderíamos também chamar de empréstimo) às medidas cautelares da Lei Maria da Penha, levam a crer que é correta a assertiva inicial, de que a(s) medida(s) possa(m) ser imposta(s) desvinculada(s) de anterior segregação à liberdade, como condição para concessão de liberdade provisória. Aguardemos as manifestações de nossos doutrinadores e tribunais.
Importante destacar que ainda que sua decretação possa ocorrer inaudita altera pars, de regra, observa-se que a medida (ou medidas) deverá ser precedida da ciência e manifestação do acusado ou réu. Desde que estando, portanto, obedecido o binômio ampla defesa e publicidade, que é o que se depreende do parágrafo 3º., do artigo 282.
Desta forma, entendo que, ressalvadas as hipóteses de urgência ou perigo de ineficácia, a(s) medida(s), somente poderão ser decretadas após a ciência e manifestação do réu ou acusado, pessoalmente ou por seu(s) procurador(es), sob pena de nulidade absoluta.
Merece reparo, sem dúvida, a mencionada “hipótese de urgência”, que, como qualquer medida cautelar, deverá sempre estar vinculada a uma necessidade fática (grifei) caracterizadora do periculum in mora, conforme previsto no inciso I, do artigo 282 caput.
A demonstração fática de sua necessidade para aplicação da lei penal ou para evitar a prática de infrações penais, constituem pressupostos fáticos indispensáveis – conditio sine qua – à decretação de qualquer medida cautelar e não poderia ser diferente com essas novas medidas cautelares.
Apenas para ilustrar, são medidas cautelares aplicáveis aos acusados e indiciados, a teor do disposto nos incisos I a IX, do artigo 319, do CPP:
- Comparecimento periódico em juízo, no prazo e condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
- proibição de acesso ou freqüência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
- proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
- proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
- recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalhos fixos;
- suspensão do exercício de função pública ou atividade de natureza econômica ou financeira quando houver receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
- internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;
- fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
- monitoração eletrônica.
Entendo que o rol é exaustivo, não comportando a aplicação de qualquer outra medida que não esteja elencada naquelas previstas nos incisos do artigo já mencionado.
Nunca é demais repisar que, por se tratarem de penalidades, devem obedecer aos estreitos limites do princípio da legalidade.
Por outro lado, entendo que a possibilidade de aplicação de medidas cautelares dessa magnitude e no amplo contexto da investigação e instrução criminal, com certeza mitigará o elenco de situações e possibilidades para concessão da prisão preventiva, que somente deverá ser concedida na impossibilidade ou ineficácia da(s) medida(s) cautelar(es), que passa a ser medida de exceção.
Necessário enfatizar que a prisão preventiva, no contexto atual, não é medida alternativa às medidas cautelares, mas um recurso extremo e, como tal, de aplicação restrita e excepcional, somente possível quando esgotadas as possibilidades ou ineficácia das medidas cautelares. Não é outro o entendimento trazido do parágrafo 6º., do artigo 282.
Afiançabilidade pela autoridade policial
Pela nova legislação, sem dúvida, foi ampliado o rol de crimes afiançáveis pela autoridade policial, porquanto, anteriormente, isso somente era possível aqueles que tivessem cominada pela de prisão simples e detenção, a teor do que dispunha o revogado artigo 332, CPP:
Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração punida com detenção ou prisão simples (grifei)”.
Pela nova redação, ampliou-se o elenco de crimes afiançáveis pela autoridade policial, eis que o poder discricionário da autoridade policial atinge a todas as infrações cuja pena máxima cominada seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos.
Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.
Note-se que o legislador utilizou-se da expressão infrações, que abrange tanto os crimes como as contravenções penais.
Logo, deixaram de ser inafiançáveis, inclusive, as contravenções penais dos artigos 59 e 60, que não bastasse isso, tiveram tal anterior previsão legal revogada, a teor do que dispunha o inciso II, do artigo 323, CPP.
Desta forma, além dos crimes punidos com detenção e prisão simples, que antes já eram objeto de fiança pela autoridade policial, passaram a ser também suscetíveis de fiança os crimes punidos com reclusão, desde que a pena máxima cominada seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos.
Apenas para ilustrar, recordemos que os crimes de furto simples (art. 155 caput), apropriação indébita (art. 168 caput) e receptação (art. 180 caput) eram insuscetíveis de fiança pela autoridade policial, tendo em vista terem a si cominada pena de reclusão.
Atualmente, mesmo tais crimes e mesmo outros, que tenham pena máxima cominada igual ou inferior a 4 (quatro) anos, não importando que seja de detenção, prisão simples ou reclusão, são afiançáveis pela autoridade policial.
Eduardo Pianalto de Azevedo é Mestre em Direito (UFSC)
e professor de direito penal da UNOESC Xanxerê.