Em todo Natal, e não diferente foi no Natal passado, fala-se muito em solidariedade, em auxiliar os mais necessitados e em direitos iguais. Engraçado que, em meio ao clima de fraternidade, vários empresários de Xanxerê cobravam do Sr. Prefeito a defesa de um abaixo-assinado secreto (sim, secreto!) contra uma das parcelas mais vulneráveis de nossa sociedade: os catadores de lixo.
Antes de mais nada: ouvir-se falar em abaixo-assinado secreto (no caso, um documento que supostamente existe, mas que não é acessível à população), em pleno século XXI, é ao mesmo tempo a afirmação do absurdo e a negação da democracia.
Enfim, o tal documento foi organizado para pedir que as associações de catadores não se localizassem num loteamento industrial (registrado como tal). A desculpa é que seria poluente – tanto quanto algumas industrias em área residencial, que causam incômodo. Contudo, como estas últimas não são de pessoas de baixa renda, podem continuar (permanecer).
É necessário esclarecer que a atividade de triagem não é poluente. Ela nem exige licenciamento ambiental, porque não lava material nem processa, só separa e embala o que vem das casas dos xanxerenses (material reciclável doméstico, que não pode ser poluente). O tacanho abaixo-assinado secreto defendido em plena véspera de Natal demonstra que igualdade e solidariedade, para alguns que têm poder, são palavras somente para poucos dias do ano e somente para seus pares.
É uma história que se repete: em detrimento dos pareceres técnicos favoráveis aos catadores e de quem trabalha com a especificidade há anos, os políticos administradores preferem atender interesses de particulares ou de assessores que de regra em 4 anos ou menos estarão fora da administração. Mas o ônus é duradouro e fica para cidade, em prejuízo da maioria da população.
Os xanxerenses assistem a história repetir-se desde a Vila União, passando pelo bairro Santa Cruz, Colina Verde, o terminal urbano construído sobre o rio Xanxerê (que atualmente está no local onde os técnicos haviam indicado), a área inadequada comprada para loteamento residencial popular que teve que ser transformado em loteamento industrial... assim, sucedem-se os erros dos que se acham iluminados e acima dos conhecimentos técnicos.
Esses iluminados, agora, buscam respaldo por meio de um abaixo-assinado secreto para prosseguir no mesmo erro. Antes, queriam colocar os catadores em um local distante, sobre um antigo lixão e depósito de dejetos (área já rejeitada pelos protetores dos pequenos animais por ser inadequada). Segundo os iluminados, “é um local bom de mais para os catadores”.
Mas, como nenhum técnico humano aceitaria aprovar um licenciamento para colocá-los sobre um depósito de fezes (técnicos desumanos talvez aceitassem), então os iluminados decidiram só colocá-los longe. Não adianta explicar que a atividade de triagem não é poluente, que os catadores são seres humanos de baixa renda, que nos intervalos costumam ir dar uma olhada nos filhos e na casa (pois, por incrível que pareça aos iluminados, os catadores também têm filhos, família, casa!), que é um ofício pesado que poucos além dos catadores estariam dispostos a fazer pela miséria que ganham... mas não, ainda é maior o desprezo pelos argumentos técnicos, pelo conhecimento e principalmente pelos catadores; tão grande que um absurdo abaixo-assinado secreto serve de argumento para isolá-los.
Porque se assinaria algo e se pediria para que ficasse secreto? Boa questão para quem assinou.
Erros se cometem, e persistir no erro? Os empresários (aqueles do abaixo-assinado secreto), já que se consideram mais competentes que os catadores, poderiam auxiliá-los para serem melhores ainda que os de Chapecó e Xaxim, que contam com várias associações de catadores funcionando em área urbana consolidada (consolidada porque, em Xanxerê, sem imposto progressivo, pastagem pode ser área urbana por décadas e isolar o que é área urbana consolidada).
No Natal, enquanto alguns empresários moviam-se para fazer valer o tal abaixo-assinado, os catadores trabalhavam, pagando aluguel num local sem luz e sem água. A Administração Municipal, por sua vez, entende que deve ajudar só se quiser, a despeito da lei Federal da política nacional de resíduos sólidos 12305/2010 e o decreto 7.404/2010, que a regulamenta, e a lei municipal 3739/2010. Para o Poder Público, as duas associações de catadores recebendo um total de 3 mil reais por mês (suficiente somente para pagar o aluguel do barracão - sem água e sem luz) já está de bom tamanho e, no mais, os catadores teriam que se virar. Na visão do Poder Público, auxílio técnico que viabilizasse a renda de um salário mínimo é uma coisa que catadores não podem precisar.
Seria bom perguntar por que um cargo de confiança (um só) tem que receber mais do que as duas associações recebem para separar todo material da coleta seletiva de Xanxerê? Como o ex-presidente Lula sempre falou, é de conhecimento público caixa dois em administrações públicas – mas tanto para uns e tão pouco para outros? Dois pesos e duas moedas: uns tem que se virar, outros podem receber sem merecer o mesmo dinheiro público?
A justificativa apresentada: as associações recebem pouco porque os catadores não tem formação. Ora, se os catadores não tem formação, para qualquer bom entendedor, de espirito humano e solidário, logo precisam de auxílio técnico – o que ajudaria a esclarecer inclusive aos mentores e assinantes do abaixo-assinado secreto.
Os mesmos empresários, administradores, políticos e politiqueiros que, em “época de solidariedade”, assinaram ou utilizaram o tal abaixo-assinado secreto deveriam mesmo é prestar auxílio aos catadores, para que a atividade (que, repetimos, nem exige licenciamento ambiental) funcionasse de forma adequada e digna aos catadores, como em outros municípios com maior senso de humanidade.
P.s.: Após o acidente com mais um catador/carroceiro neste mês (e haviam crianças tanto na carroça do acidente da Av. Brasil quanto no acidente próximo ao Vegetariano) a pergunta que fica: “os que tem poder (político, administrativo, legislativo, judiciário) estão esperando morrer mais alguém para efetivar a melhoria das condições de trabalho dos catadores para que seja mais vantajoso para eles permanecerem nas associações de catadores do que nas ruas?”
Gedis