Há pouco, vi uma reportagem do Tudo Sobre Xanxerê tratando
da passeata organizada por alguns que buscam o impeachment de Dilma Rousseff,
reeleita democraticamente para o cargo de Presidente do Brasil. As imperfeições
da reportagem não são apenas técnicas, mas também políticas. O teor da mensagem
preocupa e merece a presente análise.
No primeiro parágrafo, a jornalista traça um paralelo
discricionário entre Collor e Dilma. A comparação é ridícula. A qualidade e
robustez das provas que se reuniram contra Collor, em 1992, ainda não se
reuniram contra Dilma. Contudo, essa informação, talvez por ignorância, foi ocultada.
Até a foto da reportagem está descontextualizada: trata-se de uma imagem das
jornadas de julho, que não tinham por objetivo destituir a presidente (muitos
usurpam dessa imagem porque sabem que com a bandeira do impeachment jamais
teriam tamanha mobilização).
Parece que algumas pessoas querem simplesmente ter o prazer
de sentir a emoção de "derrubar" um presidente ao qual fazem
oposição. Todavia, existem caminhos democráticos para isso acontecer - e também
não acontecer. O primeiro ponto é o respeito à Constituição.
O sistema de governo do Brasil é presidencialista, o que
quer dizer que as figuras de Chefe de Estado (aquele que representa o país) e
de Chefe de Governo (aquele que lidera a administração do país) são reunidas
numa mesma pessoa: o presidente. O regime de governo é democrático, ou seja,
esse presidente é eleito periodicamente para cumprir um mandato de período
determinado. Esse mandato deve ser cumprido até o fim, independentemente de ter
o presidente apoio político ou não. A exceção acontece quando o presidente
pratica crime de responsabilidade, que são aqueles previstos no artigo 85 da
Constituição e não admitem a modalidade culposa (ou seja, deve haver dolo na
conduta do agente).
Na época de Collor, houve provas de que ele praticou diretamente
atos de improbidade, possibilitando seu impeachment. Ao revés, quanto à Dilma,
não há nenhuma prova de ter ela participado diretamente de atos ilícitos.
Para o impeachment, portanto, seria necessário demonstrar,
primeiro, onde está a prova de que Dilma praticou corrupção. Petrobras? Nem a
grande mídia ousou arrolá-la ao lado dos envolvidos. Pecar por omissão? Ora, se
for assim, saiamos todos às ruas pedir o impeachment do Miri pelas práticas de
seu ex-Secretário de Finanças, Wagner Westerich; que o povo de São Paulo também
saia às ruas pelo impeachment do tucano Alckmin, pelas falhas da Sabesp. Não há
sentença nem contra a Dilma, nem contra o pessoal da Petrobras, nem contra
Wagner Westerich, tampouco contra Alckmin... mas por que se preocupam apenas com
o mandato presidencial?
Para ter impeachment é necessário ter crime. Ponto. Mimimi
não tira presidente. Se a oposição não foi competente, não fez campanha direito
e não convenceu a maioria dos eleitores, ou aguenta os 4 anos, ou descobre
alguma prática ilícita, ou dá golpe de estado. Parece-me, e tenho muito medo
disto, que é essa última alternativa a tendência desses revoltosos. O pior é
que muitos seguidores desse movimento nem sequer sabem que são golpistas - não
obstante, mesmo se o soubessem, acredito que ainda assim estariam dispostos a
qualquer coisa para simplesmente "derrubar" Dilma.
Lembrem-se que a maioria dos golpes de Estado
antidemocráticos usava o discurso da defesa da democracia.
De outro norte, observa-se que a veia jornalística do Tudo
Sobre Xanxerê sofreu, no mínimo, uma rusga quando a repórter citou a Wikipédia
como fonte. Mais do que orientação jurídica, o uso dessa fonte demonstra que
faltou também senso de ridículo. O infeliz paralelo entre os "vários
países da Europa" e o Brasil é no mínimo cômico, pois percebe-se que a
matéria nem sequer soube diferenciar o sistema presidencialista do sistema
parlamentarista. No parlamentarismo inglês, por exemplo, o Chefe de Estado
nunca é derrubado: é a Rainha! O Chefe de Governo sim, esse depende da
confiança do parlamento. Repito: o sistema brasileiro é diferente, é
presidencialista, logo as funções de Chefe de Estado e Chefe de Governo
reúnem-se numa pessoa só, com mandato determinado. Durante esse mandato, o
presidente não pode ser derrubado nem por manifestação de toda a população.
Pode vir o Papa, o Obama e o Chuck Norris juntos; podem acabar com os estoques
de tinta, neo-caras-pintadas: caso vocês estejam dispostos a respeitar a
Constituição Brasileira, não vai dar.
Contudo, entristece-me saber que os apoiadores do
impeachment se submeteriam a violar a Constituição só para derrubar a Dilma.
Com parcimônia, dialogam com práticas afetas de um período obscuro da história
brasileira - a ditadura militar. São os novos golpistas, e não sabem... ou talvez
saibam, pois muitos deles há não muito manifestavam apoio, inclusive, à
hipótese de intervenção militar.
Enfim.
Muitos votaram em Dilma. Aliás: a maioria votou. Sem dúvida essas
pessoas gostariam que, no mínimo, seu voto fosse respeitado, assim como são
respeitados os votos dos candidatos para os quais não votaram e se elegeram.
Impeachment é coisa séria, não é brincadeira de rua, tampouco pós-carnaval.
Na verdade, manifestações assim são típicas de quem fica
muito tempo em redes sociais propagando e absorvendo ódio infantil ao PT.
Apoio e exorto as pessoas a fazerem oposição de forma séria
e consciente, e não dessa forma aloprada e neo-ufanista. O patriotismo que
desrespeita a Constituição pretende, na verdade, instaurar à força um Brasil
desejado apenas por alguns.
Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis