Acredito seja inerente a qualquer processo eleitoral que os
ânimos das pessoas fiquem exaltados. Todavia, o que observamos após o resultado
destas eleições é algo mais grave: a propagação de um discurso de ódio contra o
diferente.
O ódio é um sentimento natural de todo ser humano. Temos
ódio de muitas situações, de muitas pessoas, de muitas circunstâncias: ora de
nosso chefe, ora de nossa família, ora do trânsito parado etc. Entendo que o
sentimento de ódio, em si, não é direta e necessariamente um problema social,
pois seus reflexos são sentidos apenas indiretamente pelo outro (aquele
servidor público amargo, aquele cara que xinga todo mundo no trânsito, aquela
pessoa que perde rápido a paciência...). O problema é quando o ódio é elevado a
nível de discurso.
Elevar o ódio a nível de discurso significa basicamente
defender que decisões coletivas sejam tomadas com base no sentimento de ódio
(por exemplo: a segregação do nordeste e a intervenção militar). É diferente de
simplesmente não gostar da opinião do outro, ou não concordar com ela: até aí,
estamos dispostos a dialogar, a aceitar que existem pensamentos diferentes do
meu e a conviver com o diferente. Essa disposição não existe quando temos ódio
do outro: na verdade, não estar aberto a essa tolerância necessária à
convivência é um sinal de que o ódio está tomando conta de nossas ações.
Não dá para sentir ódio sem desumanizar o outro. Aliás, o
ódio é um sentimento primário, irracional, que nos retira a capacidade de
reflexão e nos tolhe a liberdade. Projetado no exterior, o ódio tenderá somente
à destruição do outro. Na política, o ódio proporciona catástrofes já relatadas
na história (o nazismo, por exemplo). O ódio nos retira a capacidade de
coexistir com o outro.
Em relação ao que estamos falando, o outro é aquela pessoa
que votou no candidato para o qual eu não votei. Não é simplesmente aquele meu
amigo que senta na mesa do bar comigo e compartilha de praticamente todos os
meus posicionamentos. O outro discorda de mim, não quer o que eu quero.
Uma virtude do regime democrático é que ele é fundado em
nossa capacidade de conviver com o outro - mas a recíproca também é verdadeira,
ou seja, a partir do momento em que queremos exterminar o outro (ou
simplesmente segregá-lo, como é o caso do nordeste), estamos simultaneamente
nos segregando da democracia.
Dessa forma, sabendo que o ódio nos afasta do outro,
impedindo a convivência, e que essa capacidade de conviver é elemento
imprescindível à existência da democracia, sabemos também que o ódio a nível de
discurso é uma ameaça à democracia. Nesse contexto, resta-nos, no mínimo, não proferir
discursos desse porte e não concordar com a postura segregária, preservando
assim a própria democracia.
Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis
Nenhum comentário:
Postar um comentário