ATOS DE ELUCUBRAÇÃO: SOBRE DISSIDÊNCIAS DE ESCRITA*
ATO I
sempre encontro a evasão
nas palavras, letras e verdade
hipocrisia, mentira e encenação
à procura, da cura à enfermidade,
de escritas, gritos e profundidade
da vida à espera de um bordão.
Desatando esperas pra dizer
aquilo que palavras dizem em vão
a depender de boas ou más intensões
que fazem do texto bom ou “bão”
encarcerando-nos cada dia
como parte de uma abadia
ouvindo as vozes do caixão.
No ato II vejo e ouço
a abundância da perdição
palateando-me com Sabino,
divertindo-me em distração
alegrando-me com o bolo em fatia
E como a pimenta ardia!
Originalidade? Mera ilusão!
ATO III
Num Mundo de Medo e da Mulher
Descosturo o alinhavo da prisão
que fizeram do meu bolso amarrado
a propósito de silêncios em menção
a podar meu grito rouco
belo, indignado e sempre louco
esquecendo-se do papel na minha
mão.
Papel, caneta e lápis deslizando
ou mesmo dedos frenéticos e um
telão
instauram-me singela liberdade
da voz planando em devoção
um ato de descortinamento:
é o quarto em desenvolvimento
em busca de compreensão.
ATO V
O nó de escota é muito firme,
mas desata com intenção.
O importante é manter-se livre
independente de entender ou não.
Como o brincar de escrever
que liberta todo meu ser
e pode te libertar também, então?
Doce ou ardido. Escreva-te e sinta
a liberdade de suportar a evasão.
Fábio Soares. Professor e Mestre em Comunicação.
SUPORTANDO A EVASÃO*
Escrevo...tento evadir-me em minhas
próprias palavras! Mas, evadir-me pra quê?
Passo os olhos no teclado, tento
achar a letra inspiradora que se juntará a outras e...ei-la: a escrita!!! Delas
restará a solidão do ato I- o texto terá um ponto final. No fundo, é uma
simulação da existência. Busca-se harmonia, profundidade...esbarra-se em
hipocrisia, verdades mentirosas...palavras que, ágeis, meus dedos teclarão;
mentiras doloridas empurradas garganta abaixo- mas a vida tem garganta????-
vivo com a voz embargada, por isso grito no papel/tela.
Não deixa de ser frágil também a
escrita, basta uma borracha, uma tecla e. Foi. “Passou e ele nem viu?” Gritam
as vozes na porta do caixão...” Era tão bom”. Era, mas passou o momento de ser
bom. Bom. Bom texto? Boa vida? Agora vai ter de esperar. Também a escrita. Se
quero escrever, sentir a liberdade da caneta eletrônica, mas só quero, não
escrevo, foi-se!!! Passou da hora de ser o texto. Pode adquirir categoria
desconhecida.
A emoção é tanta que fui
protelando. Deixei pra última hora e não lembrava mais. Que assunto se
“escolhe” enquanto se escreve?! Aí, vem à mente Fernando Sabino e “ A Última
crônica”. O que ele pensava enquanto escrevia a crônica sem assunto, já que na
abundância, fica-se perdido. O que escreveu era o que pensava ou só evasão? A
alegria da menininha diante de uma fatia de bolo, os olhares de humildade e
amor são como oásis. Também a vida é essa escrita. O ato II. O de aprender a
sentir a alegria de uma fatia de bolo. Mesmo que doces não sejam o teu prato
preferido. Mesmo que a preferência seja pela ardência da pimenta. Sim. É uma
intertextualidade. Oásis puro no coração de tumulto do mundo.
Não há originalidade na escrita.
Todas as palavras já foram ditas ou escritas. Mas é original o que sai dos meus
lábios emudecidos até o ato III. Hora de lembrar: acabou de passar o dia da
mulher. E eu sou. Vou aproveitar a onda e me deitar na rede livre do escrever.
Ah, como é bom ter medo. Medo porque sei o que vai vir. Meu bolso apertado de
mulher terá de ser costurado. Até o ponto em que nada possa sair. Mas tem a
escrita. O papel. A tela. Então, nesse espaço íntimo de evasão, eu sou. A letra
perdida que não conseguia achar. Um murmúrio baixo de uma voz a me soletrar
docemente no ouvido: Vá. Não importa o que digam, o que pensem. Seja. Tu mesma.
Sempre. Simples. Mulher. Outro nó na garganta. Onde vou viver? Ora...em ti. Só.
Qual o maior símbolo da liberdade
hoje? Pergunta minha voz ao quadro: A liberdade guiando o povo, de Eugène
Delacroix. Seios de fora ou ser eu mesma? Ato IV: A liberdade. Um viva a ela.
Porque ser livre é saber tirar do ambiente que sufoca, ar suficiente para poder
planar. Pode ser só em mim, também planar com e sobre os outros. Não por
soberba. Por alegria. E identidade. Dos nós apertados, laços de compreensão.
Quanto mais apertar, mais rir. Da capacidade que te foi dada de soltar os
próprio laços. Os que não são visíveis. Desses, é fácil. Só soltar.
Ato V: o cordel dá conta do recado.
Desata os nós. Brinca seriamente com as palavras. Eis outro tipo de liberdade.
E de verdade. Língua do povo. Jeito de falar, literatura da região, cultura local.
E íntima. Que gera o grande: Ahhhhh... entendi! Ou não. Não precisa. Também se é
livre para não entender. Só viajar. Sem gasolina. Na vida e na folha. No papel,
ainda um grito. Na existência, a construção de um texto cujo ponto não precisa
ser final. Pode ser de exclamação, de puro deslumbre, de sereno êxtase...ainda
resta a interrogação. Pode ser. Terminar com uma pergunta. Eu já vivi? Como
assim, já passou? E no texto: essa pimenta ardeu em meu peito, mas foi doce pra
você?
Márcia Brasil
Stonoga- Professora de Língua Portuguesa e Literatura. Especialista em Estética
*Publicados na Coluna Pimenteiro na versão impressa do Diário Data X de 10 de março de 2017.
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