Concordo: bandido mata cidadão. E bandido merece apanhar,
sofrer, padecer na prisão por longos anos – de preferência, que a prisão seja
suja, superlotada, fria, de forma a fazer com que o bandido pague com seu
sangue o sofrimento social por ele causado...
...e é justamente por isso que bandido mata cidadão.
Quando usamos a expressão “bandido” (ou “vagabundo” ou
demais atributos análogos) para qualificar uma pessoa, automaticamente matamos
um cidadão: o qualificado passa de sujeito de direitos a sujeito de punições.
Simplificando: ele deixa de ser um integrante da sociedade (um cidadão) para
fazer parte de um rol de “bandidos” que não devem ter direitos, apenas deveres
e sofrimentos. Por isso reitero: “bandido” mata “cidadão”.
O bandido e o cidadão não podem ser a mesma pessoa, muito
embora, na realidade, o são. Se alguém cometeu um erro ou foi acusado da
prática de um crime (em geral aqueles condenados pela mídia), entra em cena um
estado de exceção para essa pessoa: torna-se uma vergonha até para o advogado
defendê-lo (muito embora seja exatamente essa a função do defensor penal), que
dirá para o juiz deixar de concordar com a mídia e absolver o pré-condenado. Um
disparate.
É importante lembrar às pessoas que vivemos em uma
democracia, e isso quer dizer, inclusive, que todos têm seus direitos
previamente fixados por uma lei votada por representantes eleitos pelo sufrágio
popular. Todos. É justamente por isso que a legislação prevê inclusive sanções
para aqueles que praticarem atos ilícitos. Não dá para punir de qualquer jeito.
Assim, é importante que as pessoas reflitam sobre os efeitos
do uso da linguagem: quando afirmamos que alguém é “bandido”, inconscientemente
somos levados a esquecer que se trata na verdade de um cidadão que fez algo
contrário à lei. Esquecemos do cidadão quando lembramos do “bandido”: uma coisa
não coexiste com a outra. Assim, nós matamos o cidadão quando o chamamos de
“bandido”.
E voltamos assim à máxima: “bandido” mata “cidadão”.
Atuemos nós também no fortalecimento da democracia,
ampliando o conceito de cidadania e possibilitando, então, um debate mais
racional sobre a sociedade. Nossas palavras matam, esquartejam, segregam, aniquilam.
Será que você, que se diz “cidadão de bem”, sem saber não está matando cidadãos
e fazendo nascer bandidos?
Luís Henrique Kohl
Camargo - Gedis