A velha máxima “o preço da liberdade é a eterna vigilância” não esgotou suas possibilidades de sentido. Prova isso dois fatores: a volta do conservadorismo político na Europa e em diversos países e um discurso midiático que afirma a prescindibilidade e, em alguns casos, a nocividade dos direitos humanos.
São essas duas questões intimamente ligadas que ameaçam conquistas políticas importantes da sociedade. Diante disso, cumpre perguntar o que motiva essa “marcha ré” da cidadania, a qual começa a crer que ter direitos já não é tão importante. Ora, se a característica fundamental da cidadania é ter direitos, como é possível um movimento cidadão para reduzir a própria cidadania? É algo tão contraditório que é impossível compreender sob uma perspectiva racional.
Indivíduos fragilizados têm uma propensão a aderirem a movimentos totalitários, e a negação da relevância dos direitos humanos é uma expressão característica de movimentos de propensão autoritária ou totalitária.
Isso é uma esfera que começa no âmbito individual e ganha uma dimensão coletiva. O exemplo disso é a pessoa que passa a defender a pena de morte após ser assaltado. Nesse caso, tem-se a nítida experiência da fragilidade contra a qual esse sujeito quer responder, mas não consegue, restando-lhe apostar em uma força vingadora que o retire dessa condição tíbia.
E aí passa a alimentar movimentos políticos desejosos de um Estado violento, que não respeita os direitos humanos. E então consegue nutrir uma dupla recompensa: por um lado, a sensação de vingança, ao ver aqueles que representam o seu malfeitor sendo agredidos, ou seja, devolvendo a eles o sentimento de medo e dor, e, por outro, tem a impressão de estar seguro na medida em que o Estado lhe empresta uma impressão de força.
A busca por retribuir violência a quem lhe ameaça reflete uma necessidade infinitamente maior: o de auto-afirmação social, haja vista que é uma prática que ganha força em uma classe média que se identifica com os ricos, é tratada por eles como pobre e não consegue se resolver com o que é devido à perspectiva de poder ser da classe alta, sentimento corriqueiro dentre os membros da classe média. Afinal, quem saiu da classe baixa, em tese, poderia chegar à classe alta.
Ideais políticos pautados pela truculência podem ilusoriamente representar uma compensação da fragilidade individual ou de um grupo, o qual torna-se propenso à irracionalidade política.
Esse comportamento é uma patologia que de tempos em tempos reaparece, buscando angariar adeptos para reformas legais retrógradas. Esses grupos contam mais com a apatia da sociedade do que com a sua capacidade de arregimentar apoiadores. Eles não juntam a maioria da população, mas sim um grupo fundamentalista que age na medida em que a sociedade não responde à altura dos seus avanços.
Assim, é necessário uma vigilância cidadã que reitere incansavelmente sob diversas formas os fundamentos de uma ordem política pautada pela democracia e pelos direitos humanos, de modo a avançar na extensão desses dois valores e nunca retroceder.
Samuel Mânica Radaelli - GEDIS
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