segunda-feira, 2 de abril de 2012

Desocupação do Bairro Pinheirinho: questões constitucionais


“Justiça é como as serpentes, só pica os descalços.” Dom Oscar Romero

Considerando que existem grandes mansões
Enquanto os senhores nos deixam sem teto
Nós decidimos: agora nelas nos instalaremos
Porque em nossos buracos não temos mais condições de ficar.
Considerando que os senhores nos ameaçam
Com fuzis e canhões
Nós decidimos, de agora em diante
Temeremos mais a miséria do que a morte.  (“Resolução”, Berthold Brecht)

A reintegração de posse do terreno pertencente à massa falida do mega delinqüente Naji Nahas foi vista por muitos como uma medida jurídica irrepreensível, e que inobstante o fato de mais sete mil pessoas ficarem sem ter para onde ir, a justiça foi feita. Infelizmente segundo alguns juristas, “é a lei e não há o que fazer, do contrário cairemos na insegurança jurídica”. Tal afirmação não procede, em razão de que nossa ordem constitucional não acolheu a possibilidade de o direito de propriedade ser superior ao direito de moradia de 7 mil pessoas.
Nosso sistema jurídico prima pela dignidade humana, o que representa um fundamento dogmático a impedir que fosse lançada um força policial de 2 mil homens para remover essas pessoas. O direito de propriedade não é a única, nem a mais importante prerrogativa constitucional, ele necessita conciliar-se com o direito à moradia, dentre outros dispositivos constitucionais que visam construir uma sociedade justa e solidária.
O respeito à segurança jurídica se faz com a extensão dos direitos humanos a todos. Essa figura tão invocada não pode ser uma prerrogativa dos que tem, enquanto uma grande maioria fica já “acostumada” a tantas vicissitudes, insegurança social, insegurança alimentar, insegurança pública, insegurança sanitária, insegurança educacional e por aí vai.
É preciso perceber que insegurança jurídica ocorre também quando uma parcela da população esta à margem das garantias sociais, quando a fronteira social entre os que tem e os que não tem  transfere-se para o Judiciário e converte-se, sobre os mesmos tapumes, em uma fronteira constitucional, com uma leitura seletiva da Constituição que exclui os direitos sociais e percebe apenas os direitos individuais.
O estado de São Paulo tem protagonizado uma política de “logística dos problemas sociais”, ou seja, ao invés de promover políticas públicas optou por remover as pessoas que encarnam esses problemas, basta lembrar a retirada dos albergues do centro da cidade para que os mendigos não estragassem a paisagem e a impossibilidade de circulação de viciados na Cracolândia. No caso da expulsão no Bairro Pinheirinho, o governo municipal tomou uma medida fantástica: distribuiu passagens de ônibus para que os “problemas”, quer dizer, os moradores do loteamento irregular, fossem embora. Poderiam até pegar carona com o pessoal da Cracolândia em busca de um lugar para aqueles que a sociedade julgou inconvenientes, tratando-os como se a ela não pertencessem!
O Direito e o Judiciário não podem ser caudatários de uma sociedade que almeja cindir de um lado os que têm dos que não têm. Nossa Constituição não anui com medidas como essa, diante disso torna-se necessário estabelecer judicialmente a resistência constitucional.


Samuel Mânica Radaelli - GEDIS

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