Fomos ensinados a considerar as pessoas conforme seus méritos. Também fomos ensinados a visualizar mais o resultado do que o processo. Realmente, a vida fica muito mais simples desse jeito: basta você ver um grande empresário, nele você vê um grande homem ou uma grande mulher. Você vê um juiz, um promotor, um rico fazendeiro. Pessoas que de certa forma são exemplo para os demais. Muito provavelmente são pessoas que se esforçaram muito para estar onde estão, afinal, mesmo que o sujeito receba tudo de herança, ainda assim a manutenção e reprodução da riqueza exige, de fato, habilidade e esforço. Veja: isso é só o resultado.
O processo que leva até o resultado embasa aquilo que chamamos de “mérito”. No entanto, costumamos tratar o mérito de uma forma míope: consideramos o mérito apenas um produto da vontade. Isso não corresponde à realidade. O mérito surge a partir de uma delicada equação entre vontade e estrutura.
O primeiro elemento dessa equação, ou seja, a vontade, surge a partir da condição de liberdade do homem. Dentro de cada ser humano há um ponto inalcançável, indomável, e esse ponto é a liberdade. Escravos que fugiam para os quilombos em busca da liberdade agiam assim porque já estavam em processo de libertação. Escolheram a fuga. Por outro lado, a liberdade faz-nos responder por nossos atos, de forma que somos responsáveis por tudo aquilo que é fruto de nossa escolha.
Portanto, se o sujeito não tem vontade de estudar, obviamente responderá por sua negligência e estará fadado a profissões que não envolvam o intelecto. Em nossa sociedade, esse sujeito geralmente é marginalizado e destinado aos trabalhos mais precários e mais miseráveis. Achamos isso justo porque se acredita que o sujeito não teve o “mérito” de atingir uma posição social superior. Faz sentido, mas é insuficiente.
Insuficiente porque existe o outro lado da equação: a estrutura. Costumamos esquecer que não escolhemos o útero em que fomos concebidos, e isso faz toda a diferença em nossas vidas. Há quem nasça nos cantos mais pobres, desconhecem seus pais e estudam nas piores escolas. Há quem nasça em lugares refinados, numa família tradicional cuja cultura é pautada no estudo e na reflexão. Obviamente, cada uma dessas crianças absorverá uma cultura diferente, e isso influencia suas escolhas. Por exemplo: é mais provável que a primeira criança tenha mais dificuldade do que a segunda em questões intelectuais, por uma série de fatores: dificuldade para disciplina nos estudos, dificuldade de assimilação pela ausência de conteúdos básicos, dificuldade decorrente da falta de costume ou de convivência com outras pessoas que têm o mesmo objetivo etc.
Lógico que existem aqueles que saem dos lugares mais improváveis, mais pobres e miseráveis, e com muito esforço atingem uma posição social de prestígio. Há também aqueles que nasceram com toda a estrutura, mas que não tiveram êxito em seus planos. No entanto, a estatística mostra que essas pessoas são exceções. Mesmo porque, para atingir um mesmo objetivo, a força de vontade exigida daquele que tem menos estrutura é muito maior do que o esforço exigido daquele que tem mais estrutura.
Intencionalmente, essa balança é esquecida, vingando no lugar dela uma equação mais simples que envolve apenas “força de vontade”. Acontece que “força de vontade” por si só não faz nada, nem leva ninguém a lugar nenhum.
Se você não acredita, lanço um desafio: se teu filho está numa escola particular, matricule-o na escola pública, de preferência uma de pior qualidade, para que ele mostre para você o que faz apenas com sua “força de vontade”. Pare de incentivá-lo na leitura, no estudo, na disciplina. Deixe-o fazer por si só. Dessa maneira, será mais fácil observar o resultado da “força de vontade” sem a influência da “estrutura”.
Acredito que a maioria não aceitará o desafio, nem mudará de opinião. Afinal, é muito mais simples – e vantajoso, para alguns – visualizar apenas o resultado, e não o processo que leva até ele.
Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis