Na acepção popular, “legal” significa algo bom ou divertido. Em textos anteriores, discutimos – sob diversos enfoques - se o trabalho no domingo possui a condição de propiciar satisfação ou realização pessoal, principalmente a quem o faz por necessidade ou imposição (empregados).
E sob o aspecto jurídico? A exigência de trabalho aos domingos é lícita?
A Constituição brasileira assegura aos empregados (inclusive domésticos) o direito de descansar em uma oportunidade na semana, e a receber seus salários como se trabalhando estivessem. Indica, ainda, que esse descanso deve coincidir preferencialmente com os domingos.
O que o constituinte quis dizer com “preferencialmente” aos domingos? Caberia ao empregador optar pela concessão de folga neste ou em qualquer outro dia da semana ou apenas excepcionalmente poderia ele substituir o domingo por outro dia de folga?
Na verdade, a redação não expressa vontade alguma (como se possível fosse extrair uma “vontade” do legislador). A criação de um enunciado dúbio foi a maneira encontrada pelos congressistas para resolver o imbróglio entre o grupo que representava as tendências mais conservadoras da sociedade (também conhecido como “Centrão”) e a ala progressista (integrada por sindicalistas e eleitos vinculados a outros movimentos sociais). Aqueles queriam que constasse da Carta apenas o direito ao descanso semanal remunerado (sem indicação de dia para tanto) e, estes, postulavam a expressa indicação do domingo como dia de descanso.
Cabe ao intérprete, agora, atribuir sentido ao texto. E, a meu sentir, a melhor maneira de fazê-lo é partindo do pressuposto que a Constituição de 1988 representa basicamente rompimento e mudança. A Carta de 1988 inegavelmente rompe com a tradição liberal do regime constitucional anterior e inaugura uma nova ordem no País, lastrada em fundamentos diversos daqueles de outrora.
A principal característica desse novo modelo é a inversão da ordem de valores que regem a ordem econômica. Antes de 1988 - até por interpretação gramatical – predominava a iniciativa individual (livre iniciativa econômica) e, por isso, o trabalho devia moldar-se a esse modelo de organização. A nova ordem opta claramente pela valorização do trabalho e, em virtude disso, o interesse econômico é que agora deve se adaptar aos princípios e regras de valorização da pessoa que trabalha. Aliás, interpretação nesse sentido é a que melhor atende a outras opções constitucionais (como direito ao lazer e ao uso do espaço urbano e valorização da família).
Claro que algumas atividades exigem a prestação de serviços em todos os dias da semana, inclusive aos domingos (serviços de saúde, por exemplo). Para tais situações (que são excepcionais e assim devem ser tratadas), impõe-se a instituição de uma escala (com folgas coincidentes com os domingos em algumas oportunidades) e a admissibilidade do trabalho de empregados em tais dias (a legislação não permite em hipótese alguma a substituição do direito ao descanso semanal pelo pagamento em dinheiro, ainda que de forma dobrada).
Entretanto, a eterna tentativa de viabilizar o trabalho aos domingos em qualquer atividade, principalmente no comércio, é inconstitucional. Logo, autorizações do legislador ordinário para a utilização de empregados aos domingos em atividades que não necessariamente precisem funcionar em tais dias, assim devem ser consideradas. Exemplo dessa inconstitucionalidade está na Lei 10.101/2000 que, em seu artigo 6º, autoriza o comércio em geral a utilizar os serviços de empregados aos domingos (desde que com folga coincidente com estes dias a cada três semanas). Não vislumbro aqui necessidade imperiosa de que estes serviços funcionem em dias originalmente destinados ao descanso e lazer, tampouco interesse público relevante para que isso aconteça.
Em tempos onde a evolução tecnológica permite que a produtividade das empresas mantenha-se no mesmo nível, mesmo reduzida consideravelmente a jornada de trabalho, não há razão plausível para a admissibilidade do trabalho aos domingos no comércio em geral, situação que se mantém apenas em virtude da prevalência do interesse econômico, da inércia judicial e da coação imposta pela sociedade do consumo.
Régis Trindade de Mello - GEDIS
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