Há quem fale que o
problema do Brasil é a educação. Concordo – em partes. Explico: concordo só até
o ponto em que não se afirme que a falta de educação é o único e fundamental
problema do Brasil, porque não é.
Existe um mito bastante
difundido (o qual denomino “o mito da bunda na cadeira”), que nada mais é do que
aquele discurso que atribui ao pobre a culpa de ele ser pobre (e logicamente ao
rico o mérito de ser rico). Para sustentar esse discurso, é imprescindível que
essas pessoas saiam por aí falando que “ora, bastava sentar a bunda na cadeira
e estudar”; logo, “é pobre porque não estudou/trabalhou”. Do outro lado, o
óbvio: “é rico porque estudou/trabalhou”. O raciocínio é tão simplista que beira
o absurdo, mas vamos às evidências.
“Sou rico porque
trabalhei bastante”: o fato de que tem muita gente que trabalha muito e não
chega à riqueza desmantela a falácia de que rico é quem trabalha. Na verdade, a
minoria das pessoas que trabalham muito são ricas (inversamente falando: há
muitas pessoas, na verdade a maioria, que trabalham muito, mas não se tornam
ricas). Avançando um pouco na observação, é possível ainda considerar aqueles
que não trabalharam nada ou quase nada na vida, mas cujas quais o patrimônio herdado
lhes proporciona um bom ponto de partida para enriquecer.
“Sou rico porque
estudei”: é possível, claro. De fato, é difícil passar em um concurso para
juiz, promotor ou procurador do Estado sem estudar bastante. Entretanto, esse fato
não convalida o discurso do “quer ser rico? Estude”, não ao menos na dimensão
coletiva. Ora, se todos estudassem bastante, garis deixariam de ser
necessários? Limpadores de fossa, agricultores, faxineiras, caixas de
supermercado, tudo isso deixaria de ter razão de ser caso todos fossem “cultos”?
Evidente que não.
Parece faltar muito
para as pessoas notarem que o problema não é de competição, mas sim de
desigualdade. O patamar ideal não deve ser tomado pela exceção...
...[pausa para a
exceção: “Um jovem do interior do nordeste trabalhava tantas horas por dia em
um canavial para sustentar seus oito irmãos menores. Esse jovem, todos os dias,
religiosamente colhia os livros jogados fora pelos filhos de seus patrões e os
lia, do início ao fim. Com muito esforço e sob muito preconceito esse jovem,
hoje, se formou no curso de medicina, e merece nossos aplausos. Exemplo de brasileiro
que vai à luta”]... fim da exceção. Volta à realidade.
Triste é concordar com
uma sociedade onde as pessoas precisam estudar como animais para se tornarem
seres humanos. Triste é conviver com esse discurso hipócrita da “bunda na
cadeira”, que esquece que a pessoa que estudou ao mesmo tempo se alimentou com
produtos plantados por outra pessoa, vestiu roupas fabricadas por outra pessoa
e mora em uma casa construída por outra pessoa.
Falta a esse sujeito
que fala que estudou bastante e merece um bom salário a capacidade de
reconhecer a dignidade e o esforço daquele trabalhador de base, do pedreiro que
construiu sua casa, da faxineira que limpa seu quarto e do gari que recolhe seu
lixo. Essas pessoas, embora não tenham estudado tanto quanto o médico ou o
juiz, na verdade mereceriam o mesmo salário: não raro o esforço do “pega no
batente” se equipara ao da “bunda na cadeira”. Trata-se de uma ideologia torpe
que faz com que “trabalho” seja limitado ao “intelecto”, justificando assim uma
série de injustiças sociais.
Luís Henrique
Kohl Camargo - GEDIS
* Referência: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/07/culpa-por-voce-ser-pobre-e-totalmente-sua.html
* Referência: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/07/culpa-por-voce-ser-pobre-e-totalmente-sua.html