quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Os interesses escusos presentes na retórica da diminuição da carga tributária

Assunto frequentemente em voga é a questão da carga tributária existente no Brasil. Muito se fala sobre os benefícios consequentes da redução dos impostos, como o aumento do poder de consumo da população, fortalecimento da economia e até a diminuição da corrupção. É preciso olhar essa questão com mais cautela.
O raciocínio é simples: a população trabalha e produz, paga impostos ao Estado, devendo este dar o devido retorno à população. O problema é que o Estado não anda investindo adequadamente os recursos recebidos, pois é corrupto. Os impostos pagos são repassados ao consumidor final, acarretando o aumento nos preços das mercadorias. Aumentam os preços – sem um acréscimo salarial proporcional –, diminui o consumo. Ou seja, o povo sofre devido aos impostos recolhidos pelo Estado, cujos agentes são corruptos e se locupletam ilegalmente desses recursos, retirando a capacidade de a máquina pública aplicar integralmente os recursos recebidos em prol da população. A solução mais sensata, então, já que não se acredita no fim da corrupção, é que se diminuam os impostos, para que as mercadorias se tornem mais baratas e acessíveis às pessoas.
À primeira vista parecem afirmações lógicas e evidentes. Para muitos críticos, esse raciocínio é utilizado como axioma para defender tal ponto de vista. Mas essa questão exige uma análise mais profunda, mais orgânica.
O primeiro ponto que deve ser ponderado é que diminuir o tamanho do Estado não é a solução para os problemas estruturais nele existentes. Diz-se que “não é sensato a quem tem a mão doente cortar o braço para sarar”. Se existe corrupção quanto aos agentes que manipulam o poder estatal, ela deve ser questionada e combatida. Mas acreditar que decrescer a carga tributária traga consigo a diminuição desse fenômeno social é um tanto quanto ingênuo.
Outro ponto que deve ser levantado é que as economias mais “desenvolvidas” do mundo possuem um aparato estatal generoso – e intervencionista. O Estado não se sente envergonhado em modular os impostos para preservar a economia interna, e o fazem principalmente em prejuízo de países como o Brasil, grandes exportadores de matéria-prima. E essa é uma das razões pelas quais os produtos industrializados são tão caros no Brasil. Logo, pugnar pela diminuição dos impostos brasileiros é quase um tiro no pé: dependendo de como se dará essa redução, a economia ficará frágil e os preços não diminuirão na exata proporção, já que o valor das mercadorias depende de uma lógica bem mais ampla no mundo globalizado.
Se continuarmos focando na questão dos preços elevados que pagam os brasileiros, podemos tomar como exemplo as empresas multinacionais. Mesmo com toda série de benefícios concedidos pelo Estado a essas empresas, ainda assim os produtos por elas produzidos chegam ao mercado com preços bem maiores que aqueles aplicados nos Estados Unidos, por exemplo – e olha que o custo de produção no Brasil é bem menor do que lá (mão-de-obra barata, flexibilização dos direitos trabalhistas, abundância de matéria-prima etc). Será que dá para explicar esse fenômeno unicamente pelos “altos” impostos cobrados do brasileiro?
É preciso tomar cuidado para não reduzir o debate, mesmo porque é interessante a essas grandes empresas que o Estado seja retraído, já que a soberania, às vezes, “atrapalha”. É preciso lembrar que as empresas estrangeiras não se preocupam com a nação, pois sequer desenvolveram essa ideia quanto ao Brasil – que não passa de um grande campo de expansão e exploração. Isso se torna evidente quando observamos que, monopolizando um naco do mercado, essas empresas não poupam esforços em burlar as regras da “concorrência leal”, impondo preços desproporcionais numa busca desenfreada por lucro, que, de regra, vai ser escoado para fora do Brasil.
É a pregação dos países “desenvolvidos”: livre comércio – para os outros.
Se quiser se debater acerca da política tributária aplicada no Brasil, não dá para deixar de lado a questão de que as classes mais abastadas pagam, proporcionalmente à sua renda, menos impostos do que as classes mais pobres. Também devemos repensar, por exemplo, a aplicação dos recursos que, por vezes, para responder a um anseio recalcado da população, concentra-se no maciço aparelhamento do sistema repressivo estatal, enquanto abandona a educação e a saúde pública, remunerando miseravelmente seus profissionais que dispõem, de regra, de uma estrutura precária e arcaica para trabalhar.
A corrupção, a ineficácia do Estado no cumprimento dos mandamentos constitucionais, o reduzido poder de consumo da população, por exemplo, são questões que devem ser debatidas constantemente. Mas reduzir o debate a alguns desses pontos é buscar elementos justificadores de falhas estruturais maiores – para não dizer globais. Faz-se mister adotar uma postura mais sincera e crítica, se quisermos deixar a nossa condição de “terceiro mundo” – e essa postura não se resume, absolutamente, a reduzir impostos, mesmo porque isso não melhoraria as condições econômicas e sociais do Brasil.

Luís Henrique Kohl Camargo - GEDIS

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