sexta-feira, 29 de julho de 2011

A Ditadura entre particulares: o caso da proibição de o empregado usar barba

Passados mais de vinte anos desde a promulgação da Constituição brasileira, ainda não se criou uma cultura constitucional, necessária para alterar não apenas as relações entre indivíduo-Estado, mas também as existentes entre indivíduo-indivíduo ou as que permeiam indivíduo-pessoa jurídica (ver a teoria da eficácia horizontal dos direitos e garantias fundamentais). É nas relações de poder entre privados que, não raro, permanece viva e pujante uma certa Ditadura, porquanto muitos direitos e garantias fundamentais tem aplicação rechaçada.
Paira uma certa concepção de que muitas relações privadas estão imunes da incidência dos preceitos normativos  constitucionais, principalmente daqueles que não são repetidos pela legislação infraconstitucional, revelando a crise de baixa constitucionalidade que assola o cenário jurídico no Brasil.
Nas relações privadas, observa-se que, na prática, prevalece o estabelecimento de regras criadas segundo critérios de legitimidade impostos pelo Mercado Econômico. Isto está expressamente estampado em alguns aspectos que envolvem relação entre empregado e empregador (apenas para ficar nesta seara), em que o último, no mais das vezes, toma uma postura agressiva sobre os direitos do primeiro, de tal modo que as exigências feitas ultrapassam em muito o objeto do contrato de trabalho subordinado, em evidente manifestação de autoritarismo.  
Exemplo disso – e haveriam muitos outros para serem aqui relatados – é a vedação de o empregado usar barba, principalmente imposta pelas instituições financeiras. Evidentemente que essa imposição extrapola o poder diretivo do patrão, pois implica supressão dos direitos de imagem e liberdade do empregado. Na mesma senda, pode-se inferir que o uso de barba é também uma forma de manifestação ideológica, filosófica ou política, asseguradas pela Constituição Federal de 1988. A proibição de usar barba, portanto, representa violação da Carta da República.
Por outro prisma, apresenta-se cristalino que o empregador age como se fosse o titular de tais direitos e tivesse liberdade para decidir segundo seu alvitre.  É como se o empregado fosse parte integrante de seu patrimônio, e não sujeito de direitos e garantias. Há, sem dúvida, uma supressão desses preceitos fundamentais, que constituem a própria dignidade humana do trabalhador, e, pois, de uma Ditadura impiedosa (mormente em face do proletariado).
A conveniência do Mercado não poder legitimar tais abusos. Ao reverso, é aquele e as relações que lhes são correlatas que devem sofrer verdadeira reviravolta de paradigmas, adequando-se ao Direito, primordialmente à Constituição.
O que gera mais perplexidade, entretanto, é que, salvante raras exceções, o próprio Estado chancela tais práticas autoritárias, o que se dá até mesmo pelo Judiciário, que é tímido em assegurar a eficácia (e ela deve ser máxima) da Constituição, mas não recalcitra em aplicar as “leis do Mercado”.
Foi o que aconteceu com decisão sobre a situação trazida a lume proferida pelo TRT 5 (Bahia), da qual, colhe-se o seguinte trecho:
''Não se pode negar ao empregador, em razão do seu poder diretivo, o direito de impor determinados padrões, de exigir dos seus empregados certa forma de se conduzir no ambiente de trabalho e de se apresentar para o público externo do banco, seus clientes, inclusive no que diz respeito ao asseio e à aparência geral, incluindo a roupa que veste e, também, o fato de estar usando ou não barba, bigode, cavanhaque e costeletas.”(http://www.trt5.jus.br/default.asp?pagina=noticiaSelecionada&id_noticia=19654).
Isso não é Democracia!
Ora, como pode se preferir os “padrões” impostos pelo empregador e pelo próprio Mercado em prejuízo dos padrões normativos constitucionais (de respeito aos direitos fundamentais antes elencados), eleitos pelo povo? Que concepção de supremacia constitucional é essa que cai por terra para o fim de manter uma “boa” apresentação “ao público externo do banco”?  
Claro! O que importa é a aparência, principalmente de que fazemos valer os direitos e garantias fundamentais e que possuímos um Poder Judiciário que cumpre o papel de guardião da Constituição (obviamente que existem juízes e tribunais realmente comprometidos com esse papel republicano, embora componham a minoria), bem como de que não há Ditadura!
Ou mudamos nosso pensamento jurídico para um nível crítico-constitucional ou rasguemos, de uma vez por todas, a Constituição, tão vilipendiada e pouco compreendida (mas não por ingenuidade dos intérpretes)!
Qual é seu ponto de vista?

Cleiton Luís Chiodi - GEDIS

2 comentários:

  1. O que é realmente lastimável é ver o mesmo exemplo que você cita no texto de empregador e empregado convertido para dentro do espaço acadêmico, ou seja, as Universidades, um espaço onde deveria ser fonte de novas idéias, de ampliar conhecimentos, o pensamento crítico-constitucional é concebido por poucos. O senso comum esta presente em todos os debates, e por mais incrível que pareça, na concepção de muitos professores,enfrentar a fúria enlouquecida da maioria não é fácil, tenho saudades de verdadeiros mestres que já se foram...realmente a paciência é uma virtude.

    ResponderExcluir
  2. Ainda não estão garantidos os direitos fundamentais nas relações particulares domésticas. Todavia, no caso de exploração da atividade econômica, temos que conceber que o Estado tem pleno interesse em regular, senão totalmente, ao menos garantindo-se o mínimo de dignidade aos trabalhadores. De fato, já se reconheceu no âmbito do Supremo Tribunal Federal que os ocupantes do espaço social, e aí pode-se incluir os empregadores que se utilizam de força de trabalho alheia para auferir renda, devem observar os direitos fundamentais das pessoas com quem se relacionam.
    Assim, pode-se afirmar que a decisão do Tribunal de Trabalho da 5ª Região está na contramão das conquistas sociais e a norma que construiu para o caso concreto afronta o princípio da vedação ao retrocesso.
    Cleber

    ResponderExcluir