sábado, 22 de outubro de 2011

DA SÉRIE "TRABALHO AOS DOMINGOS": O direito a usufruir a cidade nos finais de semana


O direito a cidade (Henri Lefebvre, 1968) é uma discussão recente no Brasil ( Estatuto da Cidade, 2001). Percebe-se que, quanto mais politizadas as pessoas, mais estas exigem dos governantes locais o seu direito de poder aproveitar a cidade de forma coletiva nos parques, praças e nas próprias ruas fechadas para lazer.
“O direito à cidade e à cidadania é concebido como direito fundamental e concerne à participação dos habitantes das cidades na definição legítima do destino que esta deve seguir. Inclui o direito à terra, aos meios de subsistência à moradia, ao saneamento ambiental, à saúde, à educação, ao transporte público, à alimentação, ao trabalho, ao lazer e à informação ( MARTINS: 2006: 134).”
Temos bons exemplos no Brasil de como fazer com que a população desfrute de seu direito a cidade nos finais de semana.  Relembrando um fato ocorrido em Porto Alegre: a construção da Avenida Beira Rio. Foi, na época, um assunto bastante polêmico, pois, ao mesmo tempo em que se fazia necessária uma via alternativa de escoamento do trânsito, como o local mais fácil por não precisar indenização era o aterro beirando o Rio Guaíba, agredia a população em geral, pois roubaria um recanto do parque da Harmonia que dava acesso direto ao Rio. O embate, como na maioria das vezes no Brasil, teve o poder econômico como fator decisório. A população, durante a semana, perdeu parte do acesso ao Rio Guaíba com a construção da Avenida Beira Rio. Como forma de atender as reivindicações da população que pedia de volta o contato com o Rio que lhes foi tirado, as administrações municipais posteriores determinaram o fechamento do trecho da Avenida Beira Rio que corta o Parque ao trânsito de veículos nos feriados e finais de semana.
Constatando a boa repercussão da medida, com uma visão humanista, a municipalidade de Porto Alegre, além desta Avenida, passou a determinar o fechamento de vários corredores de ônibus nos feriados e domingos (os ônibus passam a transitar nas vias paralelas) para que estes sejam aproveitados pela população para caminhadas, rodas de chimarrão, andar de bicicleta, enfim, para o lazer. Muitos corredores de ônibus tiveram seus canteiros laterais arborizados, assim oferecem sombra e um aspecto visual agradável e mais humano aos passantes e aos que desfrutam destes locais, que se tornaram mais  um espaço alternativo onde se pode usufruir a cidade.
Outro bom exemplo, mais próximo de nossa realidade, é a cidade de Campo Bom que tem aspectos muitos semelhantes à Xanxerê: número de habitantes, anos  de emancipação, um Rio que corta o centro da cidade; e foi pensada/planejada diferente. O Rio não é de propriedade particular – como no caso de Xanxerê –, mas tem um parque público ladeando suas margens, com equipamentos de lazer como pista de caminhada, quadras poliesportivas, playgrounds e espaços de contemplação com bancos e muitas árvores. Nos domingos estes espaços ficam repletos de moradores locais e recebem inclusive visitantes de outros municípios, por ser um local agradável para passar as horas em contato com a natureza, levar as crianças para brincar ou praticar outras atividades ligadas ao ócio.
Para que o direito a cidade seja atendido, a cidade precisa ser planejada ou reformulada para ser usufruída juntamente por nossas famílias e ou amigos quando não estamos trabalhando. Os espaços públicos de lazer deveriam pulverizar as cidades para que não sentíssemos a  necessidade de abandoná-la para descansar. Ir para o sitio no final de semana deveria ser uma opção e não uma obrigação devido ao fato de não existirem espaços públicos dedicados contemplação, prática de atividades de lazer ou  contato com a natureza implantados ou preservados dentro das cidades. Para Lefebvre (do primado da imaginação sobre a razão, da arte sobre a ciência, da criação sobre a repetição), é possível restaurar a cidade como obra dos cidadãos.
Infelizmente em muitos municípios de nossa região Oestina Catarinense (que não tem acesso a locais com praia, lagos, rios e córregos, bens naturais públicos), a maioria da população se vê obrigada a trabalhar a vida toda sem o direito a poder ter espaço e tempo para usufruir algumas horas de lazer com qualidade e diversidade, sem precisar pagar para isto.
Aqui os córregos e rios são cobertos para serem mais rentáveis para os proprietários dos terrenos por onde passam e também gerar mais emendas parlamentares, obras, licitações e movimentar a cadeia de interesses econômicos para conter inundações . Em contraponto à industria da seca do nordeste, temos a industria das inundações no Sul e esta vai acabando com o que poderiam ser os espaços públicos de lazer e contemplação que deveriam margear os cursos d´água para inclusive proteger as edificações das inundações e baratear o custo da cidade, que não precisaria de canais tamponados, indenizações e recuperação pós cheias se estes espaços públicos fossem respeitados. Com baixos custos de urbanização, teríamos belos espaços de lazer gratuitos, para todos.
Muitas cidades brasileiras buscam alternativas para facilitar o acesso ao lazer. Algumas adotaram para o transporte púbico a tarifa social aos domingos (Natal e Fortaleza). As tarifas são gratuitas ou parcialmente reduzidas, privilegiando toda população com  diferenciais para idosos e crianças permitindo  que toda a população possa se deslocar, visitando seus familiares como forma de incentivo ao lazer familiar dominical. Alguns municípios por meio do poder público e/ou iniciativas privadas (em nossa cidade temos como exemplo o SESC) promovem tardes culturais nos finais de semana, com atividades lúdicas e culturais, apropriando-se das ruas como espaço de lazer, humanizando a cidade.
Há tempo para buscar um caminho diferente da Inglaterra a qual a despeito de seus belos espaços públicos de lazer, na ânsia por movimentar a economia, flexibilizou os horários de atendimento do comércio no final de semana, diminuindo ainda mais as horas de convívio familiar aumentando a incidência de divórcios, rupturas familiares e monoparentalidade.

