sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Bandido mata cidadão

Concordo: bandido mata cidadão. E bandido merece apanhar, sofrer, padecer na prisão por longos anos – de preferência, que a prisão seja suja, superlotada, fria, de forma a fazer com que o bandido pague com seu sangue o sofrimento social por ele causado...

...e é justamente por isso que bandido mata cidadão.

Quando usamos a expressão “bandido” (ou “vagabundo” ou demais atributos análogos) para qualificar uma pessoa, automaticamente matamos um cidadão: o qualificado passa de sujeito de direitos a sujeito de punições. Simplificando: ele deixa de ser um integrante da sociedade (um cidadão) para fazer parte de um rol de “bandidos” que não devem ter direitos, apenas deveres e sofrimentos. Por isso reitero: “bandido” mata “cidadão”.

O bandido e o cidadão não podem ser a mesma pessoa, muito embora, na realidade, o são. Se alguém cometeu um erro ou foi acusado da prática de um crime (em geral aqueles condenados pela mídia), entra em cena um estado de exceção para essa pessoa: torna-se uma vergonha até para o advogado defendê-lo (muito embora seja exatamente essa a função do defensor penal), que dirá para o juiz deixar de concordar com a mídia e absolver o pré-condenado. Um disparate.

É importante lembrar às pessoas que vivemos em uma democracia, e isso quer dizer, inclusive, que todos têm seus direitos previamente fixados por uma lei votada por representantes eleitos pelo sufrágio popular. Todos. É justamente por isso que a legislação prevê inclusive sanções para aqueles que praticarem atos ilícitos. Não dá para punir de qualquer jeito.

Assim, é importante que as pessoas reflitam sobre os efeitos do uso da linguagem: quando afirmamos que alguém é “bandido”, inconscientemente somos levados a esquecer que se trata na verdade de um cidadão que fez algo contrário à lei. Esquecemos do cidadão quando lembramos do “bandido”: uma coisa não coexiste com a outra. Assim, nós matamos o cidadão quando o chamamos de “bandido”.

E voltamos assim à máxima: “bandido” mata “cidadão”.

Atuemos nós também no fortalecimento da democracia, ampliando o conceito de cidadania e possibilitando, então, um debate mais racional sobre a sociedade. Nossas palavras matam, esquartejam, segregam, aniquilam. Será que você, que se diz “cidadão de bem”, sem saber não está matando cidadãos e fazendo nascer bandidos?



Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis

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