quarta-feira, 22 de abril de 2015

A tragédia nossa de cada dia

Os xanxerenses passaram o feriado do dia 21/4/2015 recolhendo os destroços de suas casas. Na segunda-feira, 20/4/2015, um tornado devastou praticamente 30% de Xanxerê.

Vi muitas pessoas trabalhando em prol daqueles que sofreram a destruição. Outros, que não estavam fisicamente lá, também auxiliaram com doações. Em momentos assim é possível perceber a solidariedade humana, nossa capacidade inata de reconhecer e compadecer-nos com os problemas de nossos semelhantes. Na tragédia, as diferenças pessoais, ideológicas e de classe são momentaneamente esquecidas e em lugar dela parece surgir um instinto de fraternidade, uma vontade de ajudar simplesmente por ajudar, sem nada esperar em troca. No riso e no choro sentimos mais intensamente o outro, e aí a conversa muda de tom. Ocasiões assim são importantes para a gente perceber a condição de fragilidade e também a beleza do ser humano.

Mas não apenas de grandes tragédias sofre o homem. Há também aquelas tragédias invisíveis, que embora façam sofrer tanto quanto (ou mais do que) perder uma casa, não reúnem a mesma carga de solidariedade que o tornado foi capaz de reunir. É importante refletir por que não percebemos as tragédias diárias sofridas pelo outro, julgando-nos uns aos outros apenas com nossos preconceitos, quase sempre baseados em um conhecimento superficial sobre os fatos. Nem sequer sabemos quem o outro é e já nos rogamos capazes de afirmá-lo merecedor dos piores sofrimentos.

Por exemplo: um adolescente perde o pai aos 13 anos de idade. Uma criança de 8 anos é sexualmente abusada pelo seu tio. Um pai perde o emprego em uma demissão massiva. Uma mãe vê-se obrigada a auxiliar o crime organizado para proteger seu filho que está preso. O filho, que está preso, no passado tinha dificuldades de aprendizado e não foi compreendido em sua escola. O professor, com pouca estrutura material e emocional para trabalhar, não consegue dar atenção aos problemas de todos os seus alunos... e por aí vai.

Uma tragédia silenciosa atinge essas pessoas. Mas por que razão não levamos suas tragédias pessoais em conta quando nos deparamos com um erro cometido por eles? Por que queremos puni-los mais e mais precocemente?

Minha leitura é de que primeiro: essas tragédias não são percebidas pela sociedade; segundo: elas não são percebidas porque o discurso de ódio e a lógica retributiva da vingança nos fazem cegos ante a realidade dessas pessoas. Lidamos com esses sujeitos como se eles estivessem em situação de igualdade com os demais, mas não estão. Eles precisam de atenção e se a sociedade não souber dar a devida atenção a eles, a bomba pode estourar em nossas mãos.

Meus sinceros sentimentos a todos que sofreram nesse vendaval. Dizer que o que importa de fato é estarmos vivos (embora existam mortos e feridos dessa segunda) é verdadeiro, mas insuficiente. Há um sentimento de dor muito agudo e traumático ao ver destruído aquilo que foi fruto de nosso trabalho, aquilo que nos abrigou por tanto tempo. Um pouco dessas pessoas foi levado embora também.

Todavia, caros leitores, convido-os a, em meio aos destroços, refletir: esperar de quem sofre a tragédia da fome, da miséria, da pobreza, o mesmo controle emocional do que aqueles que não passaram por isso, esperar que “eles se virem sozinhos”, a meu ver é tão equivocado quanto deixar de ajudar esses xanxerenses que perderam suas casas no vendaval, sob o argumento de que “eles podem se virar sozinhos”.

Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis

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