No milênio da internet com a sociedade mais atomizada (pulverizada/ dividida em partículas cada vez menores), cidades que valorizem o lazer coletivo, com a implementação de espaços públicos com este fim, terão grande probabilidade de abrigar famílias mais estruturadas devido ao lazer propiciar maior convívio familiar.

Rosângela Favero - GEDIS

2 comentários:

  1. Olá, Rosângela,
    O prefeito Haddad em SP criou um programa chamado "Ruas de Lazer", que consiste em fechar algumas ruas para o trânsito de veículo no domingo para que sejam ocupadas pelos moradores, sejam para as crianças jogarem bola, andarem de bicicleta, seja para os adultos fazerem uma roda de chimarrão, ou para os jovens escutarem música e se reunirem.
    Mas há regras para fechar a rua: os moradores da rua devem organizar uma espécie de ´abaixo-assinado" e solicitar o fechamento da rua na prefeitura. Vou deixar o link da prefeitura de SP onde há mais informações sobre o programa.
    http://www.capital.sp.gov.br/portal/noticia/4985

    Outras duas alternativas de lazer são fazer ciclovias (se bem que ciclovia não se trata apenas de lazer, mas tem que ser uma opção viável de transporte público) e pistas/calçadões para caminhadas (veja na entrada do município de Saudades/SC, há uma linda, sempre ocupada).

    Esse tipo de iniciativa são importantes, pois reintegram as pessoas à cidade, ao convívio. As crianças podem voltar a ter aquele momento gostoso de socialização na rua, Afinal, as ruas são das e para as pessoas PESSOAS prioritariamente! É lugar de criança, de vida, de pessoas, de convivência!
    Só tem sentido morarmos em sociedade, em aceitarmos viver sob um Estado se for para melhorar as nossas vidas, por isso, a cidade tem que ser pensada para isso, as pessoas (e não os carros) têm que ter prioridade! :)
    Um abraço!

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  2. Apenas gostaria de reiterar, em relação ao comentário anterior, a importância de devolver a cidade às pessoas também no que diz respeito aos moradores da periferia. Por vezes, até em razão de nossa origem social, acabamos pensando no 'cidadão padrão' como sendo aquele de classe média em uma família e bairros organizados. Os pobres e a periferia também tem que fazer parte do orçamento, a opinião e os interesses deles também devem estar contemplados, afinal das contas, quem é rico quase não precisa do Estado.

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