Segundo dispõe a nossa Constituição Federal, a pena de morte é
proibida, exceto em caso de guerra declarada. Assim, pode-se afirmar
que, por imposição constitucional, entre as penas previstas para os
diversos crimes, não há a de morte.
Contudo, há de se indagar: a proibição constitucional é suficiente para tornar inexistente a pena de morte no Brasil?
Antes
de dar essa resposta, é preciso que fique claro que, na sociedade
capitalista, o Direito Penal possui uma função política marcante:
garantir a desigualdade de classes. A relação econômica de poder entre,
de um lado, os proprietários do capital e, de outro, os detentores da
força de trabalho, é garantida pelo Direito Penal. As classes
hegemônicas encontram no Direito Penal a garantia de continuar
ostentando sua posição de superioridade, que é marcada pela extração da
mais-valia, anulando a resistência dos oprimidos. Desse modo,
“Fundamentalmente, isto é, do ponto de vista puramente sociológico, a
burguesia assegura e mantém o seu domínio de classe mediante seu sistema
de Direito Penal, oprimindo as classes exploradas” (PACHUKANIS, E. B.
Teoria Geral do Direito e Marxismo. São Paulo: Editora Acadêmica, 1988,
p. 123).
É claro que a lógica formal do Direito busca camuflar
essa relação de poder político e econômico, já que estrutura o Direito
Penal sobre valores declarados universais, tais como a liberdade, o
patrimônio, a vida etc. No entanto, um olhar mirado para a realidade
concreta é capaz de espancar qualquer dúvida sobre a seletividade penal.
A criminalização primária (leis que preveem crimes e penas) elege, no
mais das vezes, bens jurídicos que interessam à classe hegemônica – não é
por outro motivo que o patrimônio é objeto da maioria dos crimes,
justamente em uma sociedade tão desigual como a nossa, em que poucos
possuem quase tudo, em termos de patrimônio e poder econômico –. A
criminalização secundária (atuação concreta do Sistema Penal na apuração
de crimes e respectiva responsabilidade) também possui como alvo a
classe baixa da sociedade. O Sistema Penal (Polícias, Ministério Público
e Judiciário) concentra sua atuação para a criminalização da pobreza
(basta ver as inúmeras operações realizadas em bairros pobres e
favelas, com a utilização do exército, inclusive). Claro, de tempos em
tempos, apura-se um ou outro crime de “colarinho branco”, para convencer
a opinião pública do (ilusório) tratamento igualitário do controle
penal.
Dito isso, é preciso situar a pena de morte nesse cenário.
Apesar de inexistente no processo de criminalização primária (afinal,
não existe crime prevendo essa pena e eventual lei nesse sentido seria,
por óbvio, inconstitucional), é uma constante inegável na criminalização
secundária. Exemplo emblemático é a matança descontrolada praticada
pela Polícia, que invade becos e favelas com propósito bem definido.
Segundo a Anistia Internacional, “em 2011, o número de mortes por atos
de resistência apenas no Rio de Janeiro e São Paulo foi 42,16% maior do
que todas as penas de morte executadas, após o devido processo legal, em
20 países”
(http://www.folhasocial.com/2013/07/policia-brasileira-e-que-mais-mata-no.html).
Quem não se recorda da recente reportagem divulgada pela mídia em que a
Polícia persegue um automóvel com um helicóptero e deflagra inúmeros
disparos de arma de fogo, eliminado a vida do ocupante do veículo
(suposto traficante).
Mas não é apenas a eliminação da vida pelos
agentes estatais que permite concluir pela existência da pena de morte.
O que ampara essa conclusão é a chancela do Estado a essa prática.
Muitas vezes, não se apura a responsabilidade penal dos agentes estatais
que eliminam vidas. A Polícia, que deveria investigar, registra
homicídios praticados por seus integrantes como “autos de resistência”,
sem qualquer respaldo jurídico. O Ministério Público, incumbido de
fiscalizar a atuação policial, por falta de estrutura ou de interesse,
falha nessa função, ou, quando não, promove pelo arquivamento de
eventual inquérito policial (o que dá na mesma), que, infelizmente, é
deferido pelo Judiciário.
A atuação do aparelho estatal no
sentido de acobertar esses crimes de homicídio (inexistência de
persecução penal – responsabilização penal dos agentes/autores)
legitima, por via oblíqua, a morte de pessoas. Trata-se, pois, de
incorporação concreta da pena de morte ao controle social penal
brasileiro, que tem alvo certo: a força de trabalho excedente (o que
explica a eliminação de tantos traficantes, os quais, como
sabido, não se sujeitam ao trabalho assalariado, economicamente menos
vantajoso que o comércio de drogas), conforme ensina Juarez Cirino dos
Santos: “[...] titulares desses bens jurídicos pertencentes aos
contingentes marginalizados do mercado de trabalho, sem função na
reprodução do capital (a força de trabalho excedente das necessidades do
mercado), não são protegidos nem como sujeitos, nem como objetos: são
destruídos ou eliminados pela violência estrutural das relações de
produção, ou pela violência institucional do sistema de controle social,
sem consequências penais” (Manual de Direito Penal: parte geral. 2 ed.
Florianópolis: Conceito Editorial, 2012, p. 6).
Cleiton Luis Chiodi - GEDIS
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