sexta-feira, 6 de maio de 2011

Mas afinal quem morreu? Osama ou a dignidade do Ocidente?

Segunda-feira, 02 de maio de 2011: o mundo assiste com atenção, comoção, alívio e, alguns, ceticismo à notícia que George W. Bush não pode dar. Estava morto o homem mais procurado da década, cuja empresa baixou sobre este início de milênio (para os países cristãos) um nevoeiro de medo, guerras e, principalmente, supressão camuflada de alguns valores basilares do Estado de Direito. De lá para cá (nem mesmo uma semana) uma quantidade inumerável de jornalistas têm se dedicado a noticiar este episódio que, não há dúvidas, dá evidências de que este milênio (não no sentido cronológico) está ainda começando...
Quero aqui discorrer não sobre a operação que culminou na morte de Bin Laden e de várias outras pessoas que estavam na casa-esconderijo – deixo isso para os bons “jornalistas” que exaustivamente dedicam-se a pensar sobre o assunto. O objetivo é apontar algumas questões que muito me perturbam (creio que não só a mim) sobre os modos como as mídias de massa têm tratado o evento e como têm simplesmente reproduzido os discursos unilaterais construídos sobre o mesmo.
Antes de prosseguir, um adendo: não há aqui a intenção em defender Bin Ladem, a Al Qaeda, o fundamentalismo (de todos os tipos – incluso o cristão), as relações de gênero no mundo islâmico, etc... Trata-se de uma análise, pautada na comparação entre o que defende (defendia?) o Ocidente e o que pratica, além de como o que se é praticado é forçadamente (sobretudo contra o intelecto) associado ao que se é defendido. Para ser mais simples: como um crime (ou uma série destes) é tornado um não-crime.
O fato: um grupo militar norte-americano invade a casa em que estava Bin Laden que, como consequência do ataque, morre. O corpo é supostamente jogado no mar. Não há imagens – ao menos não públicas. A Al Qaeda sofreu um duro golpe. O EUA fizeram a sua justiça.
Em outubro de 2009 o jornalista Daniel Scheschkewitz afirmou que a condecoração de Barak Obama com o Nobel da Paz era uma aposta no futuro. Conforme afirma “a atribuição do Nobel da Paz a Barack Obama é menos um balanço do passado e mais uma aposta no futuro. O agraciado deveria vê-lo como um estímulo e um voto de confiança. O mundo precisa mais do que nunca de um representante da esperança.”. Estava feito então: enfim um presidente americano guiado por princípios éticos e pela defesa intransitiva da paz que, com um discurso popular (“Sim, nós podemos!”), mudaria a forma de agir da maior potência mundial.
Entretanto, o Nobel da Paz tem se esforçado para comprovar a previsão de José Arbex Jr. feita antes mesmo das eleições presidenciais de 2008, para quem o ainda candidato não passava de um “falso brilhante”. Embora mais carismático que Bush, Obama é adepto do continuísmo – o que só demorou para aparecer (e consequentemente manteve por um tempo maior a “ilusão Obama”) efetivamente devido à crise econômica de 2008. Não seria exagero dizer que Bush não estaria de todo equivocado se apoiasse o democrata para a reeleição...
Obama manteve o campo de concentração (ainda não de extermínio) de Guantánamo, injetou mais soldados nas frentes de combate no Afeganistão e no Iraque (embora o discurso de que está retirando as tropas seja mantido pela grande mídia mundial), mantém posturas conservadoras e unilaterais em conferências econômicas e climáticas... E agora inovou, instituindo como política de Estado o assassinato político (se bem que não é, necessariamente, uma inovação...)!
Entretanto, Obama é um chefe de Estado, tem seus interesses e age de acordo com estes. O que causa calafrios, indignação e vergonha (de fazer parte da mesma espécie) é que a grande maioria dos jornalistas tem se ocupado em reproduzir discursos prontos, tratados, filtrados e ideologicamente mal-intencionados. Utilizando-se do “salvo-conduto” de que apenas informam cometem um crime contra a inteligência humana: acreditar (com imensa ingenuidade ou malícia – cabe ao leitor decidir o que é pior) que os documentos oficiais de Estados são neutros, desinteressados, que apresentam e representam a verdade.
Cidadãos dos EUA regozijam o assassinato
de Osama Bin Laden.
Não houve, salvo algumas exceções que levam a sério o trabalho jornalístico (Elaine Tavares, Altamiro Borges, entre outros), a preocupação sequer em questionar a necessidade da morte de Bin Laden e dos demais na forma como se deu. Até mesmo os piores carrascos nazistas tiveram o Tribunal de Nuremberg. Por mais parcial e até ridículo que tenha sido (no sentido das razões e do procedimento), até Saddan Hussein teve a oportunidade de falar (relativa) e o direito de ter um julgamento...
Assassinatos políticos não são novidades, sobretudo quando se trata da política externa norte-americana. O problema é que o assassinato de Bin Laden abre um precedente perigoso (que por muito pouco não foi antecipado pelo de Khadafi, cuja casa em que estava foi bombardeada na semana passada): legitimação da tortura como forma de obter informações, comemorações pela “justa morte” do inimigo, cancelamento de aulas em universidades, ruas tomadas pela euforia coletiva (de uma massa manobrada) e declarações que agridem o bom senso, crimes contra a humanidade, e a lista prosseguiria...
O assassinato político e a subsequente desova de Bin Laden no mar tem sido divulgada como uma vitória da esperança, da democracia, de um estilo de vida que preza pela plena liberdade (pobre Voltaire, deve ser uma alma atormentada...). O sítio de notícias da Rede Globo de televisão, reproduzindo texto da Reuters, divulgou, em 05 de maio, sem dar sequer uma breve analisada, apresentar um posicionamento (se bem que tratando-se da Globo seria melhor não...) a seguinte declaração de Obama sobre o desfecho dado ao corpo: "Tomamos mais cuidado com isso do que, obviamente, Bin Laden tomou quando matou 3 mil pessoas (nos atentados de 11 de setembro de 2001). Ele não teve muito respeito sobre como (as vítimas) eram tratadas e profanadas".
É compreensível que quem perdeu pessoas nos atendados de 11 de setembro ou em outros promovidos por grupos fundamentalistas pensem isso. É compreensível até que o presidente dos EUA, que quer se reeleger, diga e/ou pense dessa maneira, mas é inadmissível que um formador de opinião – que é o jornalista –, que se diz ocidental, defensor da paz e da democracia, admita tal pensamento como compatível com os conceitos que afirma defender.
Em complementação à supracitada passagem, há o esforço em legitimar, por meio de uma fala de Obama, o assassinato como necessário, dado ao criado contexto maniqueísta de enfrentamento do bem contra o mal: "Mas isso, novamente, é algo que nos torna diferentes.”. Está correto o presidente, pelo menos nos tornamos mais hipócritas.
É, este milênio vai ser longo...


   Bruno Antonio Picoli - professor de História da UNOESC Xanxerê.

Um comentário:

  1. "Não se pode fazer guerra sem rumores, sem a mídia, sem a propaganda".

    A natureza (dos acontecimentos "bons e maus"), tal como nos é posta pelo espetáculo, é uma ditadura. Como disse Obama: "A guerra não acabou". Ela nunca acaba. Ela é o lucro e a ideologia uma praga.
    O bode expiatório pode estar com suas virgens. Mas nós ficamos, e ficamos ainda mais reféns da própria ignorância.

    Teston aqui, abraço!

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