segunda-feira, 2 de novembro de 2015

A redação do Enem e a violência contra a mulher

O tema da redação do Enem 2015 foi “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. Em muito boa hora: na quarta-feira passada, dia 21/10/2015, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou a proposta de lei que visa dificultar o acesso à pílula do dia seguinte e a tratamentos abortivos, mesmo às mulheres que foram estupradas.

A violência contra a mulher está tão infiltrada em nosso cotidiano que, muitas vezes, nem sequer a percebemos. Já estamos tão acostumados que essa triste realidade tornou-se um simples detalhe de plano de fundo da sociedade.

Por incrível que pareça, estamos acostumados com a cultura do estupro. Chegamos a aconselhar nossas meninas a vestirem-se de certa forma que não atraia olhares e desejos de estupradores em potencial. Mas vamos além: culpamos aquela moça que transgrediu essa regra, afinal, minissaia, sozinha à noite é igual a “pedir para ser estuprada”.

Estamos acostumados com o terceiro turno feminino. A mulher trabalha, estuda, volta para casa e precisa cuidar dos filhos e fazer comida para si, para as crianças e... para o marido! Isso ainda é uma realidade em muitas famílias, mas não deixa de ser uma violência contra a mulher.

A mulher é assediada no trabalho, na rua, na universidade, na escola. Afinal, temos como normal que o homem tenha mais desejo sexual do que a mulher. O desrespeito é normal, o constrangimento feminino é normal, a crueldade logo passa a ser normal. Mas, não satisfeitos com esse vergonhoso contexto social, novamente vamos além: orientamos as mulheres a “não dar mole”, a “cuidar suas condutas”. Castramos as mulheres, fazendo-as duplamente vítimas: a uma, porque foram vítimas do assédio; a duas, porque não se comportaram da forma adequada para evitar o assédio!

A violência contra a mulher vai além da agressão física. Aliás, essa é apenas a ponta de um gigantesco iceberg. Ela está em nosso dia-a-dia, principalmente no dia-a-dia das mulheres. Ela atua contra a sexualidade da mulher, contra o comportamento da mulher, contra a identidade da mulher, contra o trabalho da mulher, contra o corpo da mulher.

Como se não bastasse, alguns sujeitos morbidamente instalados na Câmara dos Deputados decidiram ajudar: resolveram dificultar ainda mais a vida da mulher – veja, e não de qualquer mulher, mas da mulher vítima, a mulher estuprada, a mulher em crise. Em nome de uma bancada pseudo-religiosa, os direitos das mulheres são novamente alvejados.

A ala conservadora vem conseguindo atingir seus objetivos: conservar a triste, humilhante e sofrida realidade da mulher brasileira na atualidade.

Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis

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