quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Oportunismo parasitário na paralisação dos caminhoneiros em Xanxerê

Apoio a manifestação e a pauta dos caminhoneiros (a legítima, usurpando-me da expressão do amigo Bruno Picoli) e censuro a atuação truculenta das polícias federal e estadual, como aconteceu ontem em Xanxerê. Critico também a postura da Presidenta e do Governador, que apenas assistiram os caminhoneiros serem tratados com tanta violência sem sequer propôr um diálogo com os manifestantes.

Por outro lado, acho muito curioso a postura de várias pessoas que apoiam o movimento dos caminhoneiros (apoiam inclusive o bloqueio de ruas, coisa que repugnam quando se trata de outras manifestações): na greve dos professores de Santa Catarina, por exemplo, via-se esses sujeitos afirmando que professor era um "bando de vadio que não queria trabalhar". Professores queriam melhores salário e condições de trabalho. Caminhoneiros também.

Concluo que muitas dessas pessoas não estão nem aí para a pauta dos caminhoneiros, mas estão, na verdade, utilizando-se desses trabalhadores como massa de manobra para realizar seus interesses particulares: promover o colapso do país e forçar uma revolta contra a Dilma. Evidência disso é a infiltração de assuntos aleatórios na pauta dos caminhoneiros (como o "fim da corrupção") e a ocultação dos outros responsáveis pela situação (pedágios, por exemplo, dependem do ente que administra a estrada; redução dos impostos depende de aprovação no legislativo, além disso a maioria dos impostos que incide sobre as atividades dos caminhoneiros é estadual).

A falta de adesão à pauta justa dos professores e a adesão oportunista à manifestação (também justa) dos caminhoneiros demonstram que a preocupação não está ligada à melhoria da condição do trabalhador, mas sim à derrubada do PT. Outras pessoas, talvez por comodismo, acabam absorvendo essa lógica pré-cozida e direcionada ideologicamente.

Se essas pessoas estivessem realmente preocupadas com a situação dos caminhoneiros, procurariam se informar para saber de quem cobrar, e não apenas atribuir aleatoriamente a culpa de tudo ao governo federal. Isso ajudaria muito mais o movimento dos caminhoneiros, afinal manifestar-se indiscriminadamente apenas contra o governo federal é menos efetivo do que saber quem é responsável por cada medida necessária para a solução do problema.

A situação dos caminhoneiros é bastante complexa e merece o olhar dos Governadores e da Presidenta. O governo estadual e o governo federal são responsáveis por essa situação, e ambos deveriam, ao invés de expulsar à força os caminhoneiros, tratá-los com respeito e diálogo.

Todavia, aos caminhoneiros resta enfrentar, além da austeridade estatal, o cinismo dos mesmos oportunistas que parasitaram as manifestações de junho de 2013.

Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Quatro coisas que me dão medo


Ufanistas da ditadura de 64...
1) DEFENSORES DA PENA DE MORTE: para defender a pena de morte, é necessário acreditar que o Estado tem o direito de matar pessoas que praticam determinados crimes. Entretanto, mais do que isso, para defender a pena de morte é preciso acreditar que existem determinadas pessoas que merecem ser mortas. Os defensores da pena de morte são convictos de que, quando alguém pratica coisas muito graves, é necessário exterminá-lo. Essa visão paleolítica da sociedade está calcada em um desdém com a vida do outro, mas principalmente em um desejo de vingança irracional. Preocupante que uma pessoa só merece morrer caso ela não tenha mais direitos, e é por isso que os defensores da pena de morte brigam tanto com os direitos humanos. É necessário atenção, porque foi exatamente nesse cenário de privação de direitos que se desenvolveu um dos maiores holocaustos da humanidade: o nazismo.

2) CONSERVADORISMO JOVEM: se há um tempo ser jovem era sinônimo de mente transformadora, de luta por um mundo melhor, hoje o sonho acabou. Por incrível que pareça, a população jovem é mais (talvez tanto quanto) conservadora do que a adulta. Muito individualistas, as preocupações jovens estão ligadas a escolhas "estéticas-estilísticas", e defender uma ideologia parece uma perda de tempo. Por outro lado, observa-se que a população jovem, quando declara suas opções políticas, mostra uma nítida simpatia aos atuais discursos conservadores (mesmo os de pior qualidade, à Sheherazade e Olavo de Carvalho): o jovem chega ao ponto de ser o principal defensor da meritocracia! Contudo, se é missão do jovem construir o mundo pelo qual será o principal responsável no futuro, essa missão está caindo no esquecimento, ou transformando-se numa defesa pela conservação da coisa como está. O prognóstico para esse cenário é um futuro de indivíduos isolados, encontrando-se atomisticamente em suas busca por prazer individual, e os interesses de mercado regulando cada milímetro de nossas vidas.

