Está chegando o natal. O espírito natalino espraia-se pelas
ruas iluminadas. Pessoas abraçam-se enquanto fazem suas compras, felizes. Fora
isso, aquela velha e simpática Zélia Duncan a cantar “então é natal”.
Nessa época, as lojas ficarão abertas até mais tarde.
Poderemos, assim, satisfazer nossa estranha ânsia de comprar. Afinal, nessas
datas, é basicamente assim que demonstramos afeto: comprando presentes.
As lojas, abertas até mais tarde, naturalmente abrigam
empregados que, por sua vez, também trabalham até mais tarde. Enquanto as
pessoas passeiam com suas famílias, esses empregados, felizes, trabalham sem
suas famílias: o tempo em que estão dentro das empresas é furtado do convívio
com seus entes queridos. Tudo em nome do espírito natalino.
Ouvi alguém do sindicato patronal dizer que “essa é uma
época de safra para patrões e empregados”. Isso até seria real caso o empregado
não soubesse do real risco de perder seu emprego caso não aceitasse trabalhar
até mais tarde. Praticamente todos os trabalhadores sabem que o minguado valor
da hora extra (quando pago!) não vale a exaustão física e mental dessa época, o
estômago afetado pela petulância dos compradores cheios de espírito natalino e
os filhos que já estão dormindo quando finalmente se chega em casa. Na verdade,
não há safra, há apenas submissão às circunstâncias impostas pelo espírito
natalino.
Em tempos normais, a condição (já precária) dos empregados
teria pelo menos um horário limitado, razoável: o comércio pode atender ao
público apenas em horários fixados pelo município, e os limites são traçados
geralmente por meio de acordos com associações que representam cada ramo do
comércio. No natal, o espírito natalino impõe condições ainda piores aos
trabalhadores. É o preço do sorriso do cliente... e do patrão.
Neste natal, você vai reunir sua família, vai jantar, comer
e beber, mas não sem antes ir à igreja para ouvir a história daquele sujeito
que nasceu para se sacrificar pela humanidade (sacrifício do “eu” pelo
“outro”), ensinou a estar junto dos pobres e daqueles que precisam de ajuda, a
ser puro como as crianças, a compartilhar o pão e a doar uma túnica caso tu
tenhas duas. Logo após a missa, tu vais enfim comer, beber e discursar, e
também ouvirá aquele teu tio chato dizendo que “bandido bom é bandido morto”,
“pobre é na verdade um incompetente preguiçoso”, “pena de morte é o que falta
neste país”, “fosse dar trabalho para essas crianças, elas não estariam matando
e roubando”, “dar esmola incentiva a vadiagem” etc etc etc.
O detalhe é que esse teu tio também foi à missa.
Neste natal tu darás presentes e ganharás presentes. Vais
comprar, rezar e amar. Vais ouvir tanta coisa boa, coisas puras que não ouviste
no resto do ano – tu não continuarás a ouvir essas coisas puras e boas no
restante do ano. Agora é espírito natalino, amigo. Fora isso, a vida continua
sendo batalha, luta, conquista. Seja esperto ou morra.
Parece que não somos nós quem escolhe quando será espírito
natalino e quando será luta de todos contra todos.
Então, feliz natal e próspero ano novo.
Por fim, fica a mensagem do Gedis para este glorioso final
de ano: a hipocrisia é uma maneira delicada de se esconder a opressão.
Boas festas.
Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis