terça-feira, 6 de maio de 2014

#somostodosidiotas



A banana atirada por um torcedor racista e comida pelo jogador Daniel Alves em pleno campo de futebol europeu na semana passada conseguiu produzir notáveis índices de publicidade. Deflagrando uma campanha publicitária (pasmem) previamente arquitetada e aguardando apenas um fato assim para ser disparada na mídia, rendeu tanto a venda de camisetas quanto uma febre de pseudo conscientização das pessoas em relação ao racismo. A “hashtag” somostodosmacacos ardeu em diversos perfis de redes sociais. Rostos sérios em fotos com bananas. A luta contra o racismo. Será?

É preciso refletir onde se esconde o verdadeiro racismo, hoje. Jogadores de futebol que recebem vários milhares de dólares para praticar esporte não devem ser considerados os principais alvos desse fenômeno. Talvez por isso Daniel Alves comeu a banana: na verdade, não havia espaço para constrangimento.

É fato que o racismo, hoje, migrou para lugares cada vez mais escondidos da nossa sociedade. Quero dizer: passou a ser não verbal. Não dá mais para falar escancaradamente em racismo. É crime inafiançável. Não dá para atirar bananas em campos de futebol. É feio. Entretanto, dá para sentir medo porque um negrinho mal vestido está passando próximo de ti na rua. Dá para desconfiar, deixar de contratar, sentir nojo velado. Dá para falar baixinho “é coisa de preto”. Será que atos tão inocentes são capazes de causar impactos significativos na sociedade? Obviamente sim.

Vamos aos dados: o percentual de negros assassinados no Brasil é 132% maior que o de brancos. Em 2013, 73% dos cadastrados no Bolsa Família eram pretos ou pardos. Em 2010, o IBGE conclui que quanto mais rica a pessoa, menos chance tem de ser ela negra. Também mostra que o número de detentos negros é 149% maior que o número de detentos brancos. 60,30% dos negros não procuram a polícia porque não acreditam nela (contra 39,7% de brancos). Por causa dos homicídios, homens negros perdem 1 ano e 8 meses em sua expectativa de vida; os homens brancos, por sua vez, perdem apenas 10 meses nessa conta.

Voltamos às bananas: seriam elas capazes de conscientizar a população em relação ao racismo? Pouco provável.

Há que se reconhecer: a expressão “#somostodosmacacos” é simpática (as fotos com bananas não, essas são de péssimo gosto!). O problema, contudo, é que a aproximação dos homens a macacos-comedores-de-banana, no fundo, faz relembrar um sinal pesado da discriminação racial: a crença de que alguns homens (os negros) seriam “menos humanos” do que os outros (os brancos), por descenderem de “macacos diferentes”. Na história, isso deu um ar científico à discriminação, fazendo os nazistas acreditarem que os judeus eram inferiores e deveriam ser exterminados – junto com os negros.

Dessa forma, reserva-se este texto para este único objetivo: retirar o ar engraçadinho que envolveu as bananas e o racismo, lembrando que o racismo de verdade não tem nada a ver com bananas, mas com miséria, violência e hipocrisia. É preciso politizar o debate e lutar pela afirmação e orgulho da identidade negra e não da invenção publicitária de uma pseudo identidade com macacos.



Luís Henrique Kohl Camargo - GEDIS






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