domingo, 2 de novembro de 2014

Não há democracia no ódio

Acredito seja inerente a qualquer processo eleitoral que os ânimos das pessoas fiquem exaltados. Todavia, o que observamos após o resultado destas eleições é algo mais grave: a propagação de um discurso de ódio contra o diferente.

O ódio é um sentimento natural de todo ser humano. Temos ódio de muitas situações, de muitas pessoas, de muitas circunstâncias: ora de nosso chefe, ora de nossa família, ora do trânsito parado etc. Entendo que o sentimento de ódio, em si, não é direta e necessariamente um problema social, pois seus reflexos são sentidos apenas indiretamente pelo outro (aquele servidor público amargo, aquele cara que xinga todo mundo no trânsito, aquela pessoa que perde rápido a paciência...). O problema é quando o ódio é elevado a nível de discurso.

Elevar o ódio a nível de discurso significa basicamente defender que decisões coletivas sejam tomadas com base no sentimento de ódio (por exemplo: a segregação do nordeste e a intervenção militar). É diferente de simplesmente não gostar da opinião do outro, ou não concordar com ela: até aí, estamos dispostos a dialogar, a aceitar que existem pensamentos diferentes do meu e a conviver com o diferente. Essa disposição não existe quando temos ódio do outro: na verdade, não estar aberto a essa tolerância necessária à convivência é um sinal de que o ódio está tomando conta de nossas ações.

Não dá para sentir ódio sem desumanizar o outro. Aliás, o ódio é um sentimento primário, irracional, que nos retira a capacidade de reflexão e nos tolhe a liberdade. Projetado no exterior, o ódio tenderá somente à destruição do outro. Na política, o ódio proporciona catástrofes já relatadas na história (o nazismo, por exemplo). O ódio nos retira a capacidade de coexistir com o outro.

Mas afinal, quem é o outro? Depende.

Em relação ao que estamos falando, o outro é aquela pessoa que votou no candidato para o qual eu não votei. Não é simplesmente aquele meu amigo que senta na mesa do bar comigo e compartilha de praticamente todos os meus posicionamentos. O outro discorda de mim, não quer o que eu quero.

Uma virtude do regime democrático é que ele é fundado em nossa capacidade de conviver com o outro - mas a recíproca também é verdadeira, ou seja, a partir do momento em que queremos exterminar o outro (ou simplesmente segregá-lo, como é o caso do nordeste), estamos simultaneamente nos segregando da democracia.

Dessa forma, sabendo que o ódio nos afasta do outro, impedindo a convivência, e que essa capacidade de conviver é elemento imprescindível à existência da democracia, sabemos também que o ódio a nível de discurso é uma ameaça à democracia. Nesse contexto, resta-nos, no mínimo, não proferir discursos desse porte e não concordar com a postura segregária, preservando assim a própria democracia.

Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis

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