Semana passada, o Supremo Tribunal Federal (o mesmo que
julgou o mensalão) reconheceu pela primeira vez na história o direito de adoção
por casais homossexuais. Até então, o Brasil contava apenas com decisões de
juízes de primeiro grau decidindo dessa forma. A tendência é que essa decisão
desencadeie um efeito cascata no Brasil inteiro, vinculando todos os juízes a
decidirem dessa mesma forma.
Mas toda boa novidade não pode vir desacompanhada dos bons e
velhos jargões reacionários, aquela argumentação solipsista (e não raro
recalcada) daquele sujeito que coloca seus valores e crenças à frente dos
direitos da outra pessoa.
É possível prever alguns argumentos assim. Vamos lá.
1) O argumento pedagógico: "as crianças criadas por
homossexuais aprenderão que homossexualismo é certo e tenderão assim a serem
homossexuais também no futuro" – ora, se fosse assim os homossexuais nem
existiriam, pois afinal o que eles aprenderam com os casais heterossexuais de
onde vieram? Na verdade, seguindo esse raciocínio, dramática mesmo seria a
situação de quem foi criado só pelo pai ou só pela mãe: sem dúvida essa pessoa
aprende que o certo é viver sozinho e não ter relações com outras pessoas.
Morre virgem.
2) O argumento religioso: "a família criada por deus é
homem e mulher" – ok, e quem não acredita nisso, como fica? E quem não
acredita em deus? E quem acredita em Zeus, um deus fanfarrão que teve várias
paixões? Você, mulher, concordaria que seu marido tivesse várias esposas caso
ele acreditasse no alcorão? Pensando assim, teria que ter um modelo de família
para cada crença. Mas não, adoção não é religião, pois o Estado é laico. Uma
coisa é crença, outra é direito. Não há respaldo jurídico nenhum para que uma
crença religiosa por si só limite um direito, tanto mais quando se trata de uma
questão tão íntima quanto aquelas relativas às famílias.
3) O argumento pseudo-protetor: "a criança adotada por
homossexuais sofrerá preconceito na escola" – se pensarmos assim, o
correto seria evitar que as crianças com deficiência saíssem em público, porque
elas também são alvo de preconceito por parte de alguns. Casais de gordos e
feios, então, adotar nem pensar: imagina quanto bullying sofrerá a criança!
Obviamente o raciocínio está errado. Quem deve ser punido é quem pratica, não quem
sofre, o preconceito.
4) O argumento malthusiano: “se o homossexualismo for
aceito, não haverá mais reprodução (pois só reproduz homem com mulher) e assim
a sociedade acabará” – muita calma nessa hora, champs. Quer dizer que a partir do momento em que as pessoas
tolerarem conviver com homossexuais, todo mundo automaticamente será
homossexual? Acho pouco provável... (segue um conselho amigável a quem pensa
assim: vai ver com um especialista isso, resolve essa pendência e seja feliz!).
Fosse seguir esse pensamento, o correto seria extinguir o celibato dos padres:
vai que essa moda pega e ninguém mais queira fazer sexo. Não vamos mais
reproduzir. Acabou.
5) O argumento tradicionalista: “sempre foi: homem e mulher”
– para a pessoa que pensa assim bastaria ler “O Banquete”, de Platão: relatos
de banquetes regados a filosofia, bebidas e orgia – só entre homens. Lá no
tempo de Jesus os romanos também eram, digamos, bastante liberais em relação à
homossexualidade masculina. Então não, não foi sempre homem e mulher.
Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis
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