...e os novos ufanistas.
Ps.: do Lobão não, do Lobão eu não tenho medo.
3) OPOSIÇÃO UFANISTA: a oposição ufanista pensa que existem dois lados: quem defende o PT e quem defende o Brasil. Assumem como sua maior missão derrubar o governo petista, travestindo esse desejo íntimo com um ar nacionalista, como se assim estivessem defendendo o Brasil. Travestindo-se de nacionalistas, conseguem disfarçar suas reais intenções: instaurar à força um Brasil desejado apenas por alguns. O nacionalismo promove o discurso de que quem votou no PT "votou errado" ou "não sabe votar" ou, pior, "votou porque recebe bolsa-família". A oposição ufanista acredita que os interesses da direita são os interesses do Brasil, muito embora muitos deles incrivelmente neguem a distinção entre esquerda e direita. A oposição ufanista também acredita que os interesses de seu partido são os interesses do povo, à revelia do resultado das últimas eleições (o ufanismo é tão grande que eles sequer dão legitimidade ao voto da maioria).


4) ANTIPETISMO: é como um vírus que se espalha e utiliza como combustível a raiva das pessoas. O antipetismo é uma doença porque tira a capacidade de reflexão e de crítica. Afeta áreas importantes do cérebro e da reflexão social. Antipetismo não é oposição, porque o antipetista pensa que não tem ideologia nem partido, e tem apenas como missão tirar o PT do poder. O antipetista não precisa escolher um lado para atuar politicamente. Essa doença está se espalhando inclusive entre aqueles que se beneficiaram com os mandatos petistas: essas pessoas, justamente por causa das políticas sociais, passaram a transitar pelos mesmos círculos que a antiga classe média, absorvendo destes o ódio antigo em relação aos progressos sociais dos últimos anos. Essa massa amorfa e desorganizada alimenta-se de rancor e de recalques, impedindo uma reflexão e uma escolha racional: qualquer palavra de apoio a uma escolha do governo, logo serás taxado "petista", e tudo o que o governo do PT faz é errado, por qualquer motivo que seja. Procuram apenas um líder forte o suficiente para ganhar força e acabar com o PT. Não importa seja Aécio, Tiririca ou Levy Fidélix: o simples fato de não ser PT, para o antipetista, é suficiente.

Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Carta aberta ao Tudo Sobre Xanxerê sobre a passeata de 15 de março

Há pouco, vi uma reportagem do Tudo Sobre Xanxerê tratando da passeata organizada por alguns que buscam o impeachment de Dilma Rousseff, reeleita democraticamente para o cargo de Presidente do Brasil. As imperfeições da reportagem não são apenas técnicas, mas também políticas. O teor da mensagem preocupa e merece a presente análise.

No primeiro parágrafo, a jornalista traça um paralelo discricionário entre Collor e Dilma. A comparação é ridícula. A qualidade e robustez das provas que se reuniram contra Collor, em 1992, ainda não se reuniram contra Dilma. Contudo, essa informação, talvez por ignorância, foi ocultada. Até a foto da reportagem está descontextualizada: trata-se de uma imagem das jornadas de julho, que não tinham por objetivo destituir a presidente (muitos usurpam dessa imagem porque sabem que com a bandeira do impeachment jamais teriam tamanha mobilização).

Parece que algumas pessoas querem simplesmente ter o prazer de sentir a emoção de "derrubar" um presidente ao qual fazem oposição. Todavia, existem caminhos democráticos para isso acontecer - e também não acontecer. O primeiro ponto é o respeito à Constituição.

O sistema de governo do Brasil é presidencialista, o que quer dizer que as figuras de Chefe de Estado (aquele que representa o país) e de Chefe de Governo (aquele que lidera a administração do país) são reunidas numa mesma pessoa: o presidente. O regime de governo é democrático, ou seja, esse presidente é eleito periodicamente para cumprir um mandato de período determinado. Esse mandato deve ser cumprido até o fim, independentemente de ter o presidente apoio político ou não. A exceção acontece quando o presidente pratica crime de responsabilidade, que são aqueles previstos no artigo 85 da Constituição e não admitem a modalidade culposa (ou seja, deve haver dolo na conduta do agente).

Na época de Collor, houve provas de que ele praticou diretamente atos de improbidade, possibilitando seu impeachment. Ao revés, quanto à Dilma, não há nenhuma prova de ter ela participado diretamente de atos ilícitos.

Para o impeachment, portanto, seria necessário demonstrar, primeiro, onde está a prova de que Dilma praticou corrupção. Petrobras? Nem a grande mídia ousou arrolá-la ao lado dos envolvidos. Pecar por omissão? Ora, se for assim, saiamos todos às ruas pedir o impeachment do Miri pelas práticas de seu ex-Secretário de Finanças, Wagner Westerich; que o povo de São Paulo também saia às ruas pelo impeachment do tucano Alckmin, pelas falhas da Sabesp. Não há sentença nem contra a Dilma, nem contra o pessoal da Petrobras, nem contra Wagner Westerich, tampouco contra Alckmin... mas por que se preocupam apenas com o mandato presidencial?

Para ter impeachment é necessário ter crime. Ponto. Mimimi não tira presidente. Se a oposição não foi competente, não fez campanha direito e não convenceu a maioria dos eleitores, ou aguenta os 4 anos, ou descobre alguma prática ilícita, ou dá golpe de estado. Parece-me, e tenho muito medo disto, que é essa última alternativa a tendência desses revoltosos. O pior é que muitos seguidores desse movimento nem sequer sabem que são golpistas - não obstante, mesmo se o soubessem, acredito que ainda assim estariam dispostos a qualquer coisa para simplesmente "derrubar" Dilma.

Lembrem-se que a maioria dos golpes de Estado antidemocráticos usava o discurso da defesa da democracia.

De outro norte, observa-se que a veia jornalística do Tudo Sobre Xanxerê sofreu, no mínimo, uma rusga quando a repórter citou a Wikipédia como fonte. Mais do que orientação jurídica, o uso dessa fonte demonstra que faltou também senso de ridículo. O infeliz paralelo entre os "vários países da Europa" e o Brasil é no mínimo cômico, pois percebe-se que a matéria nem sequer soube diferenciar o sistema presidencialista do sistema parlamentarista. No parlamentarismo inglês, por exemplo, o Chefe de Estado nunca é derrubado: é a Rainha! O Chefe de Governo sim, esse depende da confiança do parlamento. Repito: o sistema brasileiro é diferente, é presidencialista, logo as funções de Chefe de Estado e Chefe de Governo reúnem-se numa pessoa só, com mandato determinado. Durante esse mandato, o presidente não pode ser derrubado nem por manifestação de toda a população. Pode vir o Papa, o Obama e o Chuck Norris juntos; podem acabar com os estoques de tinta, neo-caras-pintadas: caso vocês estejam dispostos a respeitar a Constituição Brasileira, não vai dar.

Contudo, entristece-me saber que os apoiadores do impeachment se submeteriam a violar a Constituição só para derrubar a Dilma. Com parcimônia, dialogam com práticas afetas de um período obscuro da história brasileira - a ditadura militar. São os novos golpistas, e não sabem... ou talvez saibam, pois muitos deles há não muito manifestavam apoio, inclusive, à hipótese de intervenção militar.

Enfim.

Muitos votaram em Dilma. Aliás: a maioria votou. Sem dúvida essas pessoas gostariam que, no mínimo, seu voto fosse respeitado, assim como são respeitados os votos dos candidatos para os quais não votaram e se elegeram. Impeachment é coisa séria, não é brincadeira de rua, tampouco pós-carnaval.

Na verdade, manifestações assim são típicas de quem fica muito tempo em redes sociais propagando e absorvendo ódio infantil ao PT.

Apoio e exorto as pessoas a fazerem oposição de forma séria e consciente, e não dessa forma aloprada e neo-ufanista. O patriotismo que desrespeita a Constituição pretende, na verdade, instaurar à força um Brasil desejado apenas por alguns.


Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A abordagem tendenciosa da mídia na crise da água

A crise da água ainda não atingiu o oeste catarinense. Não temos racionamento nem passamos dias sem água nas torneiras como vem acontecendo em São Paulo. Entretanto, a forma como a mídia está tratando esse tema suscita questões bastante interessantes.

De regra, o que vemos na televisão e nos jornais é uma abordagem individualizada, focada nas ações que cada cidadão deve fazer para reduzir seu consumo individual de água. Por outro lado, muito pouco se fala sobre os setores que mais demandam água: agropecuária e indústria. A culpa pela crise da água é distribuída de forma tendenciosa, excluindo-se dela as grandes indústrias, as mineradoras e a agropecuária, que são, de fato, as maiores consumidoras de água.

Mais estranhamento causa perceber que mesmo a abordagem individualizada não é realizada de uma maneira séria, pois não aborda pontos nevrálgicos do sistema capitalista, como a lógica do consumo. São poucas as palavras sobre o nosso estilo consumista de viver a vida. Nada sobre o consumo exagerado de carne, zero palavras sobre nossa ânsia de trocar de carro só para nos afirmarmos socialmente, muito embora a produção desses bens demande muita água. Mesmo no individualismo a mídia intencionalmente esquece de criticar os setores e interesses que a financiam e oculta uma verdade inconveniente: a lógica do consumo precisa ser revertida. 

A mensagem que fica é de que devemos consumir menos água, por outro lado produtos que necessitam de muita água em sua produção (carne e produtos industrializados, por exemplo) estão fora dessa conta. Menos consumo é menos tempo no banho, menos água no copo, reutilizar a água da máquina de lavar... mas continue consumindo aquilo que estiver à venda na prateleira!

É claro que a crise da água provém de uma soma de múltiplos fatores, mas não devemos esquecer: um deles, e apenas um, é a falta de chuvas.

Curioso que não só a abordagem da mídia, mas também a lógica do racionamento em São Paulo, é individualizada - o corte acontece na torneira do cidadão. Entretanto, o efeito indireto gerado por esse mecanismo é ocultado: aqueles que possuem dinheiro para adquirir galões e mais galões d'água no mercado podem passar ao largo da crise, ou no mínimo não sentem seus efeitos de forma tão aguda quanto aqueles que dependem do serviço público.

Nessa crise, a lição que fica é a de que, quando a coisa fica feia, quem pagará a conta na carne é o pobre; os interesses financeiros e ideológicos do capitalismo serão (e se forem) a última coisa a ser atingida.

Